16 abril 2019

NOTÍCIAS TÍPICAS DA ÉPOCA DAS GRANDES CONSPIRAÇÕES

16 de Abril de 1929. A Ditadura Militar ainda não completara três anos de existência e o governo era presidido pelo coronel Vicente de Freitas. A opinião pública ainda não se desabituara das grandes conspirações seguidas de furtivas movimentações de tropas que precipitavam mais uma permuta dos figurantes no poder. E os jornais compraziam-se em alimentar essa opinião pública com os relatos de tudo o que, mesmo vagamente, o evocasse. Assim acontecia com esta edição do Diário de Lisboa de há precisamente noventa anos que, sob o título de Ordem Pública, puxava para título as declarações do tenente-coronel (Ernesto Durval) Pestana Lopes, assegurando que não prendera nenhum general. Compreenda-se a importância do esclarecimento: se a conspiração tivesse envolvido um general, a "coisa" havia sido mais séria... Mas não, embora haja que reconhecer que as Polícias tinham andado activas ao longo do dia, publicando nada menos que três notas a propósito:

A primeira nota refere-se um boato segundo o qual o sr. tenente-coronel Pestana Lopes, director das Polícias, ia ser nomeado governador de Macau. Declara a Polícia: que o lugar nem está vago, nem tem probabilidades de vagar; que ainda que se desse a vaga, era quase certo que o sr. tenente-coronel não fosse convidado; e que ainda que o convite fosse feito, não o aceitaria.

A segunda nota alude aos boatos referentes a uma conspiração monárquica, e está redigida nos termos seguintes: «Correndo o boato, evidentemente no intuito de desnortear a opinião sinceramente republicana de que há elementos monárquicos que activamente conspiram no intuito do restabelecimento do regime deposto, o Governo desmente categoricamente tal boato, pois nada consta a esse respeito na Polícia de Informações. Mas ainda que tal boato fosse verdadeiro, nenhum receio poderia haver, porquanto o Governo, apoiado no Exército e na Marinha, garante que combaterá intransigentemente qualquer movimento de carácter político, seja qual for a cor da bandeira que pretendam arvorar.» (...)

A terceira nota é a que se refere a uma conspiração que a Polícia de Informações descobriu e inutilizou. E por isso merece ser transcrita na íntegra: «A Polícia de Informações do ministério do Interior tem nestes últimos dias efectuado muitas prisões, entre elas a do engenheiro António Maria da Silva, o qual se acha seriamente comprometido num movimento revolucionário que esta polícia acaba de inutilizar por completo. O sr. dr. Daniel Rodrigues, que a polícia pretendeu prender na sua residência e na Caixa Geral de Depósitos, evadiu-se, bem como o sr. dr. Domingos Pereira, andando a mesma polícia em sua perseguição.» (...)

Afinal, o conteúdo da notícia desmentia a sugestão do seu título, e a inexistência de um general era apenas uma mera questão de (falta de) requinte entre as conspirações em curso... Vê-se por aqui que, a técnica de enfatizar o desmentido do acessório, para não corroborar o essencial, é antiga como o caraças! De Pestana Lopes, que aqui se percebe ser um dos pilares do regime (e que, por isso, a outra facção de regime queria mandar para Macau), consta que era um dos mais pertinazes inimigos de Salazar, que já era então ministro das Finanças. Mas essa é toda uma outra história...

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