04 agosto 2006

OS RIVAIS DE PAINFUL GULCH

Esta história de Lucky Luke, de Morris e Goscinny, vem despropositadamente a propósito da recente invasão israelita do Líbano e do entusiasmo demonstrado por vários comentadores de simpatias manifestamente pró-israelitas na solução que tem sido ventilada de um grandioso contingente militar de interposição de origem predominantemente europeia que, para além da tarefa óbvia de apartar os contendores, prosseguisse a missão de desmantelamento do Hezbollah que Israel considera já não ter tempo de terminar antes do próximo cessar-fogo.

Em Os Rivais de Painful Gulch, a aldeia está divida pelo antagonismo entranhado de duas famílias, os O´Timmins (de grandes narizes constipados) e os O´Hara (de grandes orelhas). O seu ódio recíproco é tão grande que se tornam um perigo para toda a comunidade porque preferem destruir os bens comuns a deixar que eles sejam usufruídos por todos, sobretudo pelos seus inimigos de estimação.

Lucky Luke, o cow-boy solitário sempre de passagem, é arrastado para a história, promovido a presidente da câmara e encarregado de pôr fim ao conflito. Como seria de esperar, a sua abordagem inicial, convencional, acaba por se revelar um fracasso. E tem de a reformular, passando para uma outra em que é Lucky Luke passa a forçar o atrito e as confrontações entre os dois clãs, embora em condições controladas por si para limitação dos danos.

Tanto é o desgaste que, moralista, a história acaba evidentemente bem, com a conciliação dos dois grupos. A realidade é que é obviamente muito mais complexa e não é o voluntarismo ou a imaginação de um terceiro, por muitos recursos – também militares – de que disponha que leva ao término dos conflitos, apenas a vontade própria das duas facções intervenientes. A eloquência escrita de Pacheco Pereira ou de Miguel Monjardino, por exemplo, por muito empenhada que seja, não é um substituto para as dificuldades da implementação de qualquer solução pacificadora.

Falando das realidades da natureza humana e dos exemplos do passado, como aconteceu com os cruzados, concebe-se que se mate e se morra na conquista de terras longínquas. Não se concebe é que haja a mesma disposição para se matar e morrer pela defesa da segurança de terceiros - quaisquer que eles sejam - nessas mesmas terras. Assim, a eficiência de todos esses contingentes será a resultante do empenho do mais humilde dos soldados que os compõem.

Para mais, quando o sentimento prevalecente entre os cidadãos dos países ocidentais parece ser – também por culpa dos próprios* – o de que os israelitas já não são dos seus… E, de resto, como bem sabem os proponentes de tais soluções grandiosas, no mundo real e para além das exortações, não há muitos que sejam como o Lucky Luke…

* Conhecidos, mas não muito divulgados, os casos Jonathan Pollard e Larry Franklin são disso exemplos. Pollard (1986) e Franklin (2006) eram funcionários condenados pelos Estados Unidos por espionagem a favor de Israel.

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