10 junho 2006

«ANIMAL FARM»

Perdoar-me-ão se me referir ao imortal livro de George Orwell, publicado pela primeira vez em 1945, pelo seu título original Animal Farm e não pelo título escolhido para a tradução portuguesa (O Triunfo dos Porcos), mas considero ser este um dos exemplos mais flagrantes em que a criatividade do tradutor terá estragado por completo a intenção do autor.

Ao dar-lhe um título propositadamente banal – Animal Farm poder-se-á traduzir literalmente por Quinta dos Animais - seria intenção manifesta de Orwell nomear o local da acção e esconder-se por detrás de uma designação que nada mais revelasse do conteúdo da história. A versão portuguesa desvenda-o em boa parte, e logo no título.

A ironia é que, para benefício do significado deste poste, tenho que cometer um erro semelhante e resumir a história, que se passa numa quinta, de onde os animais expulsam os proprietários, ficando ele a geri-la, em regime de igualdade. Progressivamente os porcos da quinta foram assumindo a direcção do processo até que se tornam dirigentes formais, copiando em tudo o comportamento dos humanos que haviam sido expulsos.

Uma alegoria descarada da revolução soviética, a narrativa tem, entre outros inúmeros pontos de interesse, a virtude de nos alertar para as infinitas modalidades de manipulação do discurso político, fazendo-o, com pequenas alterações, desdizer hoje o que havia sido afirmado ontem. O melhor exemplo e que sintetiza o livro é a máxima Os animais são todos iguais que evoluiu no fim para Os animais são todos iguais mas há uns que são mais iguais que os outros.

Tudo isto vem a propósito da apresentação de certos indicadores económicos que constam na comunicação social de hoje. Fosse como no princípio da história de Orwell, o valor de 1% de crescimento económico lá mencionado seria considerado um valor muito baixo, um valor de merda para os menos propensos a eufemismos; agora, que Orwell já deixou seguidores no nosso governo, com 1% a economia cresce ao ritmo mais elevado desde o euro 2004* e este crescimento é virtuoso porque apoiado nas exportações.

Haja quem acredite. Recomendo que leia o livro e fique atento aos adjectivos que os responsáveis pela comunicação do governo adicionam aos problemas. Qualquer dia ainda propõem merda comestível e haverá quem a apreciará…
 
* Notícia de capa do Público de 10 de Junho.

Sem comentários:

Enviar um comentário