31 dezembro 2023

O POVOAMENTO PROSPECTIVO DA FEDERAÇÃO DA RODÉSIA E DA NIASSALÂNDIA

31 de Dezembro de 1963 foi a data da dissolução da Federação da Rodésia e da Niassalândia, ocasião propícia para republicar no blogue este texto, referente às esperanças que se haviam depositado nessa estrutura política experimental britânica em África que hoje não passa de uma memória (esquecida).
A Federação foi um projecto político britânico criado após a Segunda Guerra Mundial e que se destinava a conceder um certo modelo de autonomia política a alguns territórios britânicos em África contornando as pressões para que as descolonizações se processassem da maneira mais convencional onde o poder fosse transferido para as elites africanas indígenas maioritárias. A ideia era criar condições para replicar o modelo da África do Sul, onde a população de ascendência europeia, ainda que minoritária (20%), o era substantivamente e atingia uma dimensão crítica (eram 2,5 milhões de sul-africanos brancos em 1950) para conferir estabilidade a um regime de supremacia branca.
A Federação foi constituída no centro da África meridional, entre Angola e Moçambique (ver mapa acima), reunindo as regiões que são hoje a Zâmbia, o Zimbabué e o Malawi (e que na época eram conhecidas por Rodésia do Norte e do Sul e Niassalândia). Quando foi fundada, em 1953, possuiria uns 6.850.0000 habitantes, dos quais apenas 2,5% (170.000) eram de origem europeia, e cerca de ⅔ destes últimos concentravam-se na Rodésia do Sul. A Rodésia do Sul era, naturalmente, o cérebro e a locomotiva do projecto. E a ideia não era copiar exactamente o modelo sul-africano, onde os africânderes haviam acabado de institucionalizar o apartheid, mas implementar um modelo de inspiração britânica, mais benigno. Contudo, a importação de mão de obra qualificada de origem europeia afigurava-se indispensável.
É no quadro desse ambicioso projecto que se pode compreender a notícia de jornal dessa época que insiro abaixo, onde se antecipava que nos 25 anos seguintes a Federação esperava receber um milhão de imigrantes europeus para a equilibrar demograficamente. Esse milhão de emigrantes europeus transplantados para o meio de África foi um projecto exuberantemente falhado e esquecido e que se chega a tornar cómico quando conhecido a 70 anos de distância, quando se conhece a continuação dos acontecimentos. Nunca os territórios africanos conseguiram despertar um interesse da imigração europeia à escala antevista pelos visionários do projecto da Federação. Os europeus emigrados preferiram outros destinos, sobretudo na própria Europa. A Federação durou dez anos (1953-1963), até que cada um dos seus membros seguiu o seu percurso distinto.
No final da década de 1970, ao fim dos tais 25 anos míticos da notícia acima, a população de origem europeia total dos três países separados cifrava-se em cerca de 350.000 pessoas, das quais mais de 80% se concentrava na então Rodésia do Sul, o único deles que ainda prosseguia em versão reduzida o projecto de supremacia branca. Também esse terminou em 1980. O número de brancos actualmente na região outrora concebida para receber um milhão deles cifrar-se-á à volta dos 75.000. Convém remexer de quando em vez nestes projectos neocoloniais britânicos fracassados para não se ficar com a opinião que as ambições coloniais anacrónicas só aconteceram connosco...

30 dezembro 2023

JUDEUS E CATÓLICOS

(Republicação)
30 de Dezembro de 1993. Apesar de o Estado de Israel ter mais de 75 anos, foi há apenas 30 que o governo israelita e o Vaticano estabeleceram relações diplomáticas formais. E, como se pode apreciar acima através de uma fotografia recente dos dois titulares, a relação continua a ser muito pouco descontraída, assaz cerimoniosa... E isto apesar de uma apreciável percentagem de peregrinos que visitam Jerusalém e robustecem a indústria do turismo israelita serem católicos.

29 dezembro 2023

A CANÓNICA INCOMPETÊNCIA DOS JORNALISTAS PORTUGUESES SOBRE O NOTICIÁRIO INTERNACIONAL

Como de costume, quando o noticiário é internacional, as notícias chegam a Portugal já formatadas e os jornalistas cá do burgo nem se dão ao trabalho de mexer no que já vem acondicionado para leitor engolir. Como acontece no caso abaixo, quando alguns estados se pronunciam pela interdição de que Trump apareça nos boletins de voto, considerado «inelegível» por causa das suas tentativas para tentar sabotar o acto eleitoral de 2020 e por causa da sua conduta durante os acontecimentos que levaram à invasão do Capitólio a 6 de Janeiro de 2021. Aquilo que os jornalistas portugueses não estão a destacar devidamente é que estas iniciativas estão a ser tomadas por facções de eleitores republicanos e que as suas petições se destinam à exclusão de Trump durante as eleições primárias do partido republicano e não durante as eleições presidenciais propriamente ditas. Portanto, tratar-se-á de uma espécie de guerra civil entre republicanos e não propriamente, pelo menos para já, de uma manobra dos democratas rivais para que Trump concorra. O que está em causa, nesta fase dos acontecimentos, é a exclusão de Trump às eleições de delegados à convenção republicana que escolherá o candidato daquele partido às eleições de Novembro de 2024. Nessa convenção haverá 2.467 delegados com direito de voto. O estado do Maine, que justifica este cabeçalho abaixo, estará representado nessa convenção por... 20 delegados (0,8%). Quanto ao estado do Colorado, o primeiro estado que terá barrado o nome de Donald Trump, esse estará representado por... 37 delegados (1,5%). Em contrapartida, o estado da Califórnia que, no mesmo dia do Maine, se pronunciou em sentido oposto, permitindo a presença de Trump nos boletins de voto das primárias republicanas no estado, esse estará representado por... 169 delegados (6,9% do total - o que corresponde ao triplo dos delegados dos dois outros estados somados). Como se percebe, a importância atribuída pelos cabeçalhos não tem nada a ver com a repercussão dos acontecimentos... A Califórnia vale eleitoralmente o triplo dos outros dois estados mas é ao que aconteceu nestes últimos que se dá o destaque noticioso. E, para mais, qualquer das duas decisões, do Colorado e do Maine, estão pendentes de recursos. Como se constata, está-se ainda muito longe de poder noticiar que Donald Trump se verá impedido de disputar as eleições presidenciais de Novembro de 2024 em condições idênticas às do seu rival - que será previsivelmente o presidente Joe Biden. Mas esse é o formato noticioso para quem se disponha a ler superficialmente notícias como a que aparece abaixo. Pior do que isso: é com base nesse formato incompleto e distorcido que vemos o assunto a ser depois discutido pelos opinadores. E, como neste momento, os media estão a substituir a informação pela opinião, o efeito perverso de tudo isto é que muitas vezes o que há que considerar sobre o opinador é que ele não faz a mínima ideia sobre aquilo de que está a falar...

CONTINUAÇÃO DE BOAS FESTAS COM A INSPIRAÇÃO DE UM TINTIN CINQUENTENÁRIO

28 dezembro 2023

KOHOUTEK, O COMETA DO SÉCULO

(28 de Dezembro de 1973 foi a data em que o cometa Kohoutek atingiu o seu periélio. O texto que se segue é uma republicação, explicando em que consistiu esse magnífico fiasco sideral)
A coisa anunciava-se de arromba. Mas, melhor que as minhas explicações, deixo-as para a imprensa da época (Dezembro de 1973), citando-a: Pouco depois do Natal e até Janeiro de 1974, os céus dar-nos-ão um espectáculo de beleza surpreendente – um cometa, ou melhor, um senhor cometa! Chama-se Cometa Kohoutek (pronuncia-se Caútec) em homenagem a quem o descobriu, Lubos Kohoutek, astrónomo do Observatório Hamburgo, em Bergedorf, Alemanha Ocidental, promete ser o mais extraordinário corpo celeste jamais observado pela humanidade. O seu brilho poderá alcançar cerca de um quinto da intensidade luminosa da lua cheia, sendo portanto mais brilhante que o famoso Cometa de Halley, que tornou a aparecer em 1910, e a sua longa cauda deverá estender-se por cerca de um sexto do nosso horizonte celeste. Seu núcleo brilhante terá uns 16 mil quilómetros de diâmetro, e sua cauda vaporosa arrastar-se-á por milhões de quilómetros. Arrebatadoramente núbil esta última passagem, não é verdade? Este é apenas o princípio da notícia que as Selecções do Reader’s Digest dedicavam ao assunto nessa sua edição de Dezembro de 1973, que prossegue no mesmo espírito entusiasmado. Até se lhe perdoa a omissão, bem na lógica da revista e da Guerra Fria, ao facto do descobridor e padrinho do cometa, Lubos Kohoutek, apesar de trabalhar na Alemanha Ocidental, como se escreve, ser um checoslovaco… Mas é apenas no parágrafo seguinte que o jornalista utiliza o cognome que a comunicação social já então havia consagrado para o fenómeno: o Cometa do Século! E esta nem sequer era a publicação mais entusiasmada: lembro-me até de uma revista, daquelas que privilegiava a fotografia, no estilo da Paris-Match francesa ou da Manchete brasileira, fazer uma montagem com uma antecipação de como seria a paisagem das noites das grandes capitais do Mundo sob a fluorescência do Kohoutek… Como o fim da citação acima com a sua referência à cauda vaporosa (de noiva?), tudo aquilo parecia mais um daqueles acontecimentos jornalísticos do Século… O aborrecido é que os jornalistas não se conseguem aperceber que os fenómenos científicos podem não se dispor a colaborar com os seus cabeçalhos... Não se pode prognosticar que um cometa será do Século daquela mesma maneira segura que (mais) um casamento real o será – do Século e sempre do mesmo Século… Em termos científicos simples, pôs-se a hipótese que o Kohoutek fosse um cometa jovem originário da Nuvem de Oort, o que o tornaria muito mais brilhante que os outros. Porém, quando a notícia da descoberta chegou ao conhecimento público os jornalistas já haviam transformado essa hipótese numa certeza… Dois meses antes, em Outubro de 1973, já os cientistas sabiam que a hipótese afinal não se confirmava, mas aí já o delírio começara: ele era livros explicativos, selos comemorativos… Por alturas do Natal veio a constatação (abaixo): tratava-se de um fenómeno interessante mas muito pífio, consideradas as expectativas criadas. Esquecido na actualidade, apetece dizer do episódio que, de fama secular só mesmo a de Fiasco Sideral do Século.
Clicar em cima da fotografia para a ampliar. Ela data de 6 de Janeiro de 1974 quando o cometa estava mais visível, depois do periélio a 28 de Dezembro de 1973, e inclui como referências Júpiter e Vénus, astros fáceis de identificar por quem costuma observar o céu.

O SERÃO ANTI-FASCISTA

Em 28 de Dezembro de 1963, cumprem-se hoje precisamente 60 anos, a RTP apresentava excepcionalmente para a programação do serão dessa noite as «Baladas» de Zeca Afonso, apresentado no cartaz acima e numa concessão ao formalismo fascista, por «dr. José Afonso».

27 dezembro 2023

A PRISÃO DO ARCEBISPO PRIMAZ DA HUNGRIA

27 de Dezembro de 1948. O cardeal Mindszenty, a mais proeminente figura da hierarquia católica da Hungria é preso e acusado de traição, conspiração e incumprimento das leis do regime. Foi submetido a interrogatórios e a tortura: é-lhe injectada uma mistura de drogas, para que ele fosse apresentado num julgamento público ao estilo estalinista, com o objectivo de o exibir alquebrado perante a comunidade católica húngara. No processo, foi forçado, por vezes, a ficar de pé por mais de 82 horas e interrogado sem interrupção, dias e noites a fio. Quando praticado em Portugal e pela PIDE por esta mesma altura, os militantes do PCP designam condenatoriamente esta prática por estátua. Mas não lhes perguntem o que eles acham do mesmo processo quando praticado na Hungria pela ÁVH: aí não sabem, não estão bem informados, etc. - a hipocrisia do costume.
Com esta prisão acaba a fase de transição, depois de 1945, em que a igreja Católica andou de luvas postas, tacteando diplomaticamente a melhor forma de se relacionar com as autoridades comunistas dos países da esfera soviética da Europa oriental. Nomeadamente porque essas autoridades comunistas ainda se estavam a instalar. Mas este caso do cardeal Mindszenty foi tratado de forma ostensiva pelas autoridades de Budapeste para que Roma pudesse contemporizar (abaixo, a reacção do papa Pio XII), muito embora, nessa reacção, a influência da igreja Católica no Leste fosse muito desigual de país para país. Mas, nos países em que essa influência social era forte, como era o caso da Polónia, a instituição católica tirou as luvas, e, daí para a frente, até à queda do Muro, tornou-se uma das forças da oposição possível ao(s) regime(s) comunista(s).

26 dezembro 2023

AINDA E SEMPRE SOBRE A MANIPULAÇÃO DAS SONDAGENS

Sobre a sondagem que hoje o Correio da Manhã publica e que descarrega as culpas do episódio das gémeas em cima de Marcelo Rebelo de Sousa, gostaria de chamar a atenção dos leitores deste blogue para como se manipulam as respostas às mesmas, destacando a maneira como foi formulada a terceira questão da sondagem, aquela em que se pretende saber - veja-se mais abaixo - quem é que os inquiridos consideram o «principal responsável no caso».
É que as hipóteses que lhes colocaram - aos inquiridos - circunscrevem-se «ao Presidente« (26,5%), «ao Governo e ao Ministério da Saúde» (21,9%), ao «filho de chefe de Estado» (19,8%), ao «Hospital de Santa Maria» (7,4%) e aos «médicos» (1,8%). É que uma hipótese que tenho ouvido muito repetida e acolhida no café que frequento é que os «principais responsáveis no caso» foram mesmo os pais das gémeas que vieram do Brasil para cá se aproveitarem dos benefícios do nosso SNS. E eu acho muito estranho que os autores desta sondagem não tenham dado por essa opinião, excluindo das respostas possíveis a hipótese de responsabilizar os pais das gémeas pelo caso. Acredito que, provavelmente, o tenham feito porque incluir tal opção seria de uma incorrecção política total... Mas com resultados significativos, já que a xenofobia existe e não costuma aparecer do nada, por muito que no Correio da Manhã se queira ser selectivo sobre as notícias desagradáveis que eles noticiam.

O AFUNDAMENTO DO SCHARNHORST

(Republicação)
26 de Dezembro de 1943. O Scharnhorst, um dos navios mais emblemáticos da Kriegsmarine, é afundado no decurso da batalha naval do Cabo Norte. Não é a primeira vez que aqui se fala do navio: já o mencionáramos quando o Scharnhorst, conjuntamente com o seu irmão Gneisenau, afundara o porta-aviões britânico HMS Glorious em Junho de 1940, numa batalha naval de que não se fala muito, porque vai ao arrepio do que iriam ser os padrões da superioridade aeronaval do futuro; e já o mencionáramos quando, ainda acompanhado do mesmo Gneisenau, mais ainda do Prinz Eugen, se escapulira pelo Canal da Mancha sob as barbas da Royal Navy em Fevereiro de 1942. Contudo, as histórias dos feitos de guerra do Scharnhorst vão literalmente soçobrar neste dia de há 80 anos e, mais uma vez, sem a glória que a reputação dos seus feitos decerto mereceria. Se o afundamento do Bismarck se tornou num épico algo exagerado, este afundamento do Scharnhorst passará por um olvido quiçá imerecido.
O principal inimigo do Scharnhorst foi o HMS Duke of York (que podemos apreciar em fotografia durante a acção), sob as condições meteorológicas extremas do Inverno ártico que impossibilitavam o emprego da aviação embarcada. O engajamento foi, por isso, clássico e o Scharnhorst acabou afundado sob o fogo da artilharia do Duke of York e dos torpedos dos navios que o escoltavam. Apenas 36 dos 1.968 homens que constituíam a tripulação foram resgatados, uma taxa abaixo de 2%, o que é inferior aos 5% registados quando do afundamento do Bismarck (onde houvera 114 sobreviventes). Sendo a guerra o que é, nem mesmo isso os dispensou, aos 36 sobreviventes, de serem usados como material de propaganda, ao serem fotografados humilhantemente vendados a desembarcarem como prisioneiros de guerra na base naval Scapa Flow na Escócia. Na antiga base naval do outro lado, na cidade de Wilhelmshaven, um memorial recorda hoje os mais de 1.900 que não regressaram.

«FOI PARA ISTO QUE VEIO O FILHO DE DEUS»

26 de Dezembro de 1723. Estreia da cantata Foi para isto que veio o Filho de Deus (Darzu ist erschienen der Sohn Gottes - BWV 40) de Johann Sebastian Bach. Tornou-se uma das tradicionais composições clássicas associadas ao Natal. Costuma ser executada, segundo a tradição, no dia seguinte, como hoje. A todos os que seguem este blogue com regularidade, votos de continuação de um Feliz Natal.

SOU SÓ EU?...

...que acho demasiado ligeira esta maneira de sintetizar a notícia do tratamento que está a ser recebido por um dissidente russo? Este título que foi escolhido pela Euronews assemelha-se a uma daquelas encomendas extraviadas da Amazon que a DHL encontra depois de reclamarmos... E Navalny não é nenhum pacote de livros, acho eu. Nem eu creio que as dificuldades em encontrar o seu paradeiro resulte de negligência.

25 dezembro 2023

OS PROTAGONISTAS JÁ NÃO DESAPARECEM DAS FOTOGRAFIAS MAS, PARA A PROPAGANDA, O PASSADO CONTINUA A SER EXTREMAMENTE «INCERTO»

A expressão «o passado é incerto» foi cunhada por causa dos regimes totalitários e da sua propaganda. A forma mais exuberante como aquela «incerteza» quanto ao passado se manifestava era quando alguns dos seus protagonistas caíam em desgraça e eram descarada e obscenamente removidos das fotografias oficiais, como acima se vê, num caso da China. Mas este é mais um caso em que a forma se substituiu à substância, porque a prática de adulterar o passado para efeitos de propaganda presente se faz de muitas formas, sem aqueles ridículos visuais. Tomemos o exemplo bem recente do artigo abaixo, em que se pretende que «Pedro Nuno Santos e Montenegro» tinham (tiveram...) ideias «sobre saúde e segurança social desde 2015»! É caso para dizer que, se as tiveram, guardaram-nas muito para eles, que nunca se deu por nada! No caso de Pedro Nuno Santos, desde 2015 ele sobraçou pastas ministeriais que nada tiveram a ver com a saúde e a segurança social. No caso de Luís Montenegro, o exagero é ainda maior porque esse não sobraçou nada desde 2015. Aliás, a última e única ideia original que lhe conheço é anterior a isso e data de Fevereiro de 2014: «A vida das pessoas não está melhor mas a do País está muito melhor». Esta ideia de plantarem esta notícia para tentar conferir densidade intelectual aos dois, potenciando e enfeitando os dois principais protagonistas da disputa eleitoral que se anuncia até dia 10 de Março é caricata no caso de Pedro Nuno Santos e completamente ridícula no de Luís Montenegro.

FELIZ NATAL

(O que era bom neste blogue há 10 anos, continua bom. As coisas de qualidade nunca passam de moda)
- Imagino se lhe poderei solicitar a sua atenção por uns breves momentos para ter para consigo um gesto que não é, nem por sombras, uma obrigação desagradável e que se tornou, com o decorrer dos anos, uma prática governamental mais ou menos corrente quando nos aproximamos da fase terminal do ano – o civil, claro, não o fiscal - na realidade, e mesmo não querendo ser demasiado rebuscado, esta Penúltima Semana. Submetendo-lho com a maior deferência, para sua apreciação numa ocasião que considere mais propícia, mas numa sincera e sã expectativa – quiçá confiança – quiçá poder-se-á ousar dizer mesmo esperança – que o período supramencionado poderá ser considerado, depois de feito um balanço prévio, quando todos os factores relevantes foram devidamente tidos em consideração e numa apreciação global que os faz ser tidos em conta de uma forma que não pode, nem por sombras, vir a ser considerada negativa nos seus efeitos e que os propiciará, em análise final, virem a ser considerados bases para uma apreciação, na sequência de uma reflexão amadurecida, que seja conducente à geração de um grau de satisfação que pode ser classificado, sobretudo quando avaliado em retrospectiva, significativamente mais elevado do que aquilo que seria a média expectável.

- Está a tentar desejar-me Feliz Natal, Humphrey?

- Yes, Minister.

24 dezembro 2023

UM INSPIRADO CONTO DE NATAL PASSADO ENTRE MARINHEIROS, CHULOS E PUTAS DO CAIS DO SODRÉ

Entre a profusão de esperados e aborrecidos contos de Natal que o Diário de Lisboa publicava em 24 de Dezembro de 1948, destacava-se este mais abaixo que, embora não invocando o Natal no cabeçalho, tinha muito de natalício no enredo. Vale a pena ler o artigo e atentar na doçura da prosa, constatar como o marinheiro Raimundo e a Maria Eugénia estavam apenas a pensar ir ao cinema e como era intenção do primeiro oferecer até uma prenda à segunda. Uma prenda de Natal, naturalmente. Mais adiante, «a pistola disparou-se» mas saíram logo dois tiros, porque um deles atingiu o infeliz marinheiro e o outro de ricochete, acertou em cheio na Maria Eugénia. Sim, porque ela ficou internada e ele só teve que ser «pensado» e teve logo alta. O mau da fita, o «Nina» evadiu-se, embora não se perceba de onde é que ele se evadiu. E é um excelente remate irónico, nesta história de Natal bem embrulhada, que o apelido do polícia encarregado deste caso de chularia e putedo seja Claro.

23 dezembro 2023

SCHUBERT

Simplesmente porque acho que se adequa à quadra. Trio para piano e cordas nº 2 em mi bemol maior, D. 929.

«LOLITA» CASOU-SE

23 de Dezembro de 1963. Uma discreta notícia dá conta do casamento da jovem actriz Sue Lyon que se notabilizara a interpretar o papel principal do filme «Lolita» (1962). «Lolita» fora realizado por Stanley Kubrick, que se baseara na obra literária homónima de 1955 de Vladimir Nabokov. As duas «Lolitas» eram obras controversas, que contavam a história de um professor de literatura de uma idade madura, dominado pela hebefilia, que se envolve sentimental e sexualmente com a sua enteada Dolores de 12 anos, conhecida por Lolita, daí o nome da obra. No período das filmagens - veja-se abaixo uma das cenas do filme - a actriz Sue Lyon tinha 14/15 anos. E, pelo seu desempenho naquele papel, a actriz havia recebido um Globo de Ouro em 1962, como actriz revelação. Agora, quando já tinha 17 anos, era notícia o seu «primeiro casamento» em Hollywood. Ironicamente, provavelmente pela sua temática muito delicada, o filme ainda não se estreara em Portugal. Só o virá a ser em 1972. É caso para perguntar qual seria a relevância desta notícia do casamento de uma actriz que ainda ninguém vira nas salas de cinema em Portugal.

FRANCAMENTE NÃO ACREDITO

A sondagem é da YouGov. A amostra foi de 1.500 americanos. Mas a ficha técnica não esclarece se as percentagens foram calculadas a partir daqueles que responderam entre os 1.500 inquiridos, ou se o número foi alcançado multiplicando a pergunta até obterem 1.500 respostas. O que me parece ainda mais inverosímil é que o número médio de livros lidos durante 2023 por aqueles que o admitiram ter feito pelo menos com um livro, foi de 11! O questionário não incluiu qualquer pergunta sobre conteúdos dos livros lidos, mas é aspecto que me parece desnecessário para ajuizar sobre a fidedignidade desta amostra representar culturalmente os americanos. Nunca me consigo esquecer de um outro destes inquéritos do mesmo género (3.624 inquiridos), em que se pôs a (falsa) questão de saber se os estabelecimentos de ensino nos Estados Unidos deviam ou não ensinar a numeração árabe como parte do seu currículo? Pois bem: a proporção entre 7 americanos, é que dois disseram que sim, um que não sabia, e quatro acharam rotundamente que não - estes últimos muito provavelmente por causa da conotação negativa de a numeração ser árabe... Porque a América é um sítio onde se desdenha sobranceiramente o saber não vejo condições para tantos leitores e tanta leitura. O ultraje perante uma aberração como Donald Trump teria de ser outro.

22 dezembro 2023

VOTOS DE UMA MAGNÍFICA QUADRA NATALÍCIA

Visitemos Dezembro de 1979 e lembremos uma daquelas composições natalícias em estilo kitsch mas com a absolvição do autor ser o ex-Beatle Paul McCartney. Nesta mesma quadra, mas dois anos antes (1977) e num registo mais cínico, os Kinks haviam gravado este Father Christmas em que as crianças pobres pediam dinheiro ao Pai Natal; ele que desse os brinquedos às crianças ricas.
Mas para que não terminemos este poste num registo cínico, que é desapropriado para esta quadra, viajemos até 2009 e à festa de Natal de uma escola nos arredores de Philadelphia, nos Estados Unidos, onde o mínimo que se pode dizer desta interpretação do Jingle Bells é que é... de arrasar. Notem-se os aplausos entusiásticos a partir dos 4:25. Paz na terra aos homens pais de boa vontade (Lucas 2:14). 

21 dezembro 2023

A REVERSÃO DO DECRETO QUE ESTARÁ NA ORIGEM DO 25 DE ABRIL

21 de Dezembro de 1973. O Diário do Governo publica um conjunto de quatro Decretos-Lei de cariz militar: o primeiro, com o nº 683/73, cria o cargo de Vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas especificamente para o general António de Spínola; os outros, com os números seguintes, reorganizam e regulam os quadros de oficiais, anulando as disposições de decretos-leis anteriores (nº 353/73 e 409/73) que estavam a causar grande celeuma entre os oficiais do exército. Quando se contam os preâmbulos dos acontecimentos que antecedem o 25 de Abril raramente é referido que o governo reverteu a decisão que causara o mal estar entre os oficiais do quadro permanente do exército. A questão é que a reacção às intenções iniciais do poder político criara uma dinâmica de desagrado entre a classe que depois se tornou impossível reverter.

TODOS AQUELES INTELECTUAIS DO OBSERVADOR QUE TINHAM UMA OPINIÃO PREMENTE SOBRE A GRÉCIA E A QUEM NÃO OUVIMOS OUTRAS OPINIÕES SOBRE O MESMO PAÍS NOS NOVE ANOS QUE SE SEGUIRAM

A Grécia acabou de ser eleita como o país do ano pela revista liberal britânica The Economist. As razões para a nomeação constam dos dois parágrafos acima, do lado esquerdo. Mas aquilo que me ocorreu de imediato a propósito desta eleição e da Grécia foi regressar a Janeiro de 2015 e ao frenesim opinativo a que se dedicava o jornal Observador como antecipação às eleições que ali iriam ter lugar: dez artigos de opinião assinados por outros tantos intelectuais formulando essencialmente uma opinião que era a mesma e era premente (acima à direita). A esta distância temporal (quase nove anos) percebe-se que as eleições da Grécia só eram importantes porque continham o significado simbólico de serem uma antecâmara das que viriam a ter lugar em Outubro daquele mesmo ano em Portugal. O engraçado nesta associação involuntária entre a The Economist e o Observador é constatar que as inclinações ideológicas das duas publicações até nem são assim tão distantes entre si. O que as distingue indelevelmente é a profundidade como cada uma trata os assuntos. E a funcionalidade. Não me parece que no Observador se venha a reconhecer à Grécia de 2023 alguma utilidade como instrumento de arremesso político para as próximas eleições portuguesas de Março de 2024. Por isso, se continuarem a escrever para aquele jornal, todos aqueles dez intelectuais irão escrever sobre outras coisas que não a Grécia.

O «BLOQUEIO NACIONAL» DOS «COLETES AMARELOS» À PORTUGUESA

Para 21 de Dezembro de 2018 «mais de 13 mil haviam confirmado presença e cerca de 40 mil haviam demonstrado interesse em participar» num conjunto de eventos que pareciam ser a transposição para o nosso país do movimento de protesto dos Coletes Amarelos franceses. A PSP estava «a acompanhar a situação» e sentia-se a tensão, pelo menos a noticiosa e a das redes sociais. Nessa Sexta Feira e no local considerado mais emblemático para os protestos - a rotunda do Marquês de Pombal no centro de Lisboa - o que terá acontecido aparece notavelmente sintetizado em acelerado no vídeo abaixo, com a banda sonora - apropriadíssima - do Benny Hill, já que tudo não passou de um fiasco. Um fiasco que os estúpidos dos organizadores não perceberam da primeira vez, e insistiram uma segunda vez duas semanas depois...

20 dezembro 2023

DISSERTAÇÃO SOBRE QUEM TEM MORAL PARA CLASSIFICAR «INDECENTES E MÁS FIGURAS» AOS OUTROS

Ontem decorreu mais uma sessão do julgamento de Manuel Pinho. Ficámos a saber que nessa sessão compareceram como testemunhas nada menos do que três antigos primeiros-ministros: Durão Barroso, José Sócrates e Pedro Passos Coelho - nomeio-os por ordem cronológica. Contudo e significativo da consistência intelectual do nosso meio mediático, em substituição do relato do que terá sido a sessão do tribunal e daquilo em que terão sido os depoimentos dos três antigos primeiros-ministros, os destaques do dia foram saturados/entupidos pelas declarações do mais recente dos ex-primeiros-ministros convocados, declarações essas que foram proferidas à entrada para a sessão do julgamento (assim se depreenderá pela fotografia acima), e cujo conteúdo se prende, não com o julgamento de Manuel Pinho, nem com as circunstâncias que o levaram a tornar-se ministro (a razão as convocatórias), mas com a actualidade política e como Passos Coelho comenta a demissão do seu sucessor António Costa. Um comentário e uma opinião - negativas - que não deveriam surpreender ninguém, considerando as circunstâncias como António Costa substituiu o mesmo Passos Coelho no cargo em Novembro de 2015, há oito anos. Mas as buzzwords «indecente e má figura» ressoaram por toda a tarde e noite informativas, como se elas tivessem sido proferidas por alguém suficientemente distanciado da luta política e dispondo de um qualquer ascendente moral sobre os demais actores políticos.
O que é ridículo. Porque entre os vários aspectos da conduta passada de Passos Coelho que nunca lhe pediram as devidas contas, um episódio injustamente esquecido, está o apoio que ele dispensou em Julho de 2017 à candidatura a Loures de André Ventura (recorde-se o vídeo acima). Um apoio tanto mais significativo quando, recorde-se, por causa do conteúdo racista e xenófobo dos discursos de André Ventura, o CDS se decidiu a retirar-lhe o seu apoio, enquanto Passos Coelho manteve o apoio do seu partido, saindo mesmo em defesa do candidato, como mais abaixo se recorda. O episódio tem seis anos, mas nunca mais ouvimos falar dele, tanto mais que a evolução política - o crescimento do Chega e as folestrias de André Ventura como seu dirigente - torna aquele casamento de conveniência progressivamente mais embaraçoso para Passos Coelho e para o PSD há medida que o tempo passa. Ali tivemos outro momento de «indecente e má figura», neste caso protagonizado pelo próprio Pedro Passos Coelho. A comparar com a atitude que então tomou, Passos Coelho pode, mas não me parece ter muita moral para se pronunciar sobre «indecentes e más figuras» de outros. Tanto mais quando percebemos que André Ventura só não aproveitará ironicamente todos os elogios que Passos Coelho lhe atribui no vídeo acima para a próxima campanha eleitoral do Chega, se não quiser...
PS: É pertinente reiterar que a figura de António Costa em todo o processo que o levou a demitir-se, podendo não ser «indecente e má», deixa bastante a desejar.

A OPERAÇÃO CORVO - RELEMBRAR QUE OS PAÍSES BAIXOS TAMBÉM TRAVARAM A SUA GUERRA COLONIAL

(Republicação)
20 de Dezembro de 1948. Dá-se por concluída a primeira fase da Operação Corvo (Operatie Kraai, no holandês original) com a captura da cidade de Jogjacarta, que fora até aí a capital dos nacionalistas indonésios. Contudo, convirá explicar que circunstâncias haviam conduzido os holandeses a confrontarem-se com uma típica guerra colonial (koloniale oorlog) na sua colónia das Ilhas Orientais nesses anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial. Como os franceses na Indochina e como os britânicos na Malásia, os holandeses haviam também recuperado o seu estatuto de potência colonial a partir do Outono de 1945, embora com uma situação política substancialmente modificada por quatro anos de ocupação japonesa. Durante esse período, os japoneses haviam feito o possível por exacerbar as ambições nacionalistas locais, embora em seu proveito. No seu regresso, os europeus depararam-se com uma infraestrutura administrativa, política e militar instalada que lhes disputava a legitimidade colonial.
As situações descambaram repetidas vezes para a confrontação aberta, embora outras vezes fosse dissimulada. O caso concreto das Índias Orientais holandesas pode ser apreciado pelo mapa de situação reportado a 1 de Dezembro de 1948, onde se percebe coexistirem regiões que eram controladas pelos nacionalistas (assinaladas a vermelho) com outras controladas - a títulos diversos - pelas autoridades coloniais holandesas (diversos tons de azul). Na ilha de Java, a mais importante do arquipélago e onde viviam 48 dos seus 75 milhões de habitantes (64% do total), essa coabitação era ainda mais complexa, com as áreas sob as duas tutelas a serem separadas por uma designada Linha Van Mook, uma linha de cessar fogo que fora estabelecida em Janeiro de 1948 na sequência de um acordo que fora firmado para substituir um outro assinado em Novembro de 1946... Ou seja, os acordos encadeavam-se mas a situação política não estabilizava porque aquilo que as duas partes procuravam era fundamentalmente contraditório.
Em Dezembro de 1948 os holandeses consideravam que se estava novamente numa situação de impasse e foi para o romper que decidiram desencadear esta Operação Corvo. Do ponto de vista militar a sua superioridade era flagrante. Esta primeira fase da operação consistiu num lançamento surpresa de paraquedistas sobre Jogjacarta, a capital nacionalista, capturando o seu aeródromo. Foi um completo sucesso táctico. Mas, se os militares dos dois lados reagiram como previsto (i.e., os holandeses ocupando os locais estratégicos da cidade e os indonésios dispersando pela áreas rurais depois de uma defesa honrada, mas fundamentalmente simbólica), os membros do governo nacionalista (na fotografia mais abaixo e da esquerda para a direita, o vice-presidente Hatta, o presidente Sukarno e o primeiro-ministro Sjahrir), trouxeram uma perspectiva política ao conflito com o gesto de se deixarem capturar pelos soldados holandeses. Contavam com o efeito perverso que a ofensiva militar teria junto dos norte-americanos. E tiveram razão!
Recorde-se que em 1948, através do Plano Marshall, os Estados Unidos eram o financiador da recuperação económica de todos os países da Europa ocidental. Bastava que ameaçassem a suspensão das ajudas para que os países europeus vergassem e os Países Baixos não foram neste caso excepção. Às vitórias tácticas dos holandeses no campo militar sobrepôs-se a vitória estratégica dos indonésios no campo político. Assinou-se mais um acordo(!) em Maio de 1949 e a verdadeira independência da Indonésia ocorreu no final desse ano, mas só depois de uma conferência em Haia que durou mais de dois meses. Uma última herança possível de toda esta operação é que ela terá despertado algum interesse entre os militares indonésios por operações aerotransportadas: quando foi a sua vez de desencadearem uma operação muito similar - a Operação Seroja em 1975 - também os seus paraquedistas se lançaram sobre o aeroporto de Dili, para conquistar a cidade...

O ASSASSINATO DE CARRERO BLANCO

(Republicação)

20 de Dezembro de 1973. Excluindo a proximidade do Natal, teria sido uma quinta-feira como tantas outras em Madrid, não tivesse sido a brutal explosão ocorrida na discreta rua Claudio Coello (um pintor espanhol do século XVII de ascendência portuguesa). A explosão, que ocorreu por volta das 9H30 da manhã, foi subterrânea e deu-se precisamente à passagem de um automóvel, um Dodge 3700 GT, uma daquelas banheiras de concepção americana (mas, no caso, de construção espanhola), uma sorvedora de combustível, que a crise do petróleo desencadeada pela OPEP naquele Outono tornaria subitamente obsoleta. A explosão foi tão violenta que elevou os 1.600 kg do Dodge 3700 GT com os seus três ocupantes mais acima do que os quatro andares do prédio fronteiriço, fazendo com que a viatura rodasse por cima do telhado, vindo a cair na varanda das suas traseiras. Dentro do automóvel jaziam moribundos o presidente do governo espanhol, o almirante Luis Carrero Blanco, o seu motorista e, já morto, o polícia que estaria encarregado da sua segurança próxima. A organização terrorista basca ETA não tardou a reivindicar o atentado.

19 dezembro 2023

A ESTREIA DE «A TEMPESTADE» DE TCHAIKOVSKY

19 de Dezembro de 1873. Estreia de «A Tempestade» de Tchaikovsky, um poema sinfónico baseado na peça homónima de Shakespeare. De notar que, apesar de São Petersburgo ser então a capital da Rússia, a estreia teve lugar em Moscovo, que continuava a ser uma cidade culturalmente proeminente, onde, aliás, Tchaikovsky leccionava no conservatório. O maestro da estreia foi Nikolai Rubinstein. O da versão acima foi Claudio Abbado e data de 2008.

18 dezembro 2023

O NOVO GOVERNO

A última vez que aqui havia assinalado uma efeméride centenária foi a 10 de Novembro. E não se tratou de uma grande efeméride. Mas foi uma grande asneira jornalística, a acompanhar um atribulado dia político, em que se antecipava um novo elenco governativo que seria dirigido pelo senador Catanho de Meneses. Cinco dias depois, aparecia um novo governo, mas que era encabeçado por Ginestal Machado que se notabilizara nesse mesmo dia 10 de Novembro por ter andado em bolandas, de Lisboa para o Porto e do Porto para Lisboa! O que nos interessa agora é que, empossado a 15 de Novembro, esse governo de Ginestal Machado estava a ser substituído por outro, dirigido por Álvaro de Castro, pouco mais de um mês depois, a 18 de Dezembro de 1923, há precisamente cem anos. Era uma vida política muito dinâmica, embora o presidente de então, Manuel Teixeira Gomes, estivesse muito longe de mostrar o frenesim - e os pelourinhos - como Marcelo Rebelo de Sousa. Este governo, que há cem anos tomava posse, iria ser um caso sério de longevidade, durando 201 dias, até ao princípio do Verão de 1924!

17 dezembro 2023

SÓ MESMO JOSÉ SÓCRATES É QUE NUNCA MAIS VAI A JULGAMENTO...

Depois de dois anos e meio de julgamento, foi notícia discreta deste Sábado a condenação a cinco anos e meio de prisão do cardeal Ângelo Becciu. O anúncio foi feito pelo Vaticano, o Estado sob a jurisdição na qual decorreu o julgamento. As acusações, como se pode ouvir no vídeo acima de 2021, foram de peculato, abuso de poder e suborno (de testemunhas). O dia de fim de semana que foi escolhido para anunciar as sentença do julgamento são indício que o próprio Vaticano não lhes quer conferir grande repercussão mediática, mas a condenação a uma pena de prisão efectiva de uma figura de tal destaque na hierarquia eclesiástica - cardeal e arcebispo - é qualquer coisa de inusitado. Só no ministério público português é que se anda há nove anos a conseguir levar José Sócrates a tribunal...  

VOCÊ JÁ REPAROU QUE, NA NOTÍCIA ABAIXO, NÃO NOS DIZEM «QUANDO» É QUE AQUILO ACONTECEU?

É dos manuais do jornalismo que toda a notícia bem feita tem que responder a um conjunto de perguntas; Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Porquê? Ora, no caso desta notícia acima, que nos conta que os soldados israelitas terão morto três dos próprios reféns e cujo resgate é uma das razões da operação que estão a desenvolver em Gaza há dois meses, por muito que eu já tenha consultado até as notícias originais oriundas de Israel, em lado algum é especificado quando é que esse infeliz incidente teve lugar. Pelo que se pode ler, embora todas as outras questões apareçam respondidas, não é límpido concluir se o que nos é narrado acabou de acontecer ou se, pelo contrário, teve lugar já há vários dias. O quando é importante para tirar as dúvidas se houve uma admissão espontânea do erro por parte da IDF ou se se terá tratado de uma fuga (controlada e cirúrgica) de informação por parte de sectores mais moderados da política israelita. A ideia mais plausível que atribuímos a estes últimos seria a de refrear a facção dos hardliners capitaneada pelo primeiro-ministro Netanyahu. Uma outra hipótese para que a notícia da morte involuntária dos reféns tivesse sido libertada com um timing seleccionado, associa-se às notícias do reatar das negociações para a libertação de outros reféns detidos pelo Hamas. Enfim, qualquer destas hipóteses enfatiza o facto de os israelitas não se comportarem em uníssono, como um bloco - como o mesmo acontecerá também do lado dos palestinianos. Só que estas construções, para além de necessariamente especulativas por tentarem perceber os assuntos por detrás do fumo da propaganda de guerra, têm o inconveniente para o jornalismo mais apelativo, de nos estragar a clareza maniqueísta dos acontecimentos: quem são os bons - e esses têm sempre razão - e quem são os maus.

UMA PROEZA TÉCNICA, MAS SOBRETUDO UMA PROEZA PROMOCIONAL

17 de Dezembro de 1903. Primeiro voo do aparelho dos irmãos Wright. Trata-se de uma proeza técnica mas foi também, sobretudo, uma proeza promocional, porque sendo contemporânea de uma data de outras pesquisas sobre a mesma tecnologia, conseguiu superá-las em notoriedade. Alguns trabalhos de outros concorrentes ainda recebem reconhecimento por força da promoção dos seus países de origem, casos do alemão Otto Lilientahl, do francês Clément Ader ou do brasileiro Santos Dumont. Em contraste, quase ninguém terá ouvido falar do russo Alexander Mozhayskiy ou do neozelandês Richard Pearse. A verdade é que não havia nenhuma vantagem tecnológica substantiva de algum país sobre os outros e, ao começar a Grande Guerra, no Verão de 1914, pouco mais de dez anos depois deste voo dito histórico, todas as potências dispunham de uma, ainda que incipiente, aeronáutica militar que registou um desenvolvimento espectacular ao longo e por causa do conflito.

16 dezembro 2023

UMA HISTÓRIA INVEROSÍMIL

Oriunda de Xangai, mas publicada por uma agência noticiosa americana há 90 anos, esta história do antigo general que se tornou engraxador não teria quaisquer condições hoje de ser aceite no circuito noticioso internacional. Não é que não se continuem a difundir as mentiras mais inverosímeis e que continue a haver quem acredite nessas mentiras, por muito que sejam desmentidas pelos factos, mas este género de mentiras com um fundo moral a estruturá-las, como acontece abaixo, essas mentiras parecem reservadas para os filmes infantis.

OPERAÇÃO RAPOSA DO DESERTO

(Republicação)
16 de Dezembro de 1998. Sete anos passados sobre a Guerra do Golfo de 1991 tornara-se perceptível que a situação política alcançada na região, com a permanência de Saddam Hussein ainda à frente dos destinos do Iraque, fora uma solução ainda instável. Saddam Hussein sempre se mostrou um vencido muito pouco convencido. E a relação entre os iraquianos e as autoridades da ONU, encarregues de monitorizar os programas de desarmamento e de bom comportamento, a que os iraquianos se haviam originalmente comprometido por ocasião da derrota, essa relação tornara-se disfuncional. Foi tomando por pretexto mais um encadeado de incidentes, que os Estados Unidos (com o seu aliado britânico) desencadearam há precisamente 25 anos uma operação a que deram o nome de Desert Fox. Tratou-se de mais uma série de bombardeamentos a objectivos militares iraquianos que, desta vez, se iriam prolongar por quatro dias (16-19 Dezembro). Como seria de esperar, no fim, a operação foi considerada um sucesso pelos promotores, mas, tal como também seria de esperar, a comunicação social não tinha condições de fazer uma avaliação independente sobre o assunto - limitava-se a transmitir as tão apreciadas imagens dos bombardeamentos nocturnos de Bagdade (acima), um verdadeiro espectáculo de fogo de artificio que saía muito bem nas televisões! Por coincidência (ou talvez não...) por aqueles dias decorriam em Washington os trabalhos da Câmara de Representantes a respeito do «impeachment» do presidente Bill Clinton por causa do Caso Lewinsky. As votações que o condenaram por perjúrio e obstrução à justiça tiveram lugar em 19 de Dezembro e houve quem tivesse memória para se lembrar da enorme coincidência de tudo o que estava a acontecer com o enredo do filme Wag the dog (Manobras na Casa Branca), que estreara no princípio daquele ano...

15 dezembro 2023

QUEM HAVERIA DE DIZER...

...que um dia havíamos de vir a ver republicanos americanos e comunistas portugueses perfeitamente de acordo quanto a uma questão magna de política internacional?... Ainda por cima, quando o assunto que os associa envolve a Rússia. O cartoon é da autoria de Bill Bramhall. A alusão é à famosa fotografia do içar da bandeira em Iwo Jima em 1945, só que esta bandeira é branca, a bandeira da rendição. G.O.P. são as siglas como o partido republicano costuma ser designado.

SOBRE A DESCOBERTA TARDIA DA OBTUSIDADE DE PEDRO SILVA PEREIRA

A jornalista Ana Sá Lopes dedicou a primeira parte da sua newsletter de ontem a contar-nos um episódio que lhe ocorreu em 2004, envolvendo Pedro Silva Pereira. A forma como o episódio está escrito não deixa dúvidas quanto ao muito fraco conceito em que a jornalista tem o político: um obtuso que «não percebera nenhuma das coisas». É sempre educativo conhecer estes episódios, só é pena conhecê-los quase 20 anos depois de terem ocorrido. A opinião de Ana Sá Lopes - e, como a própria invoca, neste caso estamos e estávamos a tratar de textos de opinião - a sua opinião teria tido todo um outro relevo político entre 2005 e 2011, quando Pedro Silva Pereira foi ministro da Presidência dos dois governos de José Sócrates... Claro que as coisas que Ana Sá Lopes escreve nos dias que correm são para ser tomadas cum grano salis, mas também é verdade que há 20 anos éramos todos mais ingénuos e levaríamos com outra seriedade que a opinião secreta de Ana Sá Lopes era que este homem de mão de José Sócrates era um idiota chapado... A atentar à sua carreira política depois da queda de José Sócrates é muito possível que Ana Sá Lopes não fosse a única a ter essa opinião. Mas os jornalistas é que andam por aí para nos darem a sua opinião. Ou não?...

A ORELHA CORTADA DE JOHN PAUL GETTY III

(Republicação)
15 de Dezembro de 1973. John Paul Getty III (1956-2011) era, não só um adolescente endiabrado, mas sobretudo o neto de um daqueles multimilionários norte-americanos, o original Jean Paul Getty (1892-1976). Na madrugada de 10 de Julho de 1973 ele fora raptado em Roma por um grupo de mafiosos da máfia calabresa (a 'Ndrangheta) que exigiram um resgate de 17 milhões de dólares pela sua libertação. Seguiu-se um período de porfiadas negociações entre os raptores e um avô que, apesar de rico, se mostrou particularmente pouco empenhado na conclusão do negócio nas condições impostas pelos raptores. Tanto assim que as negociações se arrastaram por meses. Em Novembro e em desespero de causa e perante a avareza - que era proverbial! - do patriarca dos Getty, os raptores trouxeram o caso descaradamente para os holofotes da opinião pública, enviando uma das orelhas em embrulho postal para um jornal italiano. O gesto provocou ondas de choque mas o recado não podia ser mais claro: o refém arriscava-se a ser resgatado... mas aos bocados (como acontece abaixo com os Dalton...). E isso iria ser um desgaste horrível em termos de relações públicas para a Getty Oil. Há precisamente 44 anos, a notícia do dia era que o resto de John Paul Getty III fora libertado. A quantia acordada fora de 2,9 milhões de dólares, soube-se depois. O avô entrara com tudo, mas só suportara 2,2 milhões, o máximo que era fiscalmente dedutível, e o pai (Getty II) ficara responsável por reembolsar o avô dos 700 mil da diferença, que venceriam juros a 4% ao ano. Quando o ex-refém foi instruído pela mãe a telefonar ao avô para lhe agradecer, este não o quis atender. Mas, mais do que a miséria moral, o que as redacções de há 50 anos procuravam eram mesmo as imagens acima de um John Paul Getty III com a falta da orelha...

14 dezembro 2023

COMO É EVIDENTE...

É evidente o modo como, por conveniência dos protagonistas PS e PSD, se está a tentar fazer um spin-off distorcido das principais declarações da entrevista escrita que Rui Rio deu hoje ao Jornal de Notícias. A ideia tem sido, à direita, acusar Rio de se estar a aliar a António Costa com estas declarações; à esquerda, há um silêncio cúmplice, como se a opinião de Rui Rio fosse uma novidade. E, no entanto, basta uma viagem ao passado, até Setembro de 2018, para constatar acima a forma distinta como foi comentada então a escolha e nomeação da hoje tão criticada Lucília Gago, seja pelo próprio Rui Rio, seja por António Costa. Acresce a isso, nos anos que se seguiram e para os mais desmemoriados, a insistência recorrente de Rui Rio na reforma da justiça (2021) perante a passividade inerte e o «empurrar com a barriga» que caracterizou nestes últimos anos a governação de António Costa. Foi só agora que o primeiro-ministro deu por que o MP «faz o que quer e como quer»? Foi preciso que tivesse acontecido consigo para se dar conta? É o género de obtusidade que não fica bem num primeiro-ministro que nos governa a todos e, sendo assim, oh pá, azar... Mas, num último registo, que fique claro que foi António Costa que descobriu que Rui Rio afinal tinha razão, não o contrário. Como é evidente.