03 fevereiro 2011

A HISTÓRIA DO DERG, QUE PODERIA SER PARECIDA COM A DO MFA...

Apesar de ter sido um dos raros países africanos a não ter sido colonizado, a Etiópia nunca foi propriamente um daqueles países onde se concentrassem as atenções do Mundo, a não ser quando as secas prolongadas do Sahel provoca(va)m aquelas fomes generalizadas (1958, 1966) que obrigavam à prestação de programas de auxílio alimentar de emergência. Isso acontecera mais uma vez a partir do Outono de 1973 e dessa vez, com o regime imperial em franca desagregação, em consonância aliás com o estado físico do velho imperador Hailé Selassié (abaixo), os militares etíopes começaram a apoderar-se gradualmente do poder – uma particularidade em África, onde sempre abundaram os Golpes de Estado...
Em 28 de Junho de 1974 – ou seja, dois meses depois do nosso 25 de Abril – foi anunciada a formação do Derg (palavra correspondente a Comité no idioma local), uma Assembleia de representantes dos três ramos das Forças Armadas etíopes, da Guarda Imperial e da Polícia. Tal como acontecia com a Assembleia do MFA em Portugal, cada unidade enviava os seus delegados (no caso três) onde, como também acontecia no caso português, rareavam os oficiais superiores e generais, considerada a associação que muitos deles haviam tido com o antigo regime. Depois, a dinâmica revolucionária cada vez mais radical (dinâmica que em Portugal foi baptizada por PREC) foi triturando os protagonistas...
Mas de uma forma muito mais cruel do que em Portugal, há que o dizer. Em Agosto de 1974, quase todas as figuras destacadas do decrépito regime imperial foram presas. Em Setembro de 1974 o velho imperador, já então uma mera figura decorativa, foi deposto e também preso. A chefia transitória do Estado foi entregue ao General Aman Andom (acima), figura de transição semelhante à do General António de Spínola. Só que, em vez dos cinco meses deste (de Abril a Setembro de 1974), a estadia de Andom no poder durou apenas dois (de Setembro a Novembro de 1974) e terminou de forma muito mais sangrenta, com a sua morte violenta em circunstâncias ainda hoje não totalmente esclarecidas.
À morte de Andom seguiu-se a execução dos dignitários que haviam sido aprisionados desde Agosto, incluindo dois antigos Primeiros-Ministros da monarquia. O seu sucessor na chefia do Estado foi um Brigadeiro discreto e cauteloso (a fazer lembrar, mais uma vez, o exemplo português e o General Costa Gomes) chamado Tafari Benti (ao centro na fotografia acima) mas com o poder real a escapar progressivamente para as facções radicais representadas pelo Major Mengistu Haile Mariam (acima, à esquerda) e pelo Tenente-Coronel Atnafu Abate (à direita, de punho erguido). Em Dezembro de 1974, o Derg (como o MFA) também proclamava que a Etiópia se encontrava a caminho do socialismo…
Mas, não só se anteciparam, com se mostraram muito mais ousados que o MFA. Em Janeiro de 1975 nacionalizaram a banca e os seguros; em Fevereiro todas as grandes empresas industriais e comerciais; em Março aboliram-se os latifúndios e os terrenos agrícolas foram totalmente nacionalizados; em Julho foi a vez dos terrenos e construções urbanas. Misto de Serviço Cívico e de Campanha de Dinamização Cultural do MFA também o Derg mobilizou todos os 50.000 estudantes para esclarecerem a população camponesa sobre a Revolução. Em Abril de 1976, enquanto em Portugal se elegia democraticamente a primeira Assembleia Legislativa, o Derg proclamava que a ideologia oficial etíope passava a ser o Marxismo-Leninismo!...
Haverá várias razões para explicar a diferença dos desfechos entre o que aconteceu em Portugal e o que continuou a acontecer na Etiópia, mas nenhuma delas terá a ver com o empenho revolucionário dos militares verdadeiramente progressistas, transbordante nos dois casos. A maturidade da sociedade portuguesa terá permitido que houvesse uma ala moderada que se veio a tornar maioritária dentro da Assembleia do MFA, que se formasse o Grupo dos Nove, que tivesse havido a sabedoria suficiente para se ter realizado uma consulta popular (as eleições para a Assembleia Constituinte) e que a sociedade civil tivesse estado disposta a demonstrar nas ruas quais eram as suas opções.
Regressemos à História da Revolução etíope para especularmos como se teriam passado as coisas por cá se… O Brigadeiro Tafari Benti da fotografia mais acima conseguiu aguentar-se como chefe de Estado durante 26 meses (Costa Gomes foi Presidente durante 21…) mas acabou assassinado em Fevereiro de 1977 na altura em que Benti prepararia um discreto golpe palaciano para afastar Mengistu Haile Mariam. Como a do seu antecessor, a morte de Benti também se deu em circunstâncias controversas, numa troca de tiros travada no Palácio. Mengistu substituiu-o e ficou tacitamente aprazada a disputa final com o seu rival Atnafu Abate… Este acabou sendo fuzilado em Novembro de 1977.
Nesse momento da Revolução já o poder se personalizara em Mengistu Haile Mariam (acima). Os seus inimigos eram inúmeros e incluíam membros do seu próprio campo ideológico porque tacticamente ele preferira decapitar os próprios partidos revolucionários etíopes (o PRPE e o Meison) para criar um seu, o Partido dos Trabalhadores da Etiópia. Isso não parece ter incomodado os seus aliados cubanos (abaixo) que, nos momentos de maior aflição – com inimigos externos (Somália), várias guerrilhas internas e oposição política clandestina – chegaram a manter um contingente de 17.000 soldados para apoiar o regime. Claro que em 1991, depois da Queda do Muro, tudo aquilo se desmoronou e veio abaixo…
Mengistu veio a refugiar-se no Zimbabué onde ainda permanece, apesar das solicitações das autoridades etíopes para que ele seja julgado, mas a pergunta que gostaria de deixar era outra: tivessem triunfado as vanguardas militares esclarecidas do PREC, quem seria o oficial que, saído das fileiras do MFA e depois de afastar todos os seus rivais, assumiria o protagonismo da nossa Revolução Socialista?... Adenda de dia 4: Fizeram-me sentir que a forma como terminava o poste, formulando a pergunta, mas não respondendo era uma desilusão… Decidi pois acrescentar algumas sugestões de nomes de jovens oficiais do MFA com visibilidade, ambição e imbuídos do espírito mais revolucionário: Diniz de Almeida, Duran Clemente, Eurico Corvacho, Mário Tomé, Ramiro Correia…

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