03 julho 2012

ASCENSÃO E QUEDA DE DIOGO SOARES

Se já aqui me referi à inesquecível composição de Fausto O Romance de Diogo Soares, fi-lo então a propósito da Birmânia e para realçar a ascendência que os militares sempre gozaram nas sociedades daquelas paragens da Ásia. Afinal, Diogo Soares era o governador do Reino de Pegu, um dos antepassados do estado birmanês moderno. Se agora regresso a esta mesma música é numa outra perspectiva diferente: a do abuso das prerrogativas por parte de quem governa, e de como pode ser diáfana a fronteira entre a aceitação da autoridade e a sua rejeição. Parece-me oportuno, já não aplicado àquelas, mas a estas nossas paragens.   

Diogo Soares, o grande general
Chamado o Galego, o homem dos olhares fatais.
Comanda sessenta mil homens de terras estranhas
Vencendo e lutando por quem paga mais.
Eficaz nos sermões, insinuante pois,
Já ganhou a simpatia de príncipes e samurais.
Já é governador do reino de Pegu
Mais forte que o rei, mais rico por golpes mestrais.

Naquela cidade vivia um mercador
De nome Mambogoá, de fortuna sem fim.
E naquele dia, o dia das bodas,
Casava uma filha com Manica Mandarim.
Diogo Soares passou por ali, ao saber da festa
Felicitou noivos e pais.
E a noiva tão linda, ofereceu-lhe um anel,
Agradecendo a honra por gestos puros e sensuais.
Então o galego em vez de guardar o devido decoro
prendeu-a e disse-lhe assim:
Ó moça formosa és minha, só minha
A ninguém pertences, a ninguém, senão a mim!


O pai Mambogoá, ao ver pegar o bruto
Tão rijo na filha ouvindo este insulto de espanto
Levantou as mãos aos céus, os joelhos em terra,
No retrato da dor, pedindo e implorando num pranto:
Eu peço-te Senhor, por reverência a Deus
Que adoras concebido no ventre, sem mancha e pecado.
Não tomes minha filha, não leves meu tesouro
Que eu morro de paixão, que eu morro tão abandonado
.

Mas Diogo Soares, mandou matar o noivo
Que chorava abraçado à moça assustada, tremendo.
E a noiva estrangulou-se numa fita de seda
Antes que a possuísse à força o sensual galego
A terra e os ares tremeram com os gritos
Do choro das mulheres, tamanhos que metiam medo.
E o pai Mambogoá pedindo pelas ruas
Justiça ao assassino acorda a cidade em sossego:
Ó gentes Ó gentes saí como raios
Na ira das chuvas, na ventania do açoite!
E o fogo consuma seus últimos dias
E lhe despedace as carnes no meio da noite!


Em menos de um credo numa grande grita
P'lo amor dos aflitos, juntou-se ao velho o povo inteiro.
Com tamanho furor e sede de vingança
Arrastaram-no preso, Diogo Soares ao terreiro.
E o povo a clamar que a sua veia seja
Tão vazia de sangue de quanto está o inferno cheio
E subiu ao cadafalso, cada degrau beijou
Murmurando baixinho o nome de Jesus a meio

Seu filho Baltasar Soares que vinha de casa
O qual vendo assim levar o seu pai
Lançou-se aos seus pés a chorar e por largo tempo abraçados,
No abraço dos mortais
Senhor porque vos levam, cruéis e vingativos
Senhor porque vos batem e porque vos matam medonhos?
Pergunta-o aos meus pecados que eles to dirão
Que eu vou já de maneira que tudo me parece um sonho.


E foram tantas pedras sobre o padecente
Que este morreu bramindo o rosário dos seus pecados
Ensopado na baba do ódio dos homens
Escuma animal de todos os cães esfaimados.

As crianças e os moços trouxeram seu corpo
Sem vida pelas ruas arrastado pela garganta
E a gente dava esmola oferecida aos meninos
Dava como se fosse uma obra muito pia e santa.

Assim terminam os anais do grande general
Chamado o Galego, o homem dos olhares fatais.

2 comentários:

  1. Confesso que às vezes tenho pena que este blogue não receba mais comentários...

    ...o exemplo supra, que é apenas um último exemplo de frases incoerentes debitadas alinhadamente, é a demonstração que nem sempre é possível pensar daquele modo...

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