08 abril 2006

DO PÚLPITO ATÉ AO CINZEIRO

Esta é uma história antiga, adaptada, de um padre que foi transferido para uma paróquia remota do interior, onde uma pequena agricultura se misturava com pequenas indústrias, quase rudimentares.

Com o intuito de causar boa impressão, na missa principal do seu primeiro Domingo arranca com uma homília condenatória do vício da falta de temperança, da amizade imoderada pela bebida. Alguém lhe recomendou contenção, a esmagadora maioria dos seus paroquianos que tinham terras, possuíam vinhas e produziam vinho, de que a região até era afamada.

No Domingo seguinte o objecto da sua homília desviou-se para a condenação do vício do jogo e das suas consequências para a estabilidade familiar. Alguém lhe fez ver que, sendo uma fábrica de cartas de jogar uma das raras indústrias da região, empregando até algumas dezenas dos seus paroquianos, o conteúdo da dita homília podia vir a ser mal acolhido.

Ao terceiro Domingo, o padre já não quis correr riscos mas deixou-se de homílias e atreveu-se mesmo a um sermão. Estando no interior, proferiu o seu sermão mais veemente, prometendo os piores castigos do inferno para aqueles que se dedicavam à pesca clandestina usando malhagem considerada ilegal!

Fosse esta história actual e a culpa iria toda para os fumadores – provavelmente também não haveria plantações de tabaco na região... Sendo ex-fumador, cada vez me aborrece mais este unanimismo condenatório à volta do tabaco.

Pertenço à geração que assistiu aos primeiros debates sobre os malefícios do tabaco e, gradualmente, ao estabelecimento das primeiras medidas restritivas à venda de tabaco até esta perseguição final encarniçada aos fumadores, que assume foros de patética e pateta.

Assim como o padre invectivava quem não estava, também aqui parece haver algo de muito cobarde na forma como, recorrentemente, se reforçam cada vez mais as sanções exclusivamente sobre os fumadores – agora são as proibições (na prática) de fumar nos cafés, depois disso ter acontecido nas escolas, depois dos tradicionais aumentos de impostos ao consumidor do princípio do ano.

É que, em tudo isto, como com o padre, parece-me haver uma grande hipocrisia e um grande cuidado em evitar certos aspectos do problema. Alguém ouviu falar em impostos sobre lucros, especialmente direccionados para as empresas que se dediquem ao comércio do tabaco?

Noutro dia tive oportunidade de analisar as demonstrações financeiras da Tabaqueira e essas, ao menos, vendiam saúde! E não consta que as multinacionais do sector tenham desenvolvido cancros de pulmão…

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