É um facto pouco conhecido que a sociedade romana demonstrava um conservadorismo dificilmente igualável na forma como fazia perdurar as suas instituições muito depois de elas terem perdido a funcionalidade para que haviam sido criadas.
Exagerando um pouco, em comparação com os romanos, os britânicos, com a preservação da sua Rainha e da sua Câmara dos Lordes, podem até ser considerados um exemplo de renovação precipitada. Veja-se o exemplo significativo da evolução da função dos Cônsules ao longo da história de Roma.
O consulado foi uma das primeiras instituições criadas com a instauração da república romana (509 AC), muito embora só esteja documentada a continuidade de titulares da função no decorrer do século V AC.
Elegia-se um par de Cônsules, pelo período de um ano, e, como forma de controlo, cada um dispunha do direito de veto sobre as decisões do seu homólogo. Os Cônsules seriam considerados, pela nomenclatura moderna, como uma espécie de chefes de estado, a quem os embaixadores estrangeiros apresentariam cumprimentos e sob a designação de quem se promulgaria a legislação.
Era o posto máximo das ambições políticas de um cidadão romano, havia certas restrições à candidatura e ao acesso à função – nomeadamente a idade mínima de 40 anos – e eram rigorosos os mecanismos de controlo da sua actividade: na eventualidade da morte ou impossibilidade de um dos Cônsules, era eleito um substituto, designado Cônsul Sufecta, para o resto do período da magistratura.
O Império Romano, ao contrário de outros impérios, não despontou através de uma mais ou menos exuberante cerimónia de coroação. Apareceu insidiosamente, num modelo organizativo montado no tempo de Octávio, contornando as aparências de monarquia que haviam custado a vida a Júlio César.
Criou-se um aparelho eleitoral que dominava as eleições. O imperador elegia-se de quando em vez, nos intervalos eram eleitas pessoas da confiança da administração imperial. Formalmente, nunca houve um reinado de Tibério ou de Nero, a não ser quando, mais tarde, os historiadores assim reconstruíram a sucessão de eventos.
Da função de Cônsul, ficou apenas o prestígio e a prova de estima demonstrada pelo verdadeiro monarca. E a vontade de multiplicar tais demonstrações conduziu a que se produzissem artificialmente Cônsules Sufectas através de renúncias consecutivas dos titulares. Um ano, que produziria normalmente dois Cônsules, chegou a produzir mais de vinte…
O Consulado acabou envolvido numa gramática de etiqueta. Era importante saber quem receberia a distinção de ser o colega de consulado do imperador, que muitas vezes era a indicação do seu sucessor, para não falar de assuntos mais comezinhos como o número de consulados ou a distinção da importância entre ter sido Cônsul Ordinário (original) ou Sufecta.
Com Constantino, no século IV, o ritual foi ao extremo de transferir a eleição de um dos Cônsules para Constantinopla, a nova Roma. Mas, por essa altura, a função já apenas assumia aspectos cerimoniais. Por curiosidade, Aécio, de quem este blog se reclama herdeiro, foi Cônsul de Roma por quatro vezes, em 432, 437, 446 e 454.
E Justiniano, que os historiadores põem a disputar com Aécio o título do Último Romano, foi o último Imperador romano a desempenhar funções de Cônsul, também por quatro vezes, cargo que acabou por extinguir em 541*.
Enfim, falamos de mais de mil anos de história da função de Cônsul, dos quais sensivelmente metade com um conteúdo puramente honorífico, mas é ao período de transição, em que a aparência do seu poder se diluiu por detrás da máquina administrativa imperial, que importa relembrar.
Assistimos, dentro da União Europeia, a uma luta surda entre governos nacionais e as instituições europeias em que, por motivos vários, não tem sido conveniente para os primeiros exprimir todo o seu potencial de poder, que terminariam num ápice com as veleidades de poder do núcleo central comunitário.
Mas, por outro lado, episódios vários e recentes, mais folclóricos uns (como o italiano), mais sóbrios outros (como o francês), têm transmitido para os média imagens de governos nacionais enfraquecidos e hesitantes, o que tem aumentado o potencial argumentativo das posições de Bruxelas e de Estrasburgo e não lhes deve causar grandes consternações.
É arriscado prever como poderá evoluir futuramente a União, mas uma coisa é certa: além dos propalados problemas do alargamento e dos problemas orçamentais existe um outro, mais importante, talvez fundamental, o da disputa da distribuição do poder entre o centro e as nacionalidades. E uma coisa é certa: não me parece estarmos num ponto de equilíbrio. Ou a União explode ou implode.
Exagerando um pouco, em comparação com os romanos, os britânicos, com a preservação da sua Rainha e da sua Câmara dos Lordes, podem até ser considerados um exemplo de renovação precipitada. Veja-se o exemplo significativo da evolução da função dos Cônsules ao longo da história de Roma.
O consulado foi uma das primeiras instituições criadas com a instauração da república romana (509 AC), muito embora só esteja documentada a continuidade de titulares da função no decorrer do século V AC.
Elegia-se um par de Cônsules, pelo período de um ano, e, como forma de controlo, cada um dispunha do direito de veto sobre as decisões do seu homólogo. Os Cônsules seriam considerados, pela nomenclatura moderna, como uma espécie de chefes de estado, a quem os embaixadores estrangeiros apresentariam cumprimentos e sob a designação de quem se promulgaria a legislação.
Era o posto máximo das ambições políticas de um cidadão romano, havia certas restrições à candidatura e ao acesso à função – nomeadamente a idade mínima de 40 anos – e eram rigorosos os mecanismos de controlo da sua actividade: na eventualidade da morte ou impossibilidade de um dos Cônsules, era eleito um substituto, designado Cônsul Sufecta, para o resto do período da magistratura.
O Império Romano, ao contrário de outros impérios, não despontou através de uma mais ou menos exuberante cerimónia de coroação. Apareceu insidiosamente, num modelo organizativo montado no tempo de Octávio, contornando as aparências de monarquia que haviam custado a vida a Júlio César.
Criou-se um aparelho eleitoral que dominava as eleições. O imperador elegia-se de quando em vez, nos intervalos eram eleitas pessoas da confiança da administração imperial. Formalmente, nunca houve um reinado de Tibério ou de Nero, a não ser quando, mais tarde, os historiadores assim reconstruíram a sucessão de eventos.
Da função de Cônsul, ficou apenas o prestígio e a prova de estima demonstrada pelo verdadeiro monarca. E a vontade de multiplicar tais demonstrações conduziu a que se produzissem artificialmente Cônsules Sufectas através de renúncias consecutivas dos titulares. Um ano, que produziria normalmente dois Cônsules, chegou a produzir mais de vinte…
O Consulado acabou envolvido numa gramática de etiqueta. Era importante saber quem receberia a distinção de ser o colega de consulado do imperador, que muitas vezes era a indicação do seu sucessor, para não falar de assuntos mais comezinhos como o número de consulados ou a distinção da importância entre ter sido Cônsul Ordinário (original) ou Sufecta.
Com Constantino, no século IV, o ritual foi ao extremo de transferir a eleição de um dos Cônsules para Constantinopla, a nova Roma. Mas, por essa altura, a função já apenas assumia aspectos cerimoniais. Por curiosidade, Aécio, de quem este blog se reclama herdeiro, foi Cônsul de Roma por quatro vezes, em 432, 437, 446 e 454.
E Justiniano, que os historiadores põem a disputar com Aécio o título do Último Romano, foi o último Imperador romano a desempenhar funções de Cônsul, também por quatro vezes, cargo que acabou por extinguir em 541*.
Enfim, falamos de mais de mil anos de história da função de Cônsul, dos quais sensivelmente metade com um conteúdo puramente honorífico, mas é ao período de transição, em que a aparência do seu poder se diluiu por detrás da máquina administrativa imperial, que importa relembrar.
Assistimos, dentro da União Europeia, a uma luta surda entre governos nacionais e as instituições europeias em que, por motivos vários, não tem sido conveniente para os primeiros exprimir todo o seu potencial de poder, que terminariam num ápice com as veleidades de poder do núcleo central comunitário.
Mas, por outro lado, episódios vários e recentes, mais folclóricos uns (como o italiano), mais sóbrios outros (como o francês), têm transmitido para os média imagens de governos nacionais enfraquecidos e hesitantes, o que tem aumentado o potencial argumentativo das posições de Bruxelas e de Estrasburgo e não lhes deve causar grandes consternações.
É arriscado prever como poderá evoluir futuramente a União, mas uma coisa é certa: além dos propalados problemas do alargamento e dos problemas orçamentais existe um outro, mais importante, talvez fundamental, o da disputa da distribuição do poder entre o centro e as nacionalidades. E uma coisa é certa: não me parece estarmos num ponto de equilíbrio. Ou a União explode ou implode.
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