09 março 2010

RUPTURAS

A fotografia acima foi tirada durante as cerimónias do Remembrance Day de 1981, um dia que é muito importante no calendário de cerimónias dos britânicos, por ser evocativo do (naquele caso 63º) aniversário do fim da Primeira Guerra Mundial. Nela podemos ver, da esquerda para a direita, para além de Sir Alec Douglas-Home, o mais antigo dos ex-Primeiros-Ministros então presentes, os líderes da época dos principais grupos políticos britânicos segurando cada um uma coroa de flores: David Steel pelos liberais, Michael Foot pelos trabalhistas e Margaret Thatcher, a Primeira-Ministra em funções, pelos conservadores.

Mas, ao contrário do que se poderia esperar, o que terá tornado esta fotografia memorável não foi nada que esta última fizesse, mas o blusão envergado por Michael Foot… Na verdade, aquilo que Foot envergava não era um blusão informal mas sim um sobretudo curto, mas esse rigor sobre indumentárias tornou-se acessório para as críticas mediáticas que se abateram sobre ele, por causa da falta de respeito pelas convenções de que ali dava mostras. Oriundo da ala mais à esquerda do partido e tendo dividido a carreira entre a política e o jornalismo, Michael Foot era um homem de rupturas, assumindo claramente as suas convicções.
O manifesto apresentado pelos trabalhistas para as eleições gerais de 1983 reflectia essas convicções profundas de Foot, incluindo a saída da CEE, o desarmamento nuclear unilateral do Reino Unido ou a renacionalização de vários sectores da economia que entretanto haviam sido privatizados por Margaret Thatcher. A relutância era enorme entre os moderados do seu próprio partido e houve quem o baptizasse do mais extenso bilhete de suicídio de que havia memória: tinha 700 páginas... Tanto as ideias como o estilo eram os genuínos de Michael Foot, mas os trabalhistas levaram uma enorme tareia nessas eleições¹

Afastado da liderança dos trabalhistas, progressivamente a sua fotografia de blusão de 1981 foi adquirindo um carácter icónico do seu percurso político. Michael Foot costuma ser considerado o pior dirigente trabalhista depois de 1945. Há que reconhecer que Michael Foot foi um homem de rupturas mesmo que essas rupturas fossem com a maioria do próprio povo britânico… Morreu na semana passada. E por ter escrito este poste sobre rupturas e fotografias, aqui vos deixo com uma de alguém que se anuncia disposto a elas: vejam-no e apreciem a maneira escanchada como se senta e nos encara. É toda uma atitude… de ruptura?
¹ Ao contrário daqueles comentadores que costumam consagrar Margaret Thatcher e a sua vitória na Guerra das Malvinas como factor determinante para o comportamento dos eleitores, em comparação com os resultados de 1979, conservadores e trabalhistas perderam respectivamente 0,7 e 3 milhões de votos transferidos na sua quase totalidade para os centristas da Aliança entre Liberais e Sociais-Democratas que receberam mais 3,5 milhões de votos. Porém, dado o sistema de representação britânico por círculos uninominais, essas transferências não tiveram o mesmo impacto na representação parlamentar: os conservadores ganharam 58 lugares (397), os trabalhistas perderam 60 (209) e a Aliança ganhou apenas mais 12 (23).

7 comentários:

  1. A última fotografia é um programa completo, com anexos e tudo!
    :)

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  2. Brilhante.
    Considero no entanto que o melhor do post é... a nota do "pé de post.
    À atenção dos defensores dos circulos eleitorais uninomais.
    Quanto às Malvinas (Falkland) estamos agora a saber que a plataforma continental ao redor contem reservas incomensuraveis de petróleo.
    Qual patriotismo, qual integridade territoral qual quê.
    A Tatcher sabia do que falava e o que defendia.

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  3. Alguns dos defensores dos círculos uninominais - os que apostavam nisso para forçar a bipolarização e sejam inteligentes - esfumaram-se depois da multiplicação de incidentes como o de Daniel Campelo, de Avelino Ferreira Torres, de Fátima Felgueiras, de Valentim Loureiro, de Isaltino de Morais, etc.

    A teoria política, que preconizava que com círculos uninominais se facilitavam a constituição de maiorias parlamentares, deu origem à prática política portuguesa, que demonstrou que assim se corria o risco de que os parlamentares fossem muito mais dificeis de obedecer ao QG do partido...

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  4. Mas o grande argumento a favor dos circulos uninominais não é o de favorecer maiorias mas sim o de tornar os eleitos mais próximos e mais responsáveis perante os eleitores.
    Os exemplos que cita são a prova disso. Há lá algum eleito mais "próximo" do que o Isaltino ou o "Major".
    Pode no entanto ser feita a extrapolação de eleições puramente locais para deputados da nação?
    Depois não se pode ignorar a História.
    As mais velhas democracias do mundo que foram implantadas em tempos onde a comunicação e as deslocações eram dificeis implicavam que apenas um eleito de um destrito longinquo se deslocasse a uma assembleia nacional. É por isso que os USA continuam a manter um sistema eleitoral que, analisado objectivamente, é dos mais antidemocráticos que existem. E funciona.
    Alguém percebe o sistema eleitoral Belga? Acho que nem eles.

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  5. Como em muitas outros exemplos da vida, também em política as coisas usam-se porque são úteis. Os argumentos - como essa coisa da aproximação entre eleitores e eleitos - aparecem depois.

    E a utilidade dos circulos uninominais a uma volta é mesmo essa, a de favorecer maiorias. Na Turquia, por exemplo, desde o final da Segunda Guerra até aos anos 70, o sistema fez maravilhas para manter no poder o Partido que convinha aos militares.

    E quando afirma que a História não se pode ignorar, concordo consigo, mas recordo-lhe que basta apenas evocar a parcela dela que nos for mais conveniente e esquecer a outra.

    Por exemplo, esquecendo que a famosa tradição parlamentar anglo-saxónica não é anglo-saxónica mas sim nórdica escandinava e que muitos dos parlamentos dos países nórdicos são até mais antigos que o inglês: o da Noruega data do Século IX e o Islandês do Século X (de 930, mais precisamente).

    Contudo, quaisquer daqueles países usam hoje - como a Suécia ou a Dinamarca também - sistemas de representação proporcional e não círculos uninominais à inglesa...

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  6. Creio que o senhor que aparece na última fotografia também é favorável à ideia da riação de círculos uninominais.

    Não sabia que Michael Foot tinha morrido, mas com aquela idade...De qualquer modo, julgo que terá sido pela sua viragem muito à esquerda que houve uma cisão no Labour, que originou o Partido Social Democrata, o tal que se aliou aos Liberais, antes de se fundirem no actual Partido Liberal Democrata.

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  7. O João Pedro fará comigo parte de uma minoria para a qual a notícia da morte de Michael Foot pode ser noticiada sem a necessidade de explicar previamente quem falecera.

    Suponho que concordará comigo quão apropriado seria que houvesse um jornal com notícias dessas para a "nossa" minoria. Afinal, não vejo eu nas bancas um jornal em cirílico para a comunidade ucraniana?

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