30 abril 2006

JOHN KENNETH GALBRAITH (1908-2006)

Faleceu ontem, dia 29, com 97 anos. Se o seu pensamento económico está datado, não considero que ele esteja assim tão datado que não pudesse ser absorvido com um efeito favoravelmente moderador por muito jovem economista que anda por aí a demonstrar demasiada convicção nas virtudes do funcionamento do mercado.

Académico com uma notoriedade obtida predominantemente pelo seu trabalho como divulgador, foram-lhe atribuídas algumas citações com piada. A minha favorita: A única função das previsões económicas é a de conferir respeitabilidade à astrologia. Talvez seja por não levar tanto a sério a Economia que não tenha recebido o Nobel.

DE UMA HIPÓTESE REBUSCADA A UMA CONCLUSÃO PREOCUPADA

Admitamos, por hipótese, que a direcção do BPI já se apercebeu que não se conseguirá opor directamente à OPA que o BCP lançou sobre o seu próprio banco. Mas é claro que, estando em jogo o que está em jogo, a luta travar-se-ia até ao fim.

Admitamos que, por causa disso, começou a desviar as áreas de confronto para outros aspectos mais periféricos, como considerações sobre o perfil do principal dirigente do BCP, Paulo Teixeira Pinto, ou sobre o nível das remunerações dos administradores do banco que os elegeu para presa.

Claro que, se assim tivesse acontecido, a fonte primária desta última notícia teria de aparentar ser o mais neutral possível, de forma a conferir-lhe um máximo de credibilidade, num país muito propenso a atribuir valor acrescentado ao que vem lá de fora. Depois tratar-se-ia do efeito de ressonância na informação nacional.

Se isto se estivesse a passar, seria muito instrutivo verificar qual a capacidade de mobilização da informação de um banco nacional de uma dimensão média quando julga estar em jogo algo que os seus dirigentes julgam fundamental para a sua sobrevivência.

Se um banco de média dimensão pudesse criar toda essa confusão, pode-se especular o que uma grande organização ou uma associação de grandes organizações poderiam fazer em caso de ameaças aos seus interesses que considerassem vitais. Poderiam lançar uma campanha para derrubar um governo?

THE CANDIDATE

Os jovens autarcas do PSD apresentaram ontem o Manual Autárquico que contém regras mas também pistas para sair vitorioso de uma campanha. Jovens do PSD explicam em 24 passos como organizar uma campanha e chegar à vitória. (Diário de Notícias, 30/04/06)

O Candidato é um excelente filme norte-americano de 1972, duma época em que a América ainda nos aparecia simpaticamente ingénua. Trata-se da história de um candidato a um lugar no senado (Robert Redford) sem quaisquer esperanças de vitória e que, por isso, se pode dar ao luxo de fazer uma campanha baseada nas suas convicções.

À medida que a campanha decorre, circunstâncias várias, entre as quais o efeito que a figura atractiva de Redford gera entre o eleitorado feminino, vêm a conferir à campanha uma dinâmica que torna a candidatura em algo muito mais sério do que ao princípio se suporia.

Mas, para que haja uma réstia de esperança na vitória, o candidato irá ter que fazer progressivamente cada vez mais compromissos. Como se afirma na legenda de apresentação do filme, de um cinismo insuportável: “Não há nada mais importante do que vencer. Nem mesmo aquilo em que se acredita.”

Mas a imagem mais forte do filme é a da última cena, entre Redford e Peter Boyle (o seu tortuoso director de campanha), antes do primeiro se dirigir ao palco para receber as aclamações dos apoiantes pela vitória inesperada: What do we do now? (E agora, o que é que vamos fazer?)

Será que o tal Manual Autárquico da JSD também terá, no seu 24º passo, uma resposta ao que se faz depois de se conseguir a vitória?

29 abril 2006

O SENHOR PROVIDÊNCIA CAUTELAR

Está para breve o dia em que José Sá Fernandes virá a ser conhecido por "o senhor providência cautelar". Começa a ser reconhecida como uma especialidade sua no seu modo ímpar de estar na política o recurso a tal instrumento legal. Que, não tendo de funcionar, nem deixando funcionar, parece ser um dos instrumentos que melhor funciona na justiça portuguesa.

Começou pela providência cautelar do túnel das Amoreiras e aí, confesso, até comprei a ideia de que se tratava de um gesto cívico e de uma preocupação genuína do distinto advogado, muito embora a sequência que, por acaso (um acaso à Adelino Gomes, entenda-se…), deu numa candidatura do bloco de esquerda à câmara de Lisboa começasse a levantar suspeitas.

Depois, como vereador eleito, a sua preocupação com o desconforto que as obras paradas do túnel do Marquês estão a causar à população bem como o seu empenho para a resolução do problema que, aliás, ajudou a provocar, tem sido, por assim dizer, um pouco mitigada. Se calhar, não há aqui aplicabilidade para mais providências cautelares…

Mas José Sá Fernandes parece não ter descansado, pois vemo-lo agora regressar à sua actividade favorita ao aparecer com o documento do costume na mão, a propósito do plano de pormenor da mata de Sesimbra. Sinceramente, não conheço a matéria em causa, não tenho opinião. A malta do costume (Quercus, etc.) está contra, mas isso estão sempre. Neste caso, até podem ter razão.

Mas a grande novidade consiste no aparecimento do ilustre causídico que, vindo do município de Lisboa, providencial e cautelarmente, assumiu para si a protecção das populações sesimbrenses, coitadas, que precisam visivelmente de uma orientação externa na pessoa de um tão distinto advogado que até aparece frequentemente na televisão.

Na promoção da sua própria notoriedade, há, entre os advogados, os mais diversos estilos: há quem se faça bastonário (Júdice), quem tenha um partido (Garcia Pereira), quem apareça sempre que há molho (Nabais). Sá Fernandes é o das providências cautelares. Não haverá possibilidade de se interpor uma providência cautelar que o impeça de interpor outras, antes de se resolverem os sarilhos provocados pelas que já havia interposto?

28 abril 2006

NUESTRO HIMNO

É o título da versão cantada em castelhano do Star Spangled Banner, o hino nacional dos Estados Unidos, recentemente apresentado em Miami, na Florida, e que está a provocar uma enorme controvérsia em toda a América. Mais detalhes desta história, em inglês (não em castelhano...) vejam-se aqui.

Mesmo sem os ler, adivinham-se as reacções chocadas e a indignação de toda uma enorme franja conservadora da sociedade norte-americana – e, neste particular aspecto, transversal às tradicionais denominações republicana e democrata - que não concebem a aceitação de outro idioma que não o inglês em qualquer função oficial do governo.

Contudo, ainda recentemente (2004), Samuel P. Huntington, o famoso autor do hipercitado Choque de Civilizações (1996), escreveu este outro livro, virado agora para a análise detalhada da história e da evolução do interior da sociedade americana (who are we?).

E nele, entre outros fenómenos, antecipa a possibilidade que os Estados Unidos tendam a tornar-se uma sociedade bilingue (inglês e castelhano), à semelhança do que acontece com os seus vizinhos canadianos ou, na Europa, com a Bélgica e a Suíça. O que, bem vistas as coisas, até nem parece surpreendente.

Noutro período histórico, pormenores como este do hino esbarrariam na enorme muralha da autoconfiança yankee. Agora, assim, com o poder executivo conferido a alguém que descobriram ser um tonto, atolados numa guerra no exterior de que não sabem como se livrar, tudo parece surgir para lhes atrapalhar a vida!

THE DARK SIDE OF THE MOON

Será apenas por coincidência, mas será uma das curiosas, que os anos de lançamento dos dois discos mais famosos dos Pink Floyd, tanto este, The Dark Side of the Moon (1973), como o The Wall (1979) coincidam com os anos em que se verificaram os dois choque petrolíferos que mais abalaram os fundamentos da economia mundial.

Quando este disco saiu, além de ser banal um automóvel consumir mais de 10 litros aos 100 Km, a teoria económica postulava que o aumento da taxa de inflação tinha um efeito benéfico na diminuição da taxa do desemprego. E a explicação até fazia sentido. Depois veio o choque de 1973, a OPEP, e a teoria económica teve de mudar de teoria…

Com esta subida por aí acima do preço do petróleo, ainda não dei por ninguém que ousasse dizer peremptoriamente se estamos perante mais um choque petrolífero ou se se está perante uma conjugação de circunstâncias. No primeiro caso, talvez a teoria económica tenha de levar outra volta, e os benefícios da globalização não se revelem tão benéficos para os consumidores no longo prazo, por desemprego e pauperização acelerada dos mesmos...

Embora preze muito a lógica - veja-se o meu poste anterior - confesso que seria uma preciosa ajuda para a formação da minha opinião se os Pink Floyd - lá do retiro da terceira idade de luxo onde se encontram - dessem em editar mais um disco de sucesso…

27 abril 2006

A LÓGICA

A Lógica é aquela área do saber que era (é?) dada, tanto em matemática, como em filosofia, mas que numa maioria de casos se aprendia (?) marrando os exemplos e esquecendo-os depois. Apostaria que haveria imensas recusas ao desafio de recordar e distinguir o que é uma aplicação injectiva e uma aplicação sobrejectiva (professores de matemática excluídos, bem entendido!).

Menos hermético, o desafio à desmontagem pela explicação da falha lógica do silogismo que se segue, também não deve entusiasmar muitos adeptos:

a) Todos os cães têm quatro patas
b) O meu gato tem quatro patas
c) Portanto, o meu gato é um cão.

Ora a lógica (e a falta dela) até tem bastante aplicabilidade nos assuntos do quotidiano. Senão vejamos. Todos sabemos que há entre os artistas verdadeiramente excepcionais, alguns que têm características e comportamentos mais bizarros. Acho que nem vale a pena dar exemplos, mas são pormenores que se suportam dada a qualidade do artista.

O grande erro lógico aparece quando, simplificadamente, lá porque todos os génios são bizarros, se pressupõe, mal, que todos os bizarros têm de ser génios. E, em consequência, há uma data de artistas medianos que, por causa de terem um certo estilo, se vêm projectados ao estatuto de ídolo, sem que isso tenha a ver com a qualidade do seu desempenho enquanto artista.

A propósito da despedida de Sá Pinto – e o futebol é um caso onde há, literalmente, milhares de ídolos medianos, cheios de estilo, como ele – as lamúrias que se ouvem e se lêem de adeptos do Sporting a propósito do término antecipado da sua carreira são, mesmo para assuntos de futebol, perfeitamente incompreensíveis.

Em primeiro lugar porque um jogador é pago para jogar futebol e se se deixa expulsar por mandar bocas a um árbitro, mesmo a um mês de terminar a carreira, continua a ser um mau profissional até ao fim. Depois, como ser humano, Sá Pinto continuará sempre com a nódoa da agressão ao seleccionador nacional da qual, creio, nunca se desculpou.

Por isso, desculpar-me-ão alguns adeptos sportinguistas mas não tenho nenhum pesar em ver Ricardo Sá Pinto abandonar a actividade. E se o faz prematuramente só a si se pode culpar. E isto são evidências que valem muito mais do que algumas exuberâncias em campo - que lhe valeram, de resto, várias expulsões.

Suspeito que me dirão que isto é futebol e que um adepto de futebol não é sensível à lógica. Mas este é um assunto que precisa mais do que lógica, também inteligência e argúcia. E o animal que simboliza o Sporting é o leão, não o boi…

NESTLÉ

Nestlé condenada a pagar 1M€ por violação da lei da concorrência (título do Diário Económico de 27/04/06)

A Nestlé perde por vezes a imagem carinhosa do passarinho extremoso do seu símbolo e acaba de apanhar uma multa valente por violar as leis da concorrência. Ainda bem. Escrevo-o, não por ter alguma animosidade especial contra a multinacional suíça, mas porque a notícia parece demonstrar que há organismos de fiscalização portugueses que funcionam.

A dificuldade em sancionar situações de violação da concorrência deve ser enorme porque se devem multiplicar os casos em se verificam práticas incorrectas sem existir documentação que o comprove. Desta vez, os advogados da Nestlé parecem ter-se distraído a redigir os contratos de fornecimento. Mas, transcrevamos um trecho do relatório da Autoridade da Concorrência, que acompanha a comunicação da sanção:

O fornecimento a hotéis, restaurantes e cafetarias representa 61,5% do mercado de café torrado e torrefacto em Portugal, dominando quatro empresas cerca de 80 por cento da quota de mercado. Este é um mercado maduro e estagnado, em que a posição das empresas concorrentes se encontra cristalizada, pelo menos, desde 2000. Este facto dificulta não só a entrada de novos concorrentes, como tem impedido empresas com menor quota de conquistarem novos clientes.

Ou seja, em linguagem de leigo, o tal modelo de mercado dinâmico, concorrente, que se auto-regula nos seus excessos, da cartilha do pensamento económico liberal – e há algo de irónico em ter ido recolher esta notícia ao Diário Económico – parece não se encaixar nos mecanismos de funcionamento do mercado do café torrado e torrefacto em Portugal. Atenção: não estamos a falar do sector financeiro, nem do da energia, nem do das telecomunicações, colossalmente maiores e muito mais importantes. Apenas do de café e torrado…

Para os crentes, Deus existe porque têm fé. Para os defensores acérrimos do liberalismo económico o mercado livre de quaisquer constrangimentos é sempre a melhor maneira de organizar a produção e a distribuição porque… sim. E eu há muito tempo que deixei de discutir teologia… As duas.

DOIS DIAS DEPOIS…

Eu bem sei que já se perdeu toda a oportunidade para se falar do discurso do presidente. Mas, ainda assim, só queria voltar mais uma vez ao assunto, enquadrando-o com os contorcionismos que o referido discurso veio depois a provocar (ver dois posts precedentes com esse título), e recuperando um quadro famoso de Magritte.

O quadro, considerado um dos exemplares mais notáveis da pintura surrealista e que encima este poste, inclui uma legenda: Ceci n´est pas une pipe (Isto não é um cachimbo). Podíamos adaptá-lo e parafraseá-lo para a cerimónia de há dois dias atrás e a legenda seria: Este não é um discurso de Cavaco Silva. A política portuguesa também tem os seus momentos surrealistas…

26 abril 2006

HOJE É A BRINCAR (Pedro Malaquias/Filipe Falk)



E assim mais um dia p´ra esquecer
desfiadas horas sem pensar
Faltei a quanto tinha p´ra fazer
com um prazer secreto de faltar
Amanhã talvez seja a valer
Hoje é a brincar

Sobre a cama ainda por fazer
a eterna jura de te amar
Nesse velho jogo em que perder
vale às vezes mais do que ganhar
Amanhã talvez seja a valer
Hoje é a brincar

Sobre o pulso tenso a bater
encosto o aço frio devagar
Amanhã talvez seja a valer
Hoje é a brincar


Não sendo um entusiasta dos Rádio Macau, esta deve a única música deles de que me recordo, mas considero um dos casos em que vale a pena ouvi-la no original, com a voz da vocalista dolente e arrastada a descrever, talvez, coisas que por aqui se costumam discutir seriamente. Há dias em que sentimos que todo o país é mesmo isso: uma brincadeira.

CONTORCIONISMO – 2

Confesso que estava curioso sobre a forma como reagiriam os putos atrevidos e tontinhos do ultraliberalismo económico ao discurso de 25 de Abril de Cavaco Silva. Sobretudo os que escrevem em órgãos institucionais. Secretamente, convenci-me que hoje, a premência de escrever sobre o aumento do preço do petróleo ou sobre o estado das nossas contas públicas seria enorme. E enganei-me.

No dia em que abandonar a direcção do Diário Económico, Martim Avillez Figueiredo pode lançar um jornal humorístico. Ele tem coragem e tem graça – provavelmente a graça é involuntária, mas pode fundar um clube de directores de jornais com as mesmas características com o arquitecto Saraiva do Expresso.

O artigo arranca assim: “Cavaco Silva foi ontem ao Parlamento fingir um discurso à esquerda. Assim mesmo: fingir.” Quem quiser pode ler o resto do artigo aqui. Ou seja, ninguém percebeu nada, o Jerónimo e o Louçã que no post anterior estavam todos chateados afinal não tinham razão nenhuma, o Martim é que a topou toda.

Depois, o Martim escalpeliza o sentido correcto das intenções do discurso do presidente, tal qual faziam os kremlinogistas* de outrora, de forma a virmos a descobrir em Cavaco Silva, afinal, um adepto fervoroso, mas encapotado, da escola económica de Chicago. Um verdadeiro liberal de convicções arreigadas, portanto. É que assim, o Martim apoia evidentemente o presidente!

Tivessem Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa mais imaginação e sentido de humor e também eles se tinha lembrado que o discurso presidencial, quando encarado de uma maneira mais peculiar até tinha uma vertente liberal extremada. E estava tudo resolvido. Nem tinha havido necessidade do post anterior.

Como já aqui referi uma vez, a propósito até do mesmo Martim, o problema nem está na existência destes fenómenos. O problema consiste em levarem-nos a sério…

*Jornalistas ocidentais especializados, colocados em Moscovo, que esmiuçavam os discursos de encerramento de seis horas e meia de duração dos congressos do PCUS a verificar se tinha sido dito algo de verdadeiramente interessante. Um líder podia ser considerado mais (ou menos) progressista porque tinha citado por 36 vezes o nome de Lenin e o seu antecessor só o havia feito 24 vezes.

CONTORCIONISMOS


Diz-nos o blogue Defender o Quadrado que, apesar de não ter um detector de spin, tem mostrado muita intuição para descobrir quais serão as novas tendências da moda discursiva do comentador político para a temporada, que nos iremos habituar a ouvir com bastante frequência a expressão espuma política na próxima primavera de 2006.

Sem me atrever a rivalizar com a riqueza estilística daquele blog quero, a propósito do mesmo episódio do discurso presidencial do 25 de Abril em que faz aquela previsão, recuperar uma outra expressão, menos elaborada, que me ocorreu: contorcionismo. Foi mesmo nessa actividade circense, repleta dos seus segredos, que pensei ao ouvir ontem os comentários de Jerónimo e de Louçã no seguimento do discurso de Cavaco Silva.

Eu bem sei que as habilidades de circo até estão com a popularidade em alta, vide o actual concurso da TVI. E, valha a verdade, eu até prefiro ver Louçã no ecrã em qualquer actividade circense em vez de José Castelo Branco, mesmo que seja tirar pombinhos de uma cartola. Aliás, política e metaforicamente Louçã é mesmo um especialista em tirar animais da cartola.

Mais a sério, chega a tornar-se caricato ver os dois paladinos da esquerda arredondar o mais possível os comentários de forma a dar o mínimo cariz elogioso a um discurso manifestando uma evidente preocupação social, que teria sido muito bom e ido ao encontro das preocupações que têm manifestado, não fora ter sido proferido por um senhor chamado Aníbal Cavaco Silva.

Ora, sem um mínimo de honestidade intelectual e para facciosismo político puro podemos perfeitamente prescindir da democracia representativa e de representantes. O senhor Jorge, do café defronte de minha casa, está perfeitamente habilitado para fazer um discurso a quem o queira ouvir, sobre a corrupção dos políticos, que só vão lá para se encher, que só querem é poleiro e que são um preguiçosos. Ah, e há sempre uma explicação suplementar que justifica qualquer mau resultado do Benfica.

Se é para isto e havendo já mais de dez milhões de telemóveis em Portugal poderíamos implementar a primeira verdadeira democracia directa em que a legislação fosse votada por SMS. É indubitável que os facciosismos de todos os senhores Jorge de todo o Portugal (D.O.P.*) seriam muito mais genuínos e muito mais legítimos do que as habilidades tácticas de Jerónimo e Louçã. Isso sim, seria um verdadeiro choque tecnológico!

Por falar nele, já verifiquei que José Sócrates, como todos os primeiros-ministros que o antecederam fizeram com os discursos de Sampaio, “pegou” no de Cavaco de “cernelha”**. Será que se prepara para lhe fazer o mesmo que se fizeram aos outros discursos?

*Classificação de produto agrícola: Denominação de Origem Protegida.
** Na pega de cernelha, ao contrário da pega de caras, os forcados põem-se ao lado do touro para o dominar.

25 abril 2006

ESPAÑA, UNA, GRANDE, LIBRE

Rajoy apresenta quatro milhões de assinaturas ao congresso para que o estatuto (catalão) seja votado em toda a Espanha (Título do El Mundo de 25 de Abril de 2006)

Uma das formas simplificadas de explicar a transição espanhola de 1976-77 para a democracia, consiste em dizer que foi a direita espanhola inteligente que, cautelosa com os exemplos que estava a colher de Portugal, poupou a direita espanhola estúpida às humilhações que todas as direitas portuguesas, estúpidas ou inteligentes, estavam a sofrer ali mesmo ao lado.

Foi um favor que, passados trinta anos, é capaz de se vir a revelar contraproducente. Falar hoje com um espanhol de opiniões conservadoras pode revelar-se uma grande surpresa. Direita em Espanha quer mesmo dizer direita, e para os mais velhos, que se recordam da tal transição, ainda fica para perceber mais claramente porque é que a Espanha, una, grande e livre, de Franco teve de desaparecer assim de repente. Um pouco à semelhança do que acontecia com a perplexidade que os alemães mostravam sobre as causas da derrota do seu país em 1918.

E, com a iniciativa do lado do PSOE e de Zapatero, a atitude de Rajoy e do seu PP tem sido a de querer bloquear tudo e opor-se a tudo – como o truque mais recente, o de pedir que os estatutos autonómicos sejam votados em todo o país - para a satisfação da tal direita estúpida e do seu eleitorado cativo que sempre adorou slogans grandiloquentes, castelhanos em todo o seu esplendor embora completamente dissociados da realidade.

Exemplificando com o que encima este post, historicamente, a Espanha nunca foi una, já não é grande desde os Habsburgos do século XVII, e penso ser dispensável qualquer comentário sobre o facto dela ter sido livre sob o regime do general Franco…

¿Donde estás, Adolfo Suarez? Onde anda, por estes dias, a direita inteligente espanhola?

CAPITÃES DE ABRIL

É uma pena que apenas exista o filme Capitães de Abril, realizado em 1999 por Maria de Medeiros para servir de evocação cinematográfica da revolução de há 32 anos. É que o filme, mau grado o ribombar exuberante das campanhas de marketing e de promoção na altura do lançamento, da participação de Joaquim de Almeida, da co-produção internacional, da música dos Madredeus e das críticas quase unanimemente favoráveis é mesmo fraco, muito fraquinho…

Um dos seus maiores problemas – que o tempo poderá curar – repousa no facto de que parte da audiência conheceu e ainda pode recordar, de uma forma ou outra, como se passaram as coisas no original. Há naquele filme personagens – a criada, um exemplo, de memória – que sociologicamente pura e simplesmente não existiam no Portugal do primeiro terço dos anos setenta.

Em termos militares, o argumento parece nem ter sido revisto por alguém que tenha sequer feito o serviço militar e as gaffes estrondosas sucedem-se: qualquer oficial teria uma grande relutância em usar uma G-3, que é uma arma de soldado, também não faria qualquer sentido dar a patente de major (como superior hierárquico) ao personagem cínico que acompanha o protagonista…

Mas as melhores demonstrações de cinismo, recordo, estiveram reservadas para um debate televisivo a propósito do filme, que decorreu na RTP1, moderado por Maria Elisa, em que foi evidente, dada a presença da realizadora, o pudor dos vários convidados em emitir as suas opiniões, honestamente, sobre o que pensavam do filme. A velha pecha portuguesa: usamos o pretexto da boa educação para escondermos a nossa falta de frontalidade…

Curiosamente, quase em simultâneo, suponho que no mesmo ano, a SIC apresentou um documentário excelente sobre o mesmo tema, denominado A Hora da Liberdade. Aí, apesar do lapso de se ter filmado um 25 de Abril solarengo – os testemunhos são unânimes em que o dia esteve sempre nublado – o mérito de um excelente trabalho de actores, fez-nos aparecer um Salgueiro Maia, um Otelo, um Marcello Caetano e mesmo um Spínola um pouco histriónico, mas absolutamente credíveis.

Capitães de Abril vai passar na RTP1 às 17H30. Não recomendo. A SIC bem podia reapresentar o seu documentário, em vez do Beethoven II e do Sozinho em Casa XIV.

24 abril 2006

25 DE ABRIL, AINDA…

Uma das riquezas das fotografias emblemáticas, como esta do 25 de Abril de 1974, é a multiplicidade de interpretações que lhes podemos atribuir. Neste caso, quero interpretar o gesto da criança a introduzir o cravo no cano da arma, como uma atitude em que pretende transmitir, com a flor, a democratização do poder militar representado também pelo individuo fardado, entre os três que seguram a G-3, que apenas se vêem parcialmente.

Actualizar aquela fotografia para 2006, pode passar por mostrar um dos braços envergando uma beca*, e substituir a G-3 por um qualquer outro instrumento que simbolize as magistraturas, como um martelo de madeira. Os cidadãos do regime democrático já de há muito que não mostram receio pelos seus generais, mas continuam a contemplar os seus magistrados com um olhar cada vez mais apreensivo…

* beca, s.f., veste talar preta usada por magistrados judiciais em exercício.

O SÍNDROMA GORBACHEV

Mikhail Gorbachev é um político e um estadista respeitado em todo o mundo como o maior responsável pelo fim da Guerra-Fria. Pouco importará especular se era isso mesmo o que ele desejava, ou se estava apenas a tentar reformar o que era irreformável, a verdade é que entre o coro mundial de aprovações há apenas uma excepção: o seu próprio país, a Rússia, onde todas as sondagens mostram que Gorbachev é detestado.

O Expresso de há uma semana atrás também demonstrava que o grau de simpatia de que gozava José Ribeiro e Castro era muito superior ao que gozava Paulo Portas nos seus tempos de dirigente partidário. Mas a questão é outra, porque as disputas que Ribeiro e Castro tem pela frente são de âmbito doméstico, onde a simpatia granjeada junto da sociedade em geral de pouco lhe vale.

Ontem, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou para lhe inocular uma das suas ferroadas venenosas em que é especialista, ao descrevê-lo como um convidado de fora num colóquio promovido pela Juventude do partido que dirige. A descrição acaba até por não surpreender muito porque, ao fim e ao cabo, poucos serão os que se arriscarão a compreender em que é que consiste o CDS/PP actual.

Como aquelas criaturas que vão mudando o exosqueleto enquanto crescem, o CDS/PP teve-os vários, de diferentes tonalidades, enquanto encolhia. E permanece a dúvida, em que formato e com que coloração poderá render mais votos. E aqui, tenho as minhas sinceras dúvidas que todo o capital de simpatia de Ribeiro e Castro se consubstancie em votos nas urnas.

O que deixa Ribeiro e Castro numa situação parecida, mas menos exagerada, com a de Gorbachev, que ganharia a brincar as presidenciais russas, se o eleitorado fosse mundial, mas que mal chegaria aos 5%, se fossem só os russos a votar.

23 abril 2006

AS ESTRATÉGIAS DE MARCELO

Não pude evitar um enorme sorriso quando Marcelo Rebelo de Sousa, na sua intervenção televisiva deste Domingo, a propósito das múltiplas candidaturas à liderança do CDS/PP no próximo congresso, criticou os estatutos internos recém aprovados do partido, que obrigam à apresentação conjunta de uma candidatura à liderança do partido para quem se proponha apresentar uma moção de orientação estratégia para o partido.

A entrevistadora, Maria Flor Pedroso, ainda fez notar a Marcelo que o seu próprio partido, o PSD, também adoptou a mesma prática, ao que este respondeu, rápida e evasivamente, que nunca tinha sido assim, desde o tempo de Sá Carneiro, como se “Sá Carneiro e o seu tempo" fossem os depositários de toda a sabedoria.

O meu enorme sorriso deveu-se à reacção de Marcelo, como um exemplar típico de um certo país político que está felizmente em vias de extinção, embora também não saiba se me deva regozijar pelo que está para lhe suceder. Mas não me parece que haja qualquer racional que consiga sustentar a apresentação de moções de estratégia sem a responsabilidade de uma equipa que se proponha implementá-las.

Parece-me a institucionalização da atitude bem portuguesa de mandar as bocas sem arcar com quaisquer responsabilidades por tê-las mandado. Ou para mostrar que são uns grandes pensadores. Ou só para mostrar que andam por ali, mas que ainda não lhes dá jeito fazer as despesas do esforço de dirigir o partido.

Em rigor, a prática que Marcelo defendeu, pode permitir que uma equipa seja eleita para a liderança de um partido para implementar e levar a cabo a estratégia de uma outra equipa, que preferiu deixar estar-se na sombra. É um acontecimento tão lógico como o de um primeiro-ministro que tem de aplicar um programa de governo apresentado pela oposição.

Em jeito de balanço, não surpreende que Marcelo, que sempre fez de mandar bocas a sua forma de estar na política, se continue a mostrar um acérrimo defensor da sua prática em congressos partidários. O que surpreende, retrospectivamente, é como esta prática, estruturalmente tão irracional e tão irresponsável, se conseguiu manter por mais de 30 anos de democracia partidária.

OIÇÃO!!!

O refrão Oição!!!, cantado com a voz de uma força e guturalidade ímpares, do angolano Eduardo Nascimento, tornou-se a imagem de marca da canção O Vento Mudou que a RTP mandou como sua representante ao Festival da Eurovisão de 1967.

Foi, à sua maneira, um gesto ousado, num concurso que nunca se mostrou nada interessado em valorizar ousadias. Naquela altura, era uma Eurovisão que emanava naturalmente da imagem da Europa de então, onde a França do general de Gaulle, antes que o Maio de 68 abalasse tudo aquilo, se pensava o núcleo incontornável da CEE e de qualquer outra instituição europeia.

O Festival da Eurovisão procurava transmitir uma imagem completamente ficcionada da importância da francofonia, multiplicando as canções concorrentes cantadas em francês pelos contributos da França, Bélgica, Mónaco e mesmo do Luxemburgo (!). E, entre essas, quase todas favoritas à vitória porque a qualidade das mesmas e dos seus intérpretes, evidentemente, pouco contribuíam para o resultado da classificação final.

Naquele ano, a representação portuguesa teria sido quase forçosamente angolana: o grande rival de Eduardo Nascimento na selecção prévia havia sido o Duo Ouro Negro, cujos membros também eram originários de Angola. É portanto provável que a apresentação de um angolano a representar Portugal na Europa fosse um acontecimento esperado, senão mesmo provocado e sancionado pelo regime.
Independentemente da opinião política que se pretendia promover – um Portugal multirracial e pluricontinental – é de louvar o pioneirismo da aposta. O pior foi a má escolha de local. Ninguém estava ali para prestar muita atenção à novidade de um concorrente africano num certame europeu. Eduardo Nascimento e o seu Oição!!! ficaram em 12º lugar entre 17 concorrentes… O que, como de costume, foi uma vitória moral…

A ousadia, nesse ano, até foi premiada, mas foi para uma senhora inglesa que cantou... descalça.

22 abril 2006

UM EMBRIÃO DE MFA NA AMÉRICA?

Já caiu na categoria das afirmações incontroversas, a que é atribuída a Clausewitz, que a Guerra é a continuação da disputa política, usando outros meios. O que permaneceu controverso tem sido a escolha, prática, do nível hierárquico de fronteira entre aqueles que devem ser ocupados superiormente pelos políticos e os que têm de ser ocupados pelos profissionais militares.

Em 1918, nos finais da 1ª Guerra Mundial, havia uma França, dirigida por um primeiro-ministro (Clémenceau) conhecido pela afirmação de que “a guerra era um assunto demasiado sério para ser confiado aos militares”, defronte de uma Alemanha onde o Quartel-Mestre-General do Comando Supremo do Exército (Ludendorff) punha e dispunha como se a guerra fosse uma coisa séria de mais para que o governo civil pudesse dirigir a economia, as finanças ou os transportes.

Entre estas concepções extremas, foi Clémenceau que compareceu como vencedor à Conferência de Versalhes de 1919. O poder político civil superiorizou-se ao militar. E, novamente em 1945, é incontestável que as três potências vencedoras do conflito, apesar das enormes divergências ideológicas entre si, eram substancialmente muito menos militaristas do que as duas potências vencidas da 2ª Guerra Mundial.

Manteve-se esse predomínio político civil como o clima dominante de parte a parte durante a Guerra-Fria, apenas contrariado por algumas excepções ocasionais, de que o caso mais relevante, sobretudo pela importância do país envolvido, terá sido o da França de 1958. Normalmente, aconteceram quando se chegou a situações de lacunas de assumpção do seu papel por parte do poder político civil.
Nalguns casos foram desencadeados de uma forma directa pelo topo das hierarquias militares – Turquia, Grécia, Polónia – noutros manifestaram-se através de estruturas informais dentro do aparelho militar, como foram os casos da OAS francesa, do MFA português ou da UMD espanhola. Destes últimos, apenas a organização portuguesa chegou ao poder através de um golpe de estado.

Mais de 15 anos depois do fim da Guerra-Fria, é curioso registar o aparecimento de ambientes com algumas semelhanças com as que estiveram por detrás das organizações mencionadas, mas agora do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, a fazer fé neste artigo do New York Times.

Como Marcello Caetano poderia muito bem explicar a Bush e Rumsfeld, a técnica da nomeação de generais domesticados para preencherem o topo da hierarquia de tropas envolvidas em operações militares não é uma solução durável. E há organizações em que rupturas nas relações verticais da hierarquia - como também parece estar a acontecer com a CIA - as torna inoperacionais.

É evidente que os Estados Unidos são uma sociedade democrática e é impensável conceber que haja ali golpes de estado - só mesmo nos filmes de ficção! Mas a prática de Rumsfeld e desta administração é como tapar o pipo de uma panela de pressão. Aguenta-se por alguns minutos, mas depois o ar vai ter de sair por algum lado…

PEQUENA DIVERGÊNCIA

Síntese do artigo do Público de hoje de Vasco Pulido Valente: Infelizmente, há séculos que Portugal não dá aos portugueses nenhum autêntico motivo de orgulho.

Há duas pessoas que ficaram em Portugal em que costumamos especular sobre quais teriam sido as suas carreiras se tivessem ido lá para fora: uma é Hermann José, outra Vasco Pulido Valente.

Sobre Hermann José estou a falar a sério; sobre Vasco Pulido Valente, nem por isso. A Europa até é um continente que atravessa uma fase deprimente, passível portanto do comentário apuradamente ácido do Vasco a propósito de todas as coisas que nos têm estado a correr mal nesta nossa casa comum europeia.

Não conheço o universo de todos comentadores ácidos que existem por essa Europa fora, mas suspeito que lhes seja necessária alguma contenção porque nem todos os auditórios são tão benignos como o português que aguardam mansamente todo o fim da semana a flagelação tripla das crónicas do Vasco.

Portanto, revertento à frase síntese do início: discordo dela. Não é verdade. Há um motivo de orgulho autêntico em Portugal: temos um compatriota chamado Vasco Pulido Valente! Ele zurze em todos nós e nós gostamos!

STAR TREK

SPACE… 
THE FINAL FRONTIER…
THESE ARE THE VOYAGES OF THE STARSHIP ENTERPRISE.
HER FIVE-YEAR MISSION TO EXPLORE STRANGE NEW WORLDS,
TO SEEK OUT NEW LIFE AND NEW CIVILIZATIONS,
TO BOLDLY GO WHERE NO MAN HAS GONE BEFORE!*
E depois rompia uma música foleira, onde umas senhoras gemiam onduladamente em coro e onde o som de um par de marimbas intentava transmitir o exotismo das novas civilizações que o Capitão Kirk e companheiros iriam descobrir. Penso que a série dispensa mais apresentação. Ando, há uns tempos, a viver por interposta pessoa, uma viagem de exploração, não a novos mundos e civilizações, mas à profundidade da sociedade portuguesa transposta para as organizações de base de um grande partido político português. Os protagonistas que apareceram e as peripécias que me têm vindo a contar são de uma bizarria absolutamente digna de um episódio do saudoso Star Trek, como se a ética de conduta dentro de um partido fosse alienígena e completamente diferente da que deve reger o resto da nossa sociedade. Julgava eu que era um deficit de cidadania de todos nós que fechava os partidos políticos à sociedade. Já começo a ter mais do que impressões que os aparelhos partidários são hoje gigantescas máquinas giratórias centrífugas que repelem aceleradamente os mais ingénuos. Nas bases, secções e concelhias, eles não precisam de mais gente, e a gente normal também já percebeu que eles não têm grande coisa para lhes oferecer. Tirando o caso dos comunistas, onde este sistema organizativo esta geneticamente associado à sua formação e funcionamento, este tipo de estruturas partidárias nos outros partidos mostram-se perfeitamente caducos em relação à sociedade portuguesa actual. Um exemplo? O que é a secção concelhia do PS em Felgueiras? Quem apoiam? Sócrates ou Felgueiras? Ou Sócrates e Felgueiras? Ou só Felgueiras?...
*O espaço… A fronteira final… São as viagens da nave especial Enterprise. Na sua missão de cinco anos a explorar estranhos mundos novos, À procura de novas formas de vida e novas civilizações, A ir ousadamente aonde nenhum Homem ainda foi!

21 abril 2006

ANTÓNIO BUZZWORDS CARRAPATOSO

Para os não iniciados, a expressão buzzword (é difícil traduzi-la por forma a manter o espírito original, talvez palavrassonora seja uma boa tentativa) refere-se a uma palavra ou expressão nova, inventada normalmente para ser empregue em aspectos técnicos, administrativos ou de gestão. São concebidas para darem ao seu utilizador capacidade de impressionar terceiros e, para isso, são suficientemente vagas para não gerarem controvérsia. Quando bem utilizadas - isto é, em antecipação, antes do maralhal as usar também - tem períodos de vida curtos e torna-se necessário um esforço apurado para as renovar frequentemente. Mudam-se, como as gravatas, o estilo dos fatos ou se troca o Audi por um BMW.
Em Portugal, um dos mais conhecidos praticantes deste tipo de desporto é António Carrapatoso, da Vodafone. Hoje, no Diário Económico, Carrapatoso assina um artigo intitulado As Quick Win. Fica logo fácil adivinhar qual será a buzzword do artigo... Ma faça-se uma pequena contagem estatística ao referido artigo: número de palavras que o artigo contém: 696; número de vezes que a expressão Quick Win é empregue: 12; proporção entre o primeiro e o segundo valor: 58, ou seja, em média, de 56 em 56 palavras lá vem mais um Quick Win… Deixando ao leitor a oportunidade de ler o referido artigo, através de um link neste post, não posso deixar de expressar a minha opinião moderada sobre o seu conteúdo. Assim, arrisco-me a prever que a apreensão e a divulgação do conceito do Quick Win não será um grande passo para a humanidade…
É evidente que não se pretende pôr em causa a competência profissional enquanto gestor de António Carrapatoso: uma carreira como a sua não acontece por acaso! Agora devia haver um passarinho que lhe soprasse ao ouvido e lhe moderasse as suas intervenções mediáticas. É que, recuperando uma buzzword velhinha, parece que nelas, Carrapatoso atinge o seu nível de (in)competência de Peter...
PS - Com 315 palavras, mas apenas 4 menções à palavra buzzword, e outras tantas à expressão Quick Win, este artigo não atinge as densidades de excelência dos artigos de António Carrapatoso.

O BRANDY CONSTANTINO

O brandy Constantino, conjuntamente com a Macieira, a 1920, a Mosca, a CR & F ou a Adega Velha, fazem parte daquele conjunto de bebidas digestivas que, em determinado momento (distinto entre elas), foram lançadas no mercado com uma excelente relação entre preço e qualidade, para o agrado de um núcleo central de apreciadores.

Depois, à medida que esse núcleo de apreciadores as foi enaltecendo e divulgando, a notoriedade da marca e a qualidade do conteúdo das garrafas evoluíram precisamente no sentido inverso, enquanto o preço sofria um empurrãozinho jeitoso para cima. Enfim, nada de novo, é que está preconizado nos manuais de marketing.

O que dá individualidade ao brandy Constantino entre as restantes marcas é o slogan que lhe conseguiram associar: a fama que vem de longe. Não sei de quão longe virá a fama, nem sequer se chega mesmo a haver fama de todo. Mas é um estribilho que me ocorre quando assisto a repetições de algo que já conhecera há muito tempo.

Tomemos este exemplo e este diálogo, retirado de Sim, Senhor Primeiro-Ministro, de Jonathan Lynn e Antony Jay, publicado em Portugal pelas Edições 70, datado de 1987:

Comentava-se uma interpelação parlamentar ao governo de James Hacker.

- Deixe-me contar-lhe o que aconteceu. – vangloriou-se Hacker – A primeira pergunta foi sobre aquela embrulhada da falta de guardas prisionais. A minha reposta foi magistral: “Remeto o senhor Deputado para o discurso que proferi aqui, no parlamento, no passado dia 26 de Abril”.
- Ele lembrava-se do que o senhor disse? – perguntou Humhrey.
- Claro que não. Nem eu, já que se fala nisso. Mas foi a resposta evasiva e desmobilizadora ideal, e como ele se lembrava tanto como eu do que eu dissera, passámos logo para uma pergunta sobre o desemprego e se o Ministério do Trabalho aldraba os números.
Bernard corrigiu-me.
- Quer dizer “se não reestrutura periodicamente a base de que derivam as estatísticas, sem chamar a atenção do público para esse facto”?
- Exactamente, - repetiu Hacker – aldraba os números.
Embora contrariado, Humphrey estava interessado no assunto.
- Claro que aldrabam – disse.
- Eu sei – respondeu Hacker – mas dei uma grande resposta. Disse que não encontrei qualquer prova significativa nesse sentido.
- Isso foi porque não procurou – disse Bernard.
- E porque nós não lhe mostrámos – acrescentou Humphrey.
- Eu sei, Humphrey. Obrigado. Fez bem.(…)

E agora comparemos com o início deste artigo de hoje, dia 21, publicado no Diário de Notícias:

A redução de 0,9% do número de desempregados em Março, apontada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), não tem apenas causas naturais, mas também metodológicas. A diminuição deveu-se sobretudo a um inesperado crescimento homólogo dos empregados inscritos de 69,6%. Ou seja, num ano não só os desempregados inscritos diminuíram em cerca de 4 mil, como os empregados inscritos aumentaram em cerca de 11 mil.(…)

Objectivamente, há que reconhecer que, normalmente, para além da humilhação de se ser aldrabado, há ainda a hipótese de haver uma humilhação suplementar se se for aldrabado através de um truque já muito batido. É o que parece acontecer aqui, o nosso governo anda a socorrer-se de artimanhas velhas de 20 anos…

E ver Jorge Coelho - tinha que ser ele! - a mencionar a dita redução do desemprego na televisão porque, como Hacker, teve o extremo cuidado de não se esclarecer sobre o assunto... Nã! Definitivamente, isto não me parece nenhum salto tecnológico!

20 abril 2006

AGOSTINHO OLIVEIRA

Se, de repente, precisar de dar alguém de referência como um típico portuga, com cara, bigode e pinta de portuga far-se-ia uma excelente escolha se se escolhesse Agostinho Oliveira, o treinador de futebol da selecção de sub-21, aqui na fotografia do lado, que não sai tão bem na televisão nem tem a assertividade de José Mourinho.

Até o próprio nome de Agostinho Oliveira tem muito da nossa especificidade de sermos nós. É como que uma espécie de Zé Povinho, mas em carne e osso. Gosto de o evocar e aos bons resultados da selecção que orienta, quando estou mais tentado para a prática daquele desporto nacional em que, de facto, somos verdadeiros campeões mundiais: a má-língua sobre nós próprios!

CUNÍCULO MAGNO (Coelho-o-Grande)

Em meados do século II AC, Catão, um dos senadores romanos de maior prestígio daquela época, criou o hábito de terminar todas as suas intervenções no senado de Roma com as seguintes palavras: Ceterum censeo, Carthaginem esse delendam (Quanto ao resto, Cartago deve ser destruída).

Deve ser na senda desse episódio de Catão que Paulo Gorjão, no seu Bloguítica, tem vindo a repetir todas as quintas feiras apelos pungentes ao retorno de José Magalhães ao seu lugar no programa Quadraturadocírculo, que a SIC Notícias transmite todas as quartas feiras à noite.

A vítima, claro (para quem conhece o programa), é Jorge Coelho. Usando o estilo próprio de Gorjão, sejamos claros: nem considero o programa como o pior daquele género que aquele canal transmite, nem a responsabilidade de Coelho fazer aquelas figuras tristes lhe pertence exclusivamente.

A verdade é que, se a pessoa e o estilo de Jorge Coelho irrita muita gente, ele ainda tem, num certo estrato (onde me incluo), a capacidade de projectar essa irritação para proporções estratosféricas: qualquer sondagem feita nesse estrato sobre a popularidade de Jorge Coelho (num intervalo de 0 a 100%) daria… -35%, porque haveria quem aproveitasse a parte dos comentários para malhar no homem.

Coelho é um exemplo de um produto de sucesso gerado pelo aparelho de uma máquina partidária (no caso o PS) e é para muitos (onde me incluo) incomodativo de ser visto também por causa disso. Se aquilo é a “nata”, causa-me arrepios só de pensar de que é que deverá ser feito o “leite”…

Mas, por outro lado, Coelho deve ter uma competência inexcedível nas barganhas de favores com que se constroem redes de amizades que sustêm e fazem funcionar a maioria das organizações portuguesas e não só as bases dos partidos políticos. São aspectos que escapam às dissertações filosóficas e às considerações tecnocráticas de Pacheco Pereira e Lobo Xavier, respectivamente.

Por muito que me desagrade o teor de certos discursos de Coelho (Quem se mete com o PS leva!), emparelho-os, em elaboração e subtileza, com as letras das músicas populares do Quim Barreiros (Quero cheirar teu bacalhau, Maria!). A questão maior fica, portanto, o que é que Jorge Coelho anda a fazer ali, àquela hora, naquele canal, que não têm nada a ver com ele.

Segundo me constou, a sua escolha resultou de uma selecção e da cooptação por parte dos restantes elementos que fazem parte do programa: Carlos Andrade, Pacheco Pereira e Lobo Xavier. Se assim tiver sido, ninguém me afastará da suspeita de que houve alguma perversão política da parte de alguns dos seleccionadores.

Sendo um programa antigo, já de há muito está configurado que o lugar do morto é o do defensor do governo em funções. Que Pacheco Pereira desempenhou muito bem – o que considero estar na origem de muita da popularidade do programa – mas que José Magalhães depois estragou completamente. Por isso não compartilho nem as expectativas nem o apelo de Paulo Gorjão para o retorno de Magalhães.

A verdade é que Coelho chegou ao programa com as menores habilitações e o papel mais difícil e o resultado está à vista. Mas a culpa não é só sua. Há muito em Portugal o hábito de se confundir a inteligência com a esperteza. Mas entre a produção e o elenco da Quadraturadocírculo há, com certeza, quem consiga fazer a diferença.

Resta regressar à História de Roma e a Pompeu que, protegido de Sila, teve um triunfo sem ter triunfado, foi cônsul sem nunca ter desempenhado as funções de estado necessárias para isso e até foi cognominado de Magno pelo ditador. Mas o título de nada lhe valeu quando o desafio excedeu as suas competências, e teve de defrontar César.

19 abril 2006

EMBLEMÁTICO e/ou PREMONITÓRIO

O presidente chinês, Hu Jintao, está de visita aos Estados Unidos. Primeiro, foi à Costa Oeste, a que é banhada pelo Oceano Pacífico e mais próxima da China, onde em Seattle, se encontrou com o homem mais rico do mundo, Bill Gates.

Depois, o presidente dirigir-se-á para a Costa Leste, para Washington, onde se irá encontrar com o homem que, apesar de dirigir o país mais poderoso do mundo, está muito longe de parecer ser o homem mais poderoso do mundo, George W. Bush.

Quando será que os Estados Unidos começarão a equacionar a hipótese de recentrar a localização da sua capital federal?

UM MOMENTO DE EMOÇÃO PATRIÓTICA

O jornal francês Le Monde publica, na edição de hoje, um artigo de dimensão moderada comentando um relatório emitido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Nele, acusam-se os países desenvolvidos de, a pretexto da luta contra o terrorismo internacional, estarem a restringir cada vez mais os critérios de elegibilidade para se conseguir o estatuto de refugiado.

Mas, indo ao que nos interessa – porque o resto não nos interessa nada, Teresa Guilherme dixit – o que é preciso é contabilizar na notícia os destaques que nos são devidos. Assim sendo, temos:

a) Referências à pessoa do Alto-Comissário António Guterres: uma
b) Referências à nacionalidade do dito Alto-Comissário: zero
c) Referências a Portugal: zero

Deve haver razões para nos sentirmos honrados e até comovidos porque foi assim que o então presidente da república descreveu a circunstância do convite a António Guterres para tão alto cargo. Mas que nos devem escapar e ficarem reservadas para almas mais sensíveis como a de Jorge Sampaio…

AS FRENÉTICAS

As Frenéticas foram uma girls band brasileira, aparecida nos inícios dos anos oitenta, que nos teriam passado completamente desapercebidas aqui em Portugal, não fora a mania da MPB (música popular brasileira) que grassava por cá por essa altura.

Entre os nossos colegas de trabalho, há-os de diversos tipos que se tornam irritantes, mas suponho que nenhum ultrapassa em capacidade de irritação aquele género que designo por dinâmico: está sempre a fazer qualquer coisa, por muito irrelevante que seja e parece ter o condão de transmitir ao gesto mais banal a importância de quem está a evitar um desastre apocalíptico para toda a organização.

Se já estão a ver o género, preciso reconhecer que, quando ele calha nas mulheres, elas o exercem com um certo requinte acrescido de malvadez, uma exuberância vocal que faz estremecer os nervos mais sólidos. No fim, costuma perder-se o tempo a fingir tratar-se de assuntos que, ainda por cima, são periféricos e os nervos de todos estão bastante mais esfrangalhados.

E a analogia com o tal conjunto ainda é perfeita, porque entre as tais de Frenéticas não havia nenhuma que fosse bonita de encher o olho, nenhuma delas cantava de forma a que se desse por ela mas, bolas, durante um espectáculo, muito elas andavam e se meneavam para a frente e para trás, agitando braços, pretendo encher o palco!

PS – Dedicado ao Fernando Faria de Castro que, pelos vistos, anda à procura do stress

18 abril 2006

CLEMENZA – Parte II

Há histórias que, quando começam com piada, nunca mais deixam de ter piada. Aqui há uns tempos, sob o título Clemenza, postei aqui uma pseudo analogia, entre o famoso capo regime de Don Vito Corleone do filme de Francis Ford Coppola e um pequeno incidente ocorrido durante as eleições internas do Partido Socialista.

Em síntese, alguém se dispôs a liquidar as quotas em atraso de um conjunto de militantes para que eles pudessem votar, passando um cheque de 334 euros. Um benemérito, portanto.

Se estivéssemos no circo, eu agora estaria a anunciar que o artista agora vai fazer, em vez de um duplo, um triplo salto mortal e que vamos, ao mesmo tempo, tirar-lhe a rede de segurança, pois descobriu-se agora que há sérias hipóteses que o artista, o verdadeiro artista, nem tenha chegado a pagar as quotas, pois passadas cerca de três semanas, as quotas dos referidos militantes parecem permanecer por liquidar.

Há sempre de considerar a hipótese de algum erro contabilístico nos serviços centrais da sede do PS; uma outra hipótese é a de que o cheque se tenha extraviado em trânsito para Lisboa (como todos aqueles ligados a áreas de tesouraria sabem que acontece muito frequentemente...); a terceira hipótese é que o referido cheque tenha algumas semelhanças com a imagem que ornamenta este post

JÚLIO CÉSAR

Júlio César, apesar de ser considerado um dos mais reputados generais da História, não era um militar profissional, mas sim um político que, no âmbito do percurso da sua carreira acabou por ocupar um posto de comando militar no estrangeiro que lhe serviu, aliás, para posteriormente granjear prestígio em Roma.

Da mesma forma, é mais do que duvidosa que seja verdadeiramente sua a autoria da Guerra das Gálias, a narrativa das campanhas que travou, para alcançar o predomínio nas regiões que ficam para Ocidente do rio Reno.

O espectro das opiniões dos inúmeros biógrafos de César estende-se dos mais entusiastas aos cépticos mais impenitentes, mas poucos são os que lhe questionam o génio político, embora possam pôr em causa tudo o resto dos feitos que lhe são normalmente atribuídos.

Se cito César como um político em trânsito no papel de general para os lugares mais altos da hierarquia da República Romana (ou para o reinício da monarquia romana…), faço-o a propósito do (mais um) desconforto que a administração norte-americana tem estado a atravessar, na pessoa do seus secretário da defesa, Donald Rumsfeld.

Os Estados Unidos, como a República Romana antes deles, têm sido estruturas onde o seu braço armado se tem mantido, tradicionalmente, numa obediência quase sem incidentes ao poder político legalmente constituído.

Hoje, como antigamente, parece que a especialização das funções militares tem obstado ao apontamento de elementos de confiança política nos escalões intermédios, oriundos ou não do exterior. Tentativas para o fazer – como na antiga União Soviética, com a criação dos oficiais comissários políticos – saldaram-se normalmente por semi-fracassos.

A tutela política tende, assim, a ser exercida exclusivamente por cima, e os homens de confiança – que os há, sempre! – a serem recrutados entre os profissionais. Existe assim uma combinação entre mérito e flexibilidade como critérios dominantes no preenchimento dos lugares de topo da hierarquia das forças armadas.

Nos Estados Unidos houve exemplos anteriores de verdadeira megalomania por parte de oficiais generais, como aconteceu com Douglas MacArthur ou com Curtis Le May que deram em contestar presidentes sobre decisões que a estes, e apenas a estes, competia decidir.

Mas, no pólo oposto, também é preciso recordar que quase não houve reacções significativas de cariz recriminatório ao poder político da parte dos ocupantes do Pentágono, no seguimento da retirada norte-americana do Vietname. Mas também é verdade que os que dirigiram as suas forças armadas sempre defenderam a ideia de que havia uma solução militar para encerrar o conflito.

O que dá um outro significado à súbita atitude dos generais retirados das forças armadas norte-americanas, que deram em contestar publica e retrospectivamente a grande maioria das orientações dadas pelo secretário da defesa sobre a guerra do Iraque.

Poderá ser uma ironia excessiva fazer uma comparação entre George W. Bush e Júlio César… Mas, e se uma delegação de Legados (o oficial comandante duma legião) tivesse entrado na tenda de César a apontar uma data de erros tácticos cometidos por (digamos) Marco António (um lugar tenente de César), qual teria sido a reacção de Júlio César?

Teria César mantido o seu lugar-tenente no mesmo lugar - como Bush tem vindo a fazer com Rumsfeld? Em caso afirmativo quais teriam sido as consequências para a campanha das Gálias? Teriam tido o sucesso que hoje lhes reconhecemos e ainda seria oportuno que alguém tivesse escrito, depois, uma Guerra das Gálias para as glorificar?

Ou poderiam estar os Legados, sabidos, a descartarem-se das responsabilidades, que tradicionalmente vêm ter com eles, em caso de derrota?

Como se vê, a História é muito mais difícil de interpretar quando está a acontecer. Mas, neste caso do Iraque, tenho quase a certeza absoluta - e por isso não me canso de repetir - que irá terminar de uma forma pouco brilhante para os Estados Unidos.

MIRANDÊS

Ao longo do século XIX, uma das preocupações prioritárias dos maiores países europeus foi a de criar uma consciência nacional, de que o idioma falado era uma componente primordial.

Foi uma tarefa em que normalmente se saíram bem, onde a escolarização obrigatória desempenhou um papel fundamental. Hoje até nos surpreendemos por saber que 20% da população francesa não percebia nem falava patavina de francês ou que o idioma que conhecemos por italiano só era empregue por 3% da população de Itália.

Sem elaborações exageradas e de uma forma simplificada o que cada um pede ao seu idioma é que seja o mais inteligível possível: que o entendam e que entenda os outros. E, normalmente, temos mais tendência para simpatizar com aqueles com quem isso acontece.

É, na minha opinião, a razão primordial para que não exista um perigo espanhol de raiz popular: nós ainda nos esforçamos para entender o castelhano dele mas que raio de potencial compatriota nosso é aquele que não percebe – ou faz que não percebe – nada daquilo que dizemos?

Os finais do século XX e os princípios do XXI estão a assistir à reversibilidade da normalização idiomática dos tempos anteriores. Agora é giro ter idiomas diferentes, numa época em que a normalidade máxima que se podia ter obtido já foi atingida (ou falhada – veja-se o caso do catalão em Espanha…) e que os idiomas regionais são mais uma peça a adicionar ao folclore local.

Mesmo em Portugal, país pequeno em escala para ter muito disso, recuperou-se recentemente o mirandês. Verdade, verdadinha, vim de Miranda do Douro ontem e não tive quaisquer problemas de inteligibilidade, ao contrário do que aconteceu no São Miguel (Açores) profundo – o único sítio do país onde isso me aconteceu.

Mas o esforço em querer parecer ser diferente acaba por assumir contornos caricatos, como acontece um pouco com a placa que ilustra este post, ou outra, que recordo, onde estava escrito – de memória – Eigreija.

Ou seja, no idioma escrito, são minúsculos desvios às normas do português, perfeitamente perceptíveis para quem conheça este último idioma, o que só assim justifica o relativo sucesso editorial entre nós de uma versão de Astérix o Gaulês (Asterix L Goulés) em língua mirandesa.

Faço-o sem malícia, mas apetece-me perguntar, se não aparecerá num futuro próximo o idioma tripeiro e depois teremos uma placa bilingue em plena ponte D. Luís: PORTO – PUÂRTO…

17 abril 2006

A ICONOGRAFIA DOS NOVOS TEMPOS

Todas as épocas precisaram dos seus ícones, dos seus mártires, gente normal que a morte catapulta para lugares de um destaque que a sobriedade depois percebe ser apenas fruto das circunstâncias.

Depois das consecutivas cerimónias dos Dezes de Junho da praça do império, das inúmeras cruzes de guerra a título póstumo, os dois rapazes deste cartaz representam do que mais aproximado disso se produziu, mas no quadrante contrário, depois do 25 de Abril de 74.

Aos martirologistas do PCP, com a sua Catarina Eufémia, o seu Dias Coelho, mais os episódios dos mortos do Tarrafal, só havia o MRPP para conseguir dar uma resposta satisfatória, com as figuras de Ribeiro Santos e de Alexandrino de Sousa, em que cada um deles foi vítima da violência de cada um dos extremos do espectro partidário.

Todos são episódios em que há que lamentar a perda de uma vida, normalmente jovem. E é também de lamentar o intenso aproveitamento político do ocorrido por parte dos organismos a que pertenciam os que morreram. No entanto, mau grado a distância temporal, as condições em que faleceram confere-lhes, a todos eles, algo de nobreza dos seus propósitos.

Levanta-se uma inquietação pela forma como estará a evoluir a nossa sociedade quando, em comparação e a par deles, alguns média populares querem fazer mártires modernos de episódios como aquele onde faleceu o futebolista Miklós Féher ou o actor Francisco Adam.

14 abril 2006

O LONGO CREPÚSCULO DOS CÔNSULES

É um facto pouco conhecido que a sociedade romana demonstrava um conservadorismo dificilmente igualável na forma como fazia perdurar as suas instituições muito depois de elas terem perdido a funcionalidade para que haviam sido criadas.

Exagerando um pouco, em comparação com os romanos, os britânicos, com a preservação da sua Rainha e da sua Câmara dos Lordes, podem até ser considerados um exemplo de renovação precipitada. Veja-se o exemplo significativo da evolução da função dos Cônsules ao longo da história de Roma.

O consulado foi uma das primeiras instituições criadas com a instauração da república romana (509 AC), muito embora só esteja documentada a continuidade de titulares da função no decorrer do século V AC.

Elegia-se um par de Cônsules, pelo período de um ano, e, como forma de controlo, cada um dispunha do direito de veto sobre as decisões do seu homólogo. Os Cônsules seriam considerados, pela nomenclatura moderna, como uma espécie de chefes de estado, a quem os embaixadores estrangeiros apresentariam cumprimentos e sob a designação de quem se promulgaria a legislação.

Era o posto máximo das ambições políticas de um cidadão romano, havia certas restrições à candidatura e ao acesso à função – nomeadamente a idade mínima de 40 anos – e eram rigorosos os mecanismos de controlo da sua actividade: na eventualidade da morte ou impossibilidade de um dos Cônsules, era eleito um substituto, designado Cônsul Sufecta, para o resto do período da magistratura.

O Império Romano, ao contrário de outros impérios, não despontou através de uma mais ou menos exuberante cerimónia de coroação. Apareceu insidiosamente, num modelo organizativo montado no tempo de Octávio, contornando as aparências de monarquia que haviam custado a vida a Júlio César.

Criou-se um aparelho eleitoral que dominava as eleições. O imperador elegia-se de quando em vez, nos intervalos eram eleitas pessoas da confiança da administração imperial. Formalmente, nunca houve um reinado de Tibério ou de Nero, a não ser quando, mais tarde, os historiadores assim reconstruíram a sucessão de eventos.

Da função de Cônsul, ficou apenas o prestígio e a prova de estima demonstrada pelo verdadeiro monarca. E a vontade de multiplicar tais demonstrações conduziu a que se produzissem artificialmente Cônsules Sufectas através de renúncias consecutivas dos titulares. Um ano, que produziria normalmente dois Cônsules, chegou a produzir mais de vinte…

O Consulado acabou envolvido numa gramática de etiqueta. Era importante saber quem receberia a distinção de ser o colega de consulado do imperador, que muitas vezes era a indicação do seu sucessor, para não falar de assuntos mais comezinhos como o número de consulados ou a distinção da importância entre ter sido Cônsul Ordinário (original) ou Sufecta.

Com Constantino, no século IV, o ritual foi ao extremo de transferir a eleição de um dos Cônsules para Constantinopla, a nova Roma. Mas, por essa altura, a função já apenas assumia aspectos cerimoniais. Por curiosidade, Aécio, de quem este blog se reclama herdeiro, foi Cônsul de Roma por quatro vezes, em 432, 437, 446 e 454.

E Justiniano, que os historiadores põem a disputar com Aécio o título do Último Romano, foi o último Imperador romano a desempenhar funções de Cônsul, também por quatro vezes, cargo que acabou por extinguir em 541*.

Enfim, falamos de mais de mil anos de história da função de Cônsul, dos quais sensivelmente metade com um conteúdo puramente honorífico, mas é ao período de transição, em que a aparência do seu poder se diluiu por detrás da máquina administrativa imperial, que importa relembrar.

Assistimos, dentro da União Europeia, a uma luta surda entre governos nacionais e as instituições europeias em que, por motivos vários, não tem sido conveniente para os primeiros exprimir todo o seu potencial de poder, que terminariam num ápice com as veleidades de poder do núcleo central comunitário.

Mas, por outro lado, episódios vários e recentes, mais folclóricos uns (como o italiano), mais sóbrios outros (como o francês), têm transmitido para os média imagens de governos nacionais enfraquecidos e hesitantes, o que tem aumentado o potencial argumentativo das posições de Bruxelas e de Estrasburgo e não lhes deve causar grandes consternações.

É arriscado prever como poderá evoluir futuramente a União, mas uma coisa é certa: além dos propalados problemas do alargamento e dos problemas orçamentais existe um outro, mais importante, talvez fundamental, o da disputa da distribuição do poder entre o centro e as nacionalidades. E uma coisa é certa: não me parece estarmos num ponto de equilíbrio. Ou a União explode ou implode.

13 abril 2006

2010

Embora muito menos famoso do que o seu antecessor 2001 de Stanley Kubrick, este 2010 de Peter Hyams, realizado em 1984, tem a virtude de nos esclarecer as razões que levaram o famoso computador HAL a descompensar e a assumir todo o comportamento bizarro do filme anterior.

HAL havia sido instruído para omitir da tripulação uma das razões da viagem espacial: a existência do grande monólito em órbita. Como o computador não estava programado para mentir, começou a desenvolver uma psicose que levou posteriormente ao seu comportamento.

Com os meus cumprimentos ao escritor Arthur C. Clarke, que completou assim de forma brilhante a ponta solta que ficara de 2001, existe um comportamento passível de desencadear psicoses muito semelhantes na forma como se finge tratar a utilização de informação privilegiada (insider trading) nas operações da bolsa. Em Portugal e em todo o Mundo.

Hoje, deu-se uma imensa propaganda a um caso detectado pelo FBI nos Estados Unidos, num esquema montado por dois funcionários bancários, novinhos, de 23 e 26 anos, que, depois da leitura, se percebe que foram gananciosos de mais, ao tentarem sacar mais de 5 milhões de euros em pouco tempo.

Temos, por um lado, uma sociedade que estimula, premeia e enaltece o enriquecimento, nomeadamente no que concerne aos ganhos obtidos em operações em bolsa mas que, ao mesmo tempo, pretende que aqueles que dispõem das informações que os fariam enriquecer facilmente se coíbam de o fazer – mas não sendo proibidos totalmente de investir na bolsa…

É psicótico porque, tirando a deontologia ou algum eventual receio de ser apanhado, acontece como aos imigrantes que continuam a invadir os Estados Unidos: só os mais desastrados ou os mais azarados é que acabam por ser apanhados…

DEPOIS DE KEYNES

Entre os que os blogues têm especificamente de bom, conta-se a possibilidade de pegarmos num assunto que já fora (bem) abordado por um nosso colega de hobby no seu blogue e levá-lo para o nosso, para lhe darmos o desenvolvimento ou os retoques de que gostamos.

É o que acontece com este post de António Dornelas no Canhoto, a propósito do exemplo da colossal desproporção entre os vencimentos dos administradores do BCP e o salário mínimo nacional, mas o que aprecio sobretudo ali é o complemento representado pelos comentários de alguns leitores.

Para António Dornelas o facto do administrador receber 667 vezes mais do que alguém que receba o ordenado mínimo é simplesmente pornográfico (sic). Para alguns dos que comentam o seu poste isso é uma coisa do foro privado entre os administradores e os accionistas do banco.

O que mais me impressionou nesta pequena troca de argumentos foi a argumentação empregue, não por ela própria, mas pela tranquilidade com que é exposta, especialmente este último argumento dos comentadores que, diga-se aliás, está formalmente correcto.

Houve uma época, quando o pensamento económico estava dominado por um senhor inglês de nome John Maynard Keynes, em que se falava da função redistributiva do estado, transferindo riqueza através dos impostos daqueles que a tinham em excesso para aqueles que eram mais pobres.

Embora os modelos económicos fossem, do ponto de vista matemático, conceptualmente impecáveis, diz-me o cinismo da idade que a pureza do gesto das classes dominantes daquela época, apoiada naquela doutrina, de cederem na repartição da riqueza só foi gerada pela coacção.

E a coacção era representada pelos comunismos e pelos nazismos que, como regimes totalitários que eram, recrutavam no fundo da sociedade e decapitavam-na quando chegavam ao poder. É um medo que as classes dominantes da actualidade já não têm, pelos vistos.

O outro cenário, da coacção, manteve-se durante toda a Guerra-Fria porque, apesar da superioridade do Ocidente, este sempre teve que acautelar os flancos que se poderiam expor com o aumento das assimetrias sociais nas sociedades ocidentais e a sua imediata exploração pela União Soviética.

Em sociedades mais igualitárias, como a mítica Suécia social-democrata (era o país que o PSD, com Sá Carneiro, apontava como exemplo) chegou-se a absurdos de impostos sobre os rendimentos mais elevados aproximando-se dos 80%, desincentivando o aumento da riqueza (ou a evasão fiscal…). Mas estes exageros não desmentiam o imperativo de todos deviam viver decentemente e que se devia controlar o fosso entre ricos e pobres.

E depois acabou a União Soviética. E eu não arriscarei muito se me atrever a adivinhar qual será a idade dos comentadores do poste que pensam que o assunto dos ordenados dos administradores do BCP é do foro privado do accionista: tornaram-se adultos depois disso. Para eles é natural que dinheiro seja poder e desconfio que têm grande dificuldade em abstrair uma sociedade onde o poder possa não emanar predominantemente daí, como acontecia nas dominadas por Staline ou por Hitler.

Retornando à actualidade, o facto de a taxa de imposto a aplicar sobre o rendimento crescer a um ritmo superior ao que aquele aumenta, fazendo com que os ricos paguem – teoricamente – proporcionalmente mais que os pobres, dá a entender que a antiga filosofia equilibradora dos tempo do Keynesianismo ainda permanece em vigor – pelo menos formalmente.

E os problemas da redistribuição da riqueza ainda parecem ser um assunto do interesse do nosso colectivo: senão pelo que os ricos têm, pelo menos pelo que os pobres não têm... Se assim não fosse, não haveria tantas solicitações para peditórios e donativos.

E há diversos sinais, avulsos e discretos, dessa preocupação pelo crescimento das assimetrias. Também da parte de organizações religiosas. Embora, por falar em religião, o fervor extremado de João César das Neves num programa televisivo do início desta semana tenha deturpado politicamente as suas legítimas preocupações com o acentuar das desigualdades sociais: a existência de uma maior preocupação do antigo regime com a equidade social do que o que acontece com o actual regime democrático, é uma tese controversa, no mínimo…

Mas esses sinais vêm também de sítios insuspeitos para a causa do liberalismo, como a revista The Economist, que tem vindo a publicar artigos extremamente críticos sobre as condições de remuneração que os administradores e gestores das empresas estabelecem para si próprios.

Aparente e concretamente, essas condições de remuneração não variam de forma proporcional quando os resultados das empresas que dirigem se tornam medíocres. E o segredo do sucesso está numa gestão criteriosa da assembleia-geral dos accionistas da empresa. O que comprova que aqui, como em muitas outras coisas, os famosos mecanismos automáticos de auto-controlo precisam de uma pequena ajuda exterior…

Havendo um crescimento económico significativo, a alteração dos padrões de distribuição pode ser encapotado por detrás de crescimentos desiguais para os diferentes grupos. Só que os indicadores apontam, nas sociedades ocidentais, para uma cada vez maior estagnação económica, e os jogos de repartição assemelham-se cada vez mais a jogos de soma nula: o ganho de um é a perda de outro.

Assim, o eventual orgulho que possa ter pelos altos índices de rentabilidade da banca portuguesa dissipa-se-me imediatamente quando se fica a saber que em Portugal se pagam as mais altas comissões da União Europeia nos cartões de crédito (título do Público de 13/04/06).

E não adianta dizer que o consumidor tem liberdade de escolha. O tal mercado de concorrência perfeita é um modelo económico de excelente manipulação matemática, mas que raramente se aplica aos mercados vedados onde operam as grandes empresas como é o caso da banca.

Por isso, compreendo que quem se preocupa com a pornografia das remunerações dos administradores de um banco seja bem capaz de o fazer pelo receio de que exemplos de egoísmo em excesso contribuam para fazer desabar todos os fundamentos em que assenta a sociedade em que, mesmo assim, ele gosta de viver.

E essa sociedade é um património que transcende muitíssimo a tal assembleia de accionistas do BCP…

12 abril 2006

ELOGIO AO VASCO (O OUTRO!)

Não me contando entre os admiradores de Vasco Graça Moura, também gosto de me pensar como não tendo um ódio rábico pelo eurodeputado, embora ache que ele está muito bem lá onde está, por Estrasburgo.

Agora ódio rábico, só tenho pelo outro Vasco, o VPV e importa frisar que foi ele que começou, ao odiar raivosamente os seis mil milhões e tal de pessoas que compartilham com ele o planeta Terra, é gente demais bulindo-lhe - compreensivelmente - com os seus nervos.

Para continuar o semi-elogio do primeiro parágrafo (emoldurável), complemento-o com um sincero e rasgado elogio à crónica de hoje de Vasco Graça Moura no Diário de Notícias intitulada Ratos e Homens, de que recomendo vivamente a leitura e por isso não a descrevo aqui.

Usando uma fina ironia, comparando com casos passados e fazendo fé no que lá vem mencionado – incluindo a nada surpreendente ausência de resposta por parte do ministério das Obras Públicas – como diria o seu amigo e companheiro José Pacheco Pereira está lá tudo – eu hoje estou numa de elogioso para a nata intelectualmente petulante do PSD.

Só me deixa um pequeno comentário/pergunta final de retoque: porque é que a Quercus não toma também sob a sua protecção a espécie Homo Sapiens Sapiens? Mesmo os exemplares que não nidificam e até mesmo os que vêem e gostam da TVI?

VISITAS

Entre os meus conhecimentos, há quem prepare metodicamente as suas viagens turísticas, estudando detalhadamente os locais mais interessantes a visitar, acompanhados da devida literatura explicativa, que ajudará a uma melhor compreensão do que está a ser visitado.

Ás vezes, toda esta aplicação é manchada pelo consorte acompanhante que, embora desejando ser uma companhia agradável, muitas vezes está só superficialmente imbuído do espírito do verdadeiro turismo cultural, quando deixa escapar por gestos ou num lapsus linguae, a verdadeira penitência que está a levar a cabo.

Exemplificando, podemos contar a história de alguém, a quem o consorte tinha preparado amorosamente uma lista de locais interessantes a visitar numa determinada cidade europeia, e que, mal entrava, sacava da lista e, de lápis em punho, anotava um visto à frente do nome do local onde estava: “Este já está!” – exclamava alegremente.

Aquele advérbio e o facto de o nome ser picado logo à entrada e não à saída parecem demonstrar, no mínimo, uma certa confusão sobre o que é suposto fazer-se num local turístico de cariz cultural. Entendamo-nos: não é preciso palmilhar a praia toda para apreciar toda a sua beleza natural mas uma vista de olhos aos quadros expostos ainda parece o melhor método de se formar a opinião sobre um museu de pintura.

Vem isto a propósito de ter dado em espiolhar as estatísticas do blog pater da blogosfera portuguesa: o abrupto. Eu roo-me de inveja, todo o autor de blog se rói de inveja (excepto o VPV, que não tem inveja de ninguém, mas isso é uma outra história que não vem agora ao caso), por não ter as mais de 4 mil visitas diárias ao abrupto.

Ora um dos indicadores mais curiosos nas estatísticas daquele blog é o tempo de duração médio das visitas dos 4 mil visitantes: ronda os 42 segundos, o que parece manifestamente curto para a profusão e a dimensão dos textos que José Pacheco Pereira costuma ali publicar. Ele não tem culpa nenhuma, mas parece que existe uma substancial parcela de blogonautas que parece que picam a visita ao abrupto como uma obrigatoriedade cultural semelhante ao exemplo que acima mencionei: este já está!

Nota: A fotografia deste post é da ponte velha de Florença, uma cidade e um país típicos do tipo de turismo do este já está! É chegar a uma agência de viagens e ver propostas de programas de visitas a 6 cidades italianas em 7 dias…

11 abril 2006

QUE SAUDADES DOS DIPLOMATAS SOVIÉTICOS…

Nos idos tempos em que os russos eram maus e se chamavam soviéticos, havia uma receita provada entre os governos dos países ocidentais para marcarem as agendas mediáticas quando as coisas não lhes estavam a correr de feição e dava mesmo jeito mudar de assunto: expulsar uma porradaria de diplomatas soviéticos. É verdade que os gajos estavam normalmente a pedi-las e até se punham mesmo a jeito com as suas caras, patibulares, as suas expressões, desconfiadas, e as suas gabardinas em dias solarengos.

E depois, eram mais que as mães, para tratar de um punhado de assuntos de um país onde quase não havia assuntos a tratar: pouco comprávamos do que eles vendiam, eles pouco compravam do que nós vendíamos – ficou famoso o episódio do vinho que lhes vendemos logo em 74, a um preço revolucionário, que eles revenderam automaticamente, com uma mais-valia verdadeiramente marxista, aos canadianos – e, além disso, não havia muitos de nós que quisessem visitá-los e, do lado de lá, quase não havia quem pudesse visitar-nos.

Considero aliás, que na antiga União Soviética, sempre houve uma relação pouco convencional com a actividade turística, fosse pelos veículos em que a faziam – como nas visitas a Budapeste em 1956 ou a Praga em 1968 – fosse pelo hábito dos turistas se esquecerem de regressar a casa – é famosa a anedota de um quarteto de cordas ser o resultado de uma digressão de uma orquestra sinfónica soviética pelos países ocidentais.

A verdade, verdadinha, é que eles eram todos um bocado esquisitos e ninguém reclamava (a não ser os comunistas, mas esses também eram um bocado esquisitos) quando os governos anunciavam a expulsão de 45 diplomatas soviéticos, incluindo o secretário e 27 vice-secretários da embaixada (nem cabiam lá todos ao mesmo tempo) que eram, evidentemente, espiões do KGB.

E como ninguém gosta de ser espiado, ainda por cima por gajos com a falta de sofisticação do KGB, rompia uma (quase) unânime salva mediática de aplausos à coragem governamental de acabar com uma pouca-vergonha daquelas, esquecendo e substituindo os assuntos anteriores em agenda, onde o corajoso governo andava a mostrar desempenhos substancialmente menos brilhantes.

Lembrei-me deste tópico porque, extintos os soviéticos, parece-me que as lutas contra o abuso do álcool ou do tabaco substituíram a expulsão dos diplomatas como sineta mobilizadora usada pela governo para a distracção da atenção dos média em caso de notícias encavacantes.

Só para exemplificar, é patente que o ministro e o ministério da saúde não irão contribuir para a resolução dos problemas da saúde anunciando em primeira página que “Oito horas numa discoteca podem representar 15 cigarros” (Público, 11/04/06), mas enquanto está lá aquele título, não estão outros…