29 agosto 2010

FANTASIAS DE GUERRA

«Mal António de Faria apareceu, romperam em grande gemedouro e a pedir misericórdia. António de Faria mandou fechar as portas e pôr-lhe o lume por seis ou sete bandas. Como a construção era de madeira breada [...] o lume ateou-se rapidamente. Causavam horror os urros que os miseráveis soltavam; alguns lançaram-se pelas frestas que havia no tecto e vinham acabar nas pontas das lanças que os nossos soldados erguiam para os esperar
«No meu batalhão [em Angola] éramos 600 militares e tivemos 150 baixas. Era uma violência indescritível [...] Eu estava numa zona onde havia muitos combates e para poder mudar para uma região mais calma tinha de acumular pontos. [...] E para podermos mudar, fazíamos de tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava, e como quando estavam mortos valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros.»

Desde o Século XVI, com a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, até ao Século XX, com este episódio mais recente envolvendo as carnificinas do aguerrido Batalhão de Caçadores 3835 de António Lobo Antunes, parece ser sina lusitana não deixar que a verdade atrapalhe uma boa narrativa de guerra. Já imaginaram o fracasso editorial que não seria se o soldadinho tivesse apenas ido com o Pai Natal e o palhaço no comboio ao circo?
Uma nota final para um exemplo da ignorância e incompetência na RTP (da jornalista Teresa Nicolau e da editora Vanessa Brízido). O entrevistado da notícia chama-se Carlos Matos Gomes, que por vezes usa o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz e não Carlos Vaz Ferraz...

2 comentários:

  1. Tirando o episodio de Fernao Mendes Pinto, da tua autoria, tudo o resto e treta.
    Começando pela referencia aos "pontos": O BART 3835 esteve em Angola, perto do Luso, entre 1971/1973. Eu estive em Angola, embora no Norte em 72/74 e nunca tal ouvi, portanto o Sr. Dr. deve estar a delirar ao relatar tais episodios.
    Quanto a RTP, tambem vi a reportagem e pelo menos podiam ter acertado num dos nomes, mas nem isso.
    Como de costume muito bem observado.

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  2. Então tudo será treta, que o episódio de Fernão Mendes Pinto também não é da minha autoria, apenas uma transcrição da p. 120 da Peregrinação na versão adaptada de Aquilino Ribeiro (Ed. Sá da Costa, 1974).

    Confesso que, por vezes, apetece retorquir a este exagero de Lobo Antunes com outro, especulando que no Batalhão dele, quem mais lidava com sangue, os mais sanguinários, por assim dizer, era ele, como alferes médico, o furriel enfermeiro, e o sargento e os respectivos ajudantes na cozinha...

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