03 agosto 2006

A VITÓRIA FINAL

Conforme estabelece a doutrina, a vitória decisiva num conflito ocorre quando um dos intervenientes retira ao oponente a vontade para prosseguir o combate. Como se depreende, os meios são apenas instrumentais para a oportunidade da continuação do conflito mas, por outro lado, também se conclui que o fim de um conflito também pode ser alcançado por negociação se os dois lados considerarem retirar do compromisso vantagens que lhes retire a tal vontade de prosseguir o combate.

Límpidas na teoria, as regras de quem possa estar em vantagem num determinado momento, num determinado conflito concreto, são muito mais difíceis de estabelecer e essa dificuldade é ampliada pelas manobras de propaganda de cada um dos lados. Com habilidade extrema, até se consegue transformar um incidente adverso numa episódio a realçar.

Dizem as más-línguas que a primeira cruz de guerra atribuída a um membro do corpo de fuzileiros na Guiné então portuguesa se deveu à incúria de um praça que não travou a sua G-3 como devia e acertou acidentalmente no pé do seu oficial comandante durante uma operação de que resultou na posterior atribuição da referida cruz de guerra ao oficial ferido. As mesmas más-línguas nunca esclareceram se o praça desastrado chegou a ser punido, como estaria determinado para aquelas situações.

Sendo facilmente rebatível – não fosse estar em causa a reputação de um dos mais ilustres corpos de elite das forças armadas portuguesas – este episódio será acompanhado por centenas, senão milhares, de outros, em outras forças armadas e noutros conflitos e serve-nos de alerta para a dificuldade, se não mesmo a impossibilidade, de poder assegurar nestas circunstâncias qual é a realidade de quem está a vencer militarmente o conflito que se trava no Líbano.

O que vemos são os reflexos políticos e mediáticos das operações que estão a decorrer, onde os israelitas têm estado visivelmente em desvantagem: as estatísticas das baixas dos milicianos xiitas aprecem misturadas com os civis libaneses, havia milicianos xiitas deliberadamente junto ao observatório da ONU onde morreram os quatro observadores internacionais ou os números das vítimas - adultas e crianças - da destruição do prédio em Qana foram deliberadamente inflacionados.

Se o conflito se interrompesse agora, a vantagem aparente naquele jogo de espelhos político que se trava simultaneamente com o conflito militar pertencerá indiscutivelmente ao Hezbollah, e em menor proporção aqueles países que alegadamente o apoiam: Síria e Irão. Assim sendo, Israel deve precisar de tempo para adquirir vantagens militares que possam ser apresentadas como uma vitória que o leve a empatar a disputa política.

E, nesse cenário, não é de excluir que esta recente menção da proposta de uma força robusta de 12.000 efectivos – que evidente não se mobiliza assim de repente – como tampão no sul do Líbano não passe apenas um expediente para adquirir o tempo necessário à conclusão das operações a contento de Israel.

Surpreendente é ler duas pessoas, que costumam ser aparentemente assisadas, como são os casos de José Pacheco Pereira* e de Miguel Monjardino** na revista Sábado de hoje dia 3 de Agosto, onde, apesar da neblina da situação militar e das reservas naturais quanto à seriedade da proposta israelita que evidenciámos acima, se abraçam entusiasticamente à solução do envio de um contingente militar europeu para o Líbano, qual enésima cruzada – a versão de Monjardino engloba até uma certa missão civilizadora... – mas defendendo primordialmente os interesses daqueles que lá estão instalados – os israelitas.

Lembremos que, a propósito de cruzadas, o imperador bizantino sempre tentou condicionar o apoio aos cruzados que se dirigiam à Terra Santa ao reconhecimento por estes dos seus interesses imperiais naquela região. Obviamente, essas manobras falharam. Às vezes as opiniões mais desconcertantes não vêm apenas de pessoas aparentemente muito nervosas como Ana Gomes mas de pessoas aparentemente muito fleumáticas como José Pacheco Pereira…

* Um teste importante pode ser a disposição europeia de participar numa força efectiva que garanta que não há ataques na fronteira norte de Israel, diminuindo assim a tensão na zona, construindo a paz com os moderados árabes e impedindo que os extremistas a sabotem todos os dias. Uma força efectiva, disse eu.

** Se a União Europeia quiser mesmo ajudar a transformar este país (Líbano) num estado é fundamental fortalecer as suas instituições e transformar o exército libanês numa força capaz de garantir as fronteiras do país. O que é que isto implica? Diminuir a influência da Síria e do Irão no país, cortar os canais logísticos que garantem o rearmamento do Hezbollah e convencer os seus líderes a desarmar o seu letal exército.

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