21 abril 2006

O BRANDY CONSTANTINO

O brandy Constantino, conjuntamente com a Macieira, a 1920, a Mosca, a CR & F ou a Adega Velha, fazem parte daquele conjunto de bebidas digestivas que, em determinado momento (distinto entre elas), foram lançadas no mercado com uma excelente relação entre preço e qualidade, para o agrado de um núcleo central de apreciadores.

Depois, à medida que esse núcleo de apreciadores as foi enaltecendo e divulgando, a notoriedade da marca e a qualidade do conteúdo das garrafas evoluíram precisamente no sentido inverso, enquanto o preço sofria um empurrãozinho jeitoso para cima. Enfim, nada de novo, é que está preconizado nos manuais de marketing.

O que dá individualidade ao brandy Constantino entre as restantes marcas é o slogan que lhe conseguiram associar: a fama que vem de longe. Não sei de quão longe virá a fama, nem sequer se chega mesmo a haver fama de todo. Mas é um estribilho que me ocorre quando assisto a repetições de algo que já conhecera há muito tempo.

Tomemos este exemplo e este diálogo, retirado de Sim, Senhor Primeiro-Ministro, de Jonathan Lynn e Antony Jay, publicado em Portugal pelas Edições 70, datado de 1987:

Comentava-se uma interpelação parlamentar ao governo de James Hacker.

- Deixe-me contar-lhe o que aconteceu. – vangloriou-se Hacker – A primeira pergunta foi sobre aquela embrulhada da falta de guardas prisionais. A minha reposta foi magistral: “Remeto o senhor Deputado para o discurso que proferi aqui, no parlamento, no passado dia 26 de Abril”.
- Ele lembrava-se do que o senhor disse? – perguntou Humhrey.
- Claro que não. Nem eu, já que se fala nisso. Mas foi a resposta evasiva e desmobilizadora ideal, e como ele se lembrava tanto como eu do que eu dissera, passámos logo para uma pergunta sobre o desemprego e se o Ministério do Trabalho aldraba os números.
Bernard corrigiu-me.
- Quer dizer “se não reestrutura periodicamente a base de que derivam as estatísticas, sem chamar a atenção do público para esse facto”?
- Exactamente, - repetiu Hacker – aldraba os números.
Embora contrariado, Humphrey estava interessado no assunto.
- Claro que aldrabam – disse.
- Eu sei – respondeu Hacker – mas dei uma grande resposta. Disse que não encontrei qualquer prova significativa nesse sentido.
- Isso foi porque não procurou – disse Bernard.
- E porque nós não lhe mostrámos – acrescentou Humphrey.
- Eu sei, Humphrey. Obrigado. Fez bem.(…)

E agora comparemos com o início deste artigo de hoje, dia 21, publicado no Diário de Notícias:

A redução de 0,9% do número de desempregados em Março, apontada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), não tem apenas causas naturais, mas também metodológicas. A diminuição deveu-se sobretudo a um inesperado crescimento homólogo dos empregados inscritos de 69,6%. Ou seja, num ano não só os desempregados inscritos diminuíram em cerca de 4 mil, como os empregados inscritos aumentaram em cerca de 11 mil.(…)

Objectivamente, há que reconhecer que, normalmente, para além da humilhação de se ser aldrabado, há ainda a hipótese de haver uma humilhação suplementar se se for aldrabado através de um truque já muito batido. É o que parece acontecer aqui, o nosso governo anda a socorrer-se de artimanhas velhas de 20 anos…

E ver Jorge Coelho - tinha que ser ele! - a mencionar a dita redução do desemprego na televisão porque, como Hacker, teve o extremo cuidado de não se esclarecer sobre o assunto... Nã! Definitivamente, isto não me parece nenhum salto tecnológico!

1 comentário:

  1. Por estas e por outras é que não gosto de números! Prefiro as letras, porque essas, desde que não se tenha o azar de ser analfabeto funcional, querem dizer exactamente o que lá está!
    Dos números tudo se pode fazer: um exemplo brilhante é a Contabilidade Criativa, algo em que os políticos se especializaram, para nossa má sorte!

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