Hoje comprei o Expresso. Fi-lo pela primeira vez em muitos anos. Tantos, que nem consigo estimar quantos. E os tempos estão muito mudados. O jornal continua a ser vendido em multiplos fascículos e num daqueles sacos cuja ostentação, outrora, conferia a quem o carregava uma gravitas intelectual muito própria. Apercebi-me que passear o saco perdeu qualquer valia sociológica para o povo que agora entupia e fazia fila na tabacaria preocupado apenas com o seu euromilhões e a raspadinha. E se no saco continuam a aparecer aquelas separatas para as quais nem se deita uma vista de olhos, já não aparecem, em contrapartida, aqueles guias para coleccionar, sobre os recantos, os restaurantes, os monumentos de Portugal. Seria uma forma idealizada de fazer turismo interno que poucos praticariam com gosto genuíno. Por outro lado, agora as aplicações como o TripAdvisor substituem isso tudo. E no entanto, ele há coisas que perduram no Expresso. Como a ignorância arrogante de quem lá escreve, simbolizada em figuras do passado como os seus antigos directores José António Saraiva ou Ricardo Costa.
Tomemos o exemplo da página 7, um artigo da jornalista Rita Dinis a respeito do conflito entre o governo e as empresas de energia que começa assim: «Criada no final dos anos 30, a bomba nuclear tinha dois propósitos: funcionar como arma de destruição maciça e como arma dissuasora. Preventiva. A intenção era não ser usada. (...)» Esqueça-se o artigo que se segue sobre a possível conduta de Costa, este intróito é uma caso flagrante do chorrilho de asneiras: a) a bomba começou a ser desenvolvida já nos anos 40, em plena Segunda Guerra Mundial; b) Nesse projecto (Manhattan), o propósito era um e só um: obter a bomba antes dos alemães; c) E, finalmente, a intenção era usá-la, tanto mais que foi mesmo usada, há 77 anos em Hiroxima. O conceito de arma dissuasora só apareceu em 1949, quando a União Soviética detonou, por sua vez, o seu engenho nuclear. Em suma, a jornalista Rita Dinis começa o seu artigo por uma imaginativa analogia, invocando um assunto sobre o qual é evidente que não percebe nada. E, se lhe dissermos alguma coisa a respeito do seu requinte de erudição histórica, antecipo que ainda a veremos abespinhar-se, ofendida. É nestas coisas que o Expresso, embora já menos espesso, me parece intemporal.
O Espesso é só mesmo isso - espesso. Infelizmente não há grandes alternativas.
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