21 novembro 2006

O PICK-UP DO ZÉ CHINÊS



Esta é uma história antiga, com cerca de 40 anos, quando ainda havia discos e gira-discos, e os gira-discos eram ainda novidade e por isso tratados por um dos seus nomes originais em inglês: pick-up. A história passa-se em África, numa ex-colónia portuguesa, e envolve também um funcionário que tinha relações profissionais (administrativas) com um comerciante chinês que se especializara na importação de electrodomésticos japoneses, uma actividade que se afigurava como imensamente promissora.

Ora o funcionário tinha dois filhos que não deixavam de lhe pedir que comprasse um gira-discos, acessório de espectacular sucesso naquela época (estamos nos anos 60…) entre os adolescentes. E, aproximando-se a data de anos de um dos filhos, o funcionário lembrou-se de perguntar ao Zé Chinês (claro que ele tinha outro nome, mas era assim tratado, numa prova viva que o racismo não se aplicava só aos negros…) se ele vendia pick-ups. E o Zé Chinês vendia e apareceu lá em casa com um, novinho em folha, para oferecer aos meninos.

Gerou-se o mal entendido, porque o funcionário queria, de facto, comprar-lhe o aparelho, insistiu em pagar, o comerciante insistia em oferecer e só perante a ameaça da devolução da prenda é que o Zé Chinês lá estabeleceu um preço simbólico – 100$00! – que o funcionário pagou na doce ignorância do valor real do gira-discos. Todo este episódio é um perfeito exemplo do que podem ser os choques culturais nas formas como se negoceia e se estabelecem contratos e como se encaram as relações de poder e os subornos nas culturas orientais.

Comparados com eles, os portugueses sempre estiveram na infância da arte. Mas sempre que leio menções aos extraordinários desempenhos das economias chinesa e indiana raramente vejo referências aos extraordinários e conhecidíssimos índices de corrupção existentes nas suas economias. Não quer isto implicar que elas se desenvolvem por causa da corrupção. Mais, suspeito que as economias asiáticas se desenvolvem aos ritmos impressionantes que atingem, apesar da corrupção que ali grassa.

Mas, por muito politicamente incorrecto que isto possa soar, entre os factores essenciais que influenciam o desenvolvimento económico não se conta o da presença ou ausência de corrupção. O combate à corrupção é necessário como forma de estabelecer mais equidade e mais justiça social na repartição da riqueza. Isso vale a pena ir aprender à Finlândia… Como se pode aumentar essa riqueza, pode ser ali ou noutro lado qualquer…

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