11 abril 2006

QUE SAUDADES DOS DIPLOMATAS SOVIÉTICOS…

Nos idos tempos em que os russos eram maus e se chamavam soviéticos, havia uma receita provada entre os governos dos países ocidentais para marcarem as agendas mediáticas quando as coisas não lhes estavam a correr de feição e dava mesmo jeito mudar de assunto: expulsar uma porradaria de diplomatas soviéticos. É verdade que os gajos estavam normalmente a pedi-las e até se punham mesmo a jeito com as suas caras, patibulares, as suas expressões, desconfiadas, e as suas gabardinas em dias solarengos.

E depois, eram mais que as mães, para tratar de um punhado de assuntos de um país onde quase não havia assuntos a tratar: pouco comprávamos do que eles vendiam, eles pouco compravam do que nós vendíamos – ficou famoso o episódio do vinho que lhes vendemos logo em 74, a um preço revolucionário, que eles revenderam automaticamente, com uma mais-valia verdadeiramente marxista, aos canadianos – e, além disso, não havia muitos de nós que quisessem visitá-los e, do lado de lá, quase não havia quem pudesse visitar-nos.

Considero aliás, que na antiga União Soviética, sempre houve uma relação pouco convencional com a actividade turística, fosse pelos veículos em que a faziam – como nas visitas a Budapeste em 1956 ou a Praga em 1968 – fosse pelo hábito dos turistas se esquecerem de regressar a casa – é famosa a anedota de um quarteto de cordas ser o resultado de uma digressão de uma orquestra sinfónica soviética pelos países ocidentais.

A verdade, verdadinha, é que eles eram todos um bocado esquisitos e ninguém reclamava (a não ser os comunistas, mas esses também eram um bocado esquisitos) quando os governos anunciavam a expulsão de 45 diplomatas soviéticos, incluindo o secretário e 27 vice-secretários da embaixada (nem cabiam lá todos ao mesmo tempo) que eram, evidentemente, espiões do KGB.

E como ninguém gosta de ser espiado, ainda por cima por gajos com a falta de sofisticação do KGB, rompia uma (quase) unânime salva mediática de aplausos à coragem governamental de acabar com uma pouca-vergonha daquelas, esquecendo e substituindo os assuntos anteriores em agenda, onde o corajoso governo andava a mostrar desempenhos substancialmente menos brilhantes.

Lembrei-me deste tópico porque, extintos os soviéticos, parece-me que as lutas contra o abuso do álcool ou do tabaco substituíram a expulsão dos diplomatas como sineta mobilizadora usada pela governo para a distracção da atenção dos média em caso de notícias encavacantes.

Só para exemplificar, é patente que o ministro e o ministério da saúde não irão contribuir para a resolução dos problemas da saúde anunciando em primeira página que “Oito horas numa discoteca podem representar 15 cigarros” (Público, 11/04/06), mas enquanto está lá aquele título, não estão outros…

1 comentário:

  1. Será que o Ministério da Saúde pagava para ver este título:
    "Mc'Donald's e Coca-Cola matam mais americanos que as guerras do Vietnam e do Iraque!"
    ... e não é demagogia!!!

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