Hoje, entre os obituários por ocasião da morte do coronel Carlos Fabião, aparece um, a justo título, assinado pelo jornalista Adelino Gomes. Gomes, enquanto jornalista de televisão, saltou, de microfone em punho, das bancadas para o relvado onde se disputava a revolução.
A sua reportagem mais conhecida foi a de 11 de Março de 75, quando ele ia a passar – com uma equipa de reportagem completa, presume-se - junto ao aeroporto, por acaso, e se tornou repórter do ataque desencadeado pela unidade de pára-quedistas ao RAL 1.
As filmagens feitas, do diálogo travado entre os comandantes das duas forças, entre a autoconfiança demonstrada por Diniz de Almeida (do RAL 1) e os murmúrios titubeantes do oficial pára-quedista podem servir, ainda hoje, de resumo da história visível de todo o golpe. E puderam, na altura, servir de argumento psicológico demonstrativo de que lado estaria a razão.
Uma outra reportagem sua, menos conhecida, foi enviada de Luanda, em pleno Verão de 75, quando os três movimentos nacionalistas disputavam à bala a posse da cidade. A reportagem começa subitamente (Adelino Gomes começa por explicar que ia a passar por ali por acaso…) com um Unimog* com tropas portuguesas a imobilizar-se à frente de um edifício que estas começam a atacar a tiro e à bazucada enquanto nos explicam que naquele prédio está uma das sedes do MPLA.
Segue-se a retirada das tropas portuguesas e a evacuação dos feridos do lado do MPLA, com um comportamento pacífico destes, enaltecido pelo comentador, enquanto ficamos com a sensação que há no exército português um esquadrão de facínoras (as tropas eram dos comandos, esclarece Adelino Gomes) que, facciosos, embirram com o MPLA.
A história completa do incidente soube-a depois, muitos anos passados, num livro chamado A Vertigem da Descolonização, do General Gonçalves Ribeiro. Os comandos estavam a cumprir ordens superiores e o incidente começara pela morte de um militar português, abatido a tiro por um militante oriundo daquela sede do MPLA, numa das barreiras que eles haviam montado por Luanda.
As autoridades portuguesas haviam feito um ultimato e exigido ao MPLA a entrega do responsável pela morte do militar português. A motivação dos militares portugueses também é compreensível: embora não estivessem dispostos a envolver-se numa outra guerra (esta civil), também queriam punir severamente quem os ousasse enfrentar, para sua própria salvaguarda.
A hora a que expirava o ultimato dos portugueses havia passado há pouco quando as tropas apareceram e desencadearam os acontecimentos da reportagem. Também aqui, Adelino Gomes estava lá por acaso.
A última reportagem por acaso de Adelino Gomes para a RTP data do Outono de 75 e passa-se em Timor. É preciosa porque capta os instantes em que as forças indonésias (nomeadamente navais) irrompem decididamente pelo território e águas territoriais de Timor-Leste.
Os comentários de Adelino Gomes ao longo da reportagem, condenatórios da Indonésia e abonatórios da Fretilin, parecem orientar a descrição da situação para o esquecimento de que esta havia, previamente, proclamado a independência unilateral de Portugal – um episódio, hoje, convenientemente esquecido por todos.
Já se passaram mais de trinta anos sobre estes três episódios. Entretanto, Adelino Gomes teve outros cargos, certamente por mérito seu, nomeadamente o de dirigente do sindicato dos jornalistas.
Recentemente ouviu-o filosófico, num programa “Prós e Contras” da RTP1, sobre um tema que não me ficou. Noutras oportunidades, qual Fénix, reaparece como redactor dos in memoriam das figuras gradas da esquerda revolucionária do PREC.
Só que, ainda recentemente, num programa de televisão, Adelino Gomes continuou a manter a versão da casualidade do seu aparecimento em cena – no caso a do 11 de Março - perante os sorrisos irónicos dos outros convidados do programa.
O distanciamento temporal, a sabedoria e a filosofia podiam levá-lo a reconhecer sem demérito seu que, pelo menos nestes três casos, nunca esteve lá por acaso nem aquilo eram reportagens de jornalismo.
* Viatura todo o terreno usada pelo exército português.
A sua reportagem mais conhecida foi a de 11 de Março de 75, quando ele ia a passar – com uma equipa de reportagem completa, presume-se - junto ao aeroporto, por acaso, e se tornou repórter do ataque desencadeado pela unidade de pára-quedistas ao RAL 1.
As filmagens feitas, do diálogo travado entre os comandantes das duas forças, entre a autoconfiança demonstrada por Diniz de Almeida (do RAL 1) e os murmúrios titubeantes do oficial pára-quedista podem servir, ainda hoje, de resumo da história visível de todo o golpe. E puderam, na altura, servir de argumento psicológico demonstrativo de que lado estaria a razão.
Uma outra reportagem sua, menos conhecida, foi enviada de Luanda, em pleno Verão de 75, quando os três movimentos nacionalistas disputavam à bala a posse da cidade. A reportagem começa subitamente (Adelino Gomes começa por explicar que ia a passar por ali por acaso…) com um Unimog* com tropas portuguesas a imobilizar-se à frente de um edifício que estas começam a atacar a tiro e à bazucada enquanto nos explicam que naquele prédio está uma das sedes do MPLA.
Segue-se a retirada das tropas portuguesas e a evacuação dos feridos do lado do MPLA, com um comportamento pacífico destes, enaltecido pelo comentador, enquanto ficamos com a sensação que há no exército português um esquadrão de facínoras (as tropas eram dos comandos, esclarece Adelino Gomes) que, facciosos, embirram com o MPLA.
A história completa do incidente soube-a depois, muitos anos passados, num livro chamado A Vertigem da Descolonização, do General Gonçalves Ribeiro. Os comandos estavam a cumprir ordens superiores e o incidente começara pela morte de um militar português, abatido a tiro por um militante oriundo daquela sede do MPLA, numa das barreiras que eles haviam montado por Luanda.
As autoridades portuguesas haviam feito um ultimato e exigido ao MPLA a entrega do responsável pela morte do militar português. A motivação dos militares portugueses também é compreensível: embora não estivessem dispostos a envolver-se numa outra guerra (esta civil), também queriam punir severamente quem os ousasse enfrentar, para sua própria salvaguarda.
A hora a que expirava o ultimato dos portugueses havia passado há pouco quando as tropas apareceram e desencadearam os acontecimentos da reportagem. Também aqui, Adelino Gomes estava lá por acaso.
A última reportagem por acaso de Adelino Gomes para a RTP data do Outono de 75 e passa-se em Timor. É preciosa porque capta os instantes em que as forças indonésias (nomeadamente navais) irrompem decididamente pelo território e águas territoriais de Timor-Leste.
Os comentários de Adelino Gomes ao longo da reportagem, condenatórios da Indonésia e abonatórios da Fretilin, parecem orientar a descrição da situação para o esquecimento de que esta havia, previamente, proclamado a independência unilateral de Portugal – um episódio, hoje, convenientemente esquecido por todos.
Já se passaram mais de trinta anos sobre estes três episódios. Entretanto, Adelino Gomes teve outros cargos, certamente por mérito seu, nomeadamente o de dirigente do sindicato dos jornalistas.
Recentemente ouviu-o filosófico, num programa “Prós e Contras” da RTP1, sobre um tema que não me ficou. Noutras oportunidades, qual Fénix, reaparece como redactor dos in memoriam das figuras gradas da esquerda revolucionária do PREC.
Só que, ainda recentemente, num programa de televisão, Adelino Gomes continuou a manter a versão da casualidade do seu aparecimento em cena – no caso a do 11 de Março - perante os sorrisos irónicos dos outros convidados do programa.
O distanciamento temporal, a sabedoria e a filosofia podiam levá-lo a reconhecer sem demérito seu que, pelo menos nestes três casos, nunca esteve lá por acaso nem aquilo eram reportagens de jornalismo.
* Viatura todo o terreno usada pelo exército português.
Este Adelino é um dos que continuam a alimentar o mito da poesia dos cravos e da exemplar descolonização. Boa rapaziada!
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