19 junho 2006

OS ENCLAVES DA DISCÓRDIA

No seguimento do recente referendo na Catalunha sobre o seu estatuto autonómico, aceite por uma clara maioria (quase 74%) dos que votaram, os que o fizeram é que foram uma minoria (49%) dos que o podiam fazer, vale a pena recordar as disputas de soberania que existem por resolver nesta nossa península ibérica e na suas redondezas.

No centro de três disputas está a Espanha que, a par da enorme publicidade que tem dado ao seu desejo de recuperar Gibraltar ao Reino Unido, também tem que resolver, só que agora colocada na situação oposta (a de ocupante), os problemas de Ceuta e Melilha com Marrocos e o de Olivença com Portugal.

Nessa posição central, a Espanha tem-se visto regularmente confrontada com os paradoxos provocados pela argumentação que é invocada por si para defender um dos casos poder vir a ser empregue contra si num outro caso em que se encontra na posição oposta.

Assim, a continuidade geográfica que lhe parece motivo ponderoso e evidente para justificar a absorção de Gibraltar pela Espanha pode também ser invocada por Marrocos para justificar a cedência a este pela Espanha das cidades africanas de Ceuta e Melilha.

Noutro lado, a vontade das populações afectadas, que parece aos espanhóis um motivo suficiente para procurarem encerrar de vez o problema de Olivença com Portugal, tem a sua contrapartida em Gibraltar, onde a população já se manifestou de forma plebiscitária, por repetidas vezes, que não quer ser espanhola.

Nem mesmo as formas mais imaginativas de soberania que a diplomacia espanhola se lembrou de desencantar para tentar atrair os gilbratinos para a sua causa parecem imunes a problemas. Quando o assunto dessas novas formas de soberania foi ventilado, arrebitaram-se imediatamente umas orelhas interessadas, mas na Catalunha e no País Basco…

Usando um velho ditado popular português, a posição da diplomacia espanhola no que diz respeito a estes três assuntos é a de alguém que quer simultaneamente sol na eira e chuva no nabal ou, exagerando um outro ditado, a de quem nem está disposto a dar um chouriço para receber um porco

Mas o que mais importante me aparece em todo o problema é a lição evidente de como em diplomacia não parece haver uma linha de conduta óptima que dê mais possibilidades de sucesso à resolução de disputas fronteiriças ou, já agora, a quaisquer outro problemas diplomáticos.

A exuberância diplomática que a Espanha tem demonstrado ao longo dos últimos 70 anos em recuperar Gibraltar e a displicência que a diplomacia portuguesa tem demonstrado a propósito de Olivença, deixou os dois países rigorosamente no mesmo ponto onde estavam inicialmente.

Qual será a lição que poderemos transportar daqui (se o pudermos fazer) para a conduta da diplomacia portuguesa a propósito dos recentes episódios em Timor? Que não há manual de instruções para cada situação; ninguém garante o sucesso de resultados preconizando a assunção duma atitude mais cordata ou mais exuberante…

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