29 junho 2006

SVEN GORAN ERIKSSON

De entre as ficções que considero terem sido mais bem conseguidas, está aquela que costuma atribuir aos ingleses um conjunto de características – como a fleuma ou o fair-play desportivo, por exemplo – que não existem. A revelarem-se representativas, são-no mas apenas nas classes superiores da sua sociedade.

A concretização desta ideia pode ser vista, por exemplo, num sítio tão remoto como um dos últimos livros que li, Crete, de Antony Beevor*, que trata da invasão de Creta pelos alemães em 1941.O autor lembrou-se de destacar individualmente a história de uma dezena de indivíduos participantes. Curiosamente, quase todos eles tinham andado em Oxford ou em Cambridge. Curiosamente, havia lá mais uns 30.000 soldados aliados – que não tinham andado nem em Oxford, nem em Cambridge.

Existe mesmo no idioma inglês uma expressão apropriada, notional, da mesma raiz e muito mais usada que o nosso nocional (de noção, conceptual, abstracto) e que aqui se aplicaria com toda a propriedade, invocando a imagem nocional que os ingleses gostam de transmitir de si próprios aos estrangeiros.

Quanto a isso, não poderei dizer que somos bafejados pela sorte, mas há a oportunidade de, em Portugal, contactarmos com os exemplares que todos os anos nos enviam para o Algarve para podermos fazer uma apreciação independente. E não se pode dizer que se encontre entre aqueles espécimes muita fleuma ou muito fair-play desportivo.

O nocional chá-das-cinco é substituído por um efectivo cerveja-a-toda-a-hora, emborcado por um bebedor que entretanto adquiriu uma cor nova, de paleta, designada por red-lobster (vermelho lagosta) cuja técnica de aquisição exige uma certa habilidade para a exposição solar que permanece um segredo bem guardado pelos súbditos de sua majestade britânica.

Este preâmbulo, a roçar a xenofobia, não foi despoletado pela mais recente guerra de palavras em antecipação ao próximo jogo de futebol Portugal-Inglaterra do Mundial 2006, mas em solidariedade a alguém que continuo a considerar um grande senhor daquele desporto, chamado Sven Goran Eriksson, actualmente treinador da equipa inglesa.

As sacanices que os tablóides britânicos já lhe montaram e que depois denunciaram, procurando forçar a sua saída do lugar de seleccionador nacional da equipa inglesa, foram de uma tal ordem, que, dada a sua continuação no cargo, só me resta inclinar-me perante tal demonstração de profissionalismo diante da baixeza dos golpes.

O que ele afirmou, em recente conferência de imprensa, merece ser realçado, apesar de ser uma evidência: as equipas que jogavam um futebol vistoso já regressaram todas a casa – Costa do Marfim, Gana, Holanda ou Espanha. O que está em disputa no Mundial são os resultados. É por eles que os treinadores - todos - são avaliados.

Dado que já está adquirido que Eriksson não irá renovar a sua ligação à selecção inglesa, e por isso não será fortemente penalizado pela sua eliminação, confesso a minha particular satisfação se Portugal os vencer no próximo Sábado. Nem é só por patriotismo, é pela satisfação de ver calados aqueles broncos arrogantes que nem sabem apreciar devidamente o treinador que têm.

* É um livro que, embora mais fraco do que outros do mesmo autor, se recomenda a quem aprecia o género (a 2ª Guerra Mundial em detalhe) apesar daquele pormenor very british.

1 comentário:

  1. Essa fleuma britânica nunca me convenceu por aí além. E se transportarmos esse mito para o futebol, então é que as minhas dúvidas se desfazem todas. Os adeptos britânicos de futebol são violentos e xenófobos. E a imprensa desportiva, das mais agressivas do mundo.

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