20 abril 2006

CUNÍCULO MAGNO (Coelho-o-Grande)

Em meados do século II AC, Catão, um dos senadores romanos de maior prestígio daquela época, criou o hábito de terminar todas as suas intervenções no senado de Roma com as seguintes palavras: Ceterum censeo, Carthaginem esse delendam (Quanto ao resto, Cartago deve ser destruída).

Deve ser na senda desse episódio de Catão que Paulo Gorjão, no seu Bloguítica, tem vindo a repetir todas as quintas feiras apelos pungentes ao retorno de José Magalhães ao seu lugar no programa Quadraturadocírculo, que a SIC Notícias transmite todas as quartas feiras à noite.

A vítima, claro (para quem conhece o programa), é Jorge Coelho. Usando o estilo próprio de Gorjão, sejamos claros: nem considero o programa como o pior daquele género que aquele canal transmite, nem a responsabilidade de Coelho fazer aquelas figuras tristes lhe pertence exclusivamente.

A verdade é que, se a pessoa e o estilo de Jorge Coelho irrita muita gente, ele ainda tem, num certo estrato (onde me incluo), a capacidade de projectar essa irritação para proporções estratosféricas: qualquer sondagem feita nesse estrato sobre a popularidade de Jorge Coelho (num intervalo de 0 a 100%) daria… -35%, porque haveria quem aproveitasse a parte dos comentários para malhar no homem.

Coelho é um exemplo de um produto de sucesso gerado pelo aparelho de uma máquina partidária (no caso o PS) e é para muitos (onde me incluo) incomodativo de ser visto também por causa disso. Se aquilo é a “nata”, causa-me arrepios só de pensar de que é que deverá ser feito o “leite”…

Mas, por outro lado, Coelho deve ter uma competência inexcedível nas barganhas de favores com que se constroem redes de amizades que sustêm e fazem funcionar a maioria das organizações portuguesas e não só as bases dos partidos políticos. São aspectos que escapam às dissertações filosóficas e às considerações tecnocráticas de Pacheco Pereira e Lobo Xavier, respectivamente.

Por muito que me desagrade o teor de certos discursos de Coelho (Quem se mete com o PS leva!), emparelho-os, em elaboração e subtileza, com as letras das músicas populares do Quim Barreiros (Quero cheirar teu bacalhau, Maria!). A questão maior fica, portanto, o que é que Jorge Coelho anda a fazer ali, àquela hora, naquele canal, que não têm nada a ver com ele.

Segundo me constou, a sua escolha resultou de uma selecção e da cooptação por parte dos restantes elementos que fazem parte do programa: Carlos Andrade, Pacheco Pereira e Lobo Xavier. Se assim tiver sido, ninguém me afastará da suspeita de que houve alguma perversão política da parte de alguns dos seleccionadores.

Sendo um programa antigo, já de há muito está configurado que o lugar do morto é o do defensor do governo em funções. Que Pacheco Pereira desempenhou muito bem – o que considero estar na origem de muita da popularidade do programa – mas que José Magalhães depois estragou completamente. Por isso não compartilho nem as expectativas nem o apelo de Paulo Gorjão para o retorno de Magalhães.

A verdade é que Coelho chegou ao programa com as menores habilitações e o papel mais difícil e o resultado está à vista. Mas a culpa não é só sua. Há muito em Portugal o hábito de se confundir a inteligência com a esperteza. Mas entre a produção e o elenco da Quadraturadocírculo há, com certeza, quem consiga fazer a diferença.

Resta regressar à História de Roma e a Pompeu que, protegido de Sila, teve um triunfo sem ter triunfado, foi cônsul sem nunca ter desempenhado as funções de estado necessárias para isso e até foi cognominado de Magno pelo ditador. Mas o título de nada lhe valeu quando o desafio excedeu as suas competências, e teve de defrontar César.

1 comentário:

  1. A parte mais ironicamente cómica do programa de ontem foi a do comentário de Coelho aos deputados que tinham desandado da AR na semana anterior quando ele tinha sido precisamente um deles...

    Pelo feito, talvez numa próxima enciclopédia em que se procure ilustrar a figura de estilo brasileira da "cara de pau" "póssamos" pôr uma fotografia dele

    NB - Pressuponho que o Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho mencionado no diário da AR como tendo faltado à verificação do quórum de deliberação seja o único e incomparável Jorge Coelho.

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