29 novembro 2006

AS RETIRADAS ESTRATÉGICAS

Nos idos anos das décadas de 60 e 70, quando árabes e israelitas andavam à trancada com regularidade no Médio Oriente, havia uma expressão que eu muito ouvia e lia nas rádios, televisão e jornais, quando algum dos lados – normalmente eram os árabes – enfardava demais nos consecutivos enfrentamentos que os opunham e, como consequência, tinha que reorganizar o posicionamento das suas forças no terreno.

A expressão em questão, a que aprendi a me afeiçoar, era retirada estratégica. Havia também uma versão longa, tipo De Luxe: retirada estratégica para posições preparadas de antemão. Antes de aprender o verdadeiro significado da palavra estratégia – coisa que muita gente que a usa hoje em dia ainda não sabe – no meu conceito infantil ela estava associada a uma qualquer forma airosa de fingir que não se apanhou porrada

Mas não é de infância mas de velhice e de outras retiradas que me lembrei de escrever, a propósito do memorando do actual Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), Almirante Mendes Cabeçadas, dirigido ao Ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, que, escapando ao carácter discricionário que estes documentos costumam ter, acabou na Lusa e nesta página da TSF.

No memorando torna-se perfeitamente perceptível o teor censório posto na forma como se considera que o poder político tem vindo a abordar o problema da especificidade das funções militares. Embora concebido para ser apreciado em ambiente restrito, a verdade é que o conhecimento do conteúdo do referido memorando é agora compartilhado pelo Ministro com toda a opinião pública que liga a estes assuntos.

Longe vá a ideia de supor que esta fuga para a imprensa tenha sido originada de fontes próximas do CEMGFA, as hipóteses da sua origem dividir-se-ão, pelo menos, equitativamente com as do pessoal do gabinete do Ministro, mas não deixará de haver quem se lembre de associar este acontecimento à circunstância do Almirante Cabeçadas estar a terminar brevemente o seu mandato.

Houve CEMGFAs, como o antecessor do actual, o General Alvarenga Sousa Santos, em que o seu mandato foi eivado de diversos incidentes com o poder político. Outros houve, como aconteceu com o antecessor imediato a esse, General Gabriel Espírito Santo, em que tudo pareceu ter corrido pelo melhor, até ao discurso da sua despedida, em que fez as críticas que devia ter feito enquanto ocupava o cargo...

Ora o Almirante Mendes Cabeçadas tem tido um mandato tranquilo, sob três Ministros da Defesa distintos, tendo sido até reconduzido no cargo. Mas pertencerá também ele aquela classe de oficiais generais como a do seu segundo antecessor: a dos generais que só desencadeiam a ofensiva imediatamente antes de efectuar a retirada estratégica para posições preparadas de antemão?...

E fica uma outra questão, muito mais ampla do que a pessoa do Almirante Cabeçadas e dos seus antecessores. Se o topo da hierarquia militar é um dos lugares do Estado que é ocupado por titulares que resultam de um dos mais vastos e apurados processos de selecção de quadros superiores em Portugal, que problemas nos critérios usados poderá haver para que se levantem as questões que aqui levantei?

1 comentário:

  1. Se calhar, nos tais aturados exames, esqueceram-se de olhar para o que mais à vista estava, o nome dos candidatos.
    Um Alvarenga não oferece grandes garantias, ao contrário do Espírito Santo que só pode ser consensual.
    Este Cabeçadas tinha de fazer das suas e escolheu o momento da saída para partir a loiça.
    Acto de coragem? Talvez. Mas melhor teria sido falar mais cedo...

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