30 março 2021

TINTIN E O CANAL DO SUEZ

Em toda esta questão do entupimento do Canal do Suez por quase uma semana, em que, como de costume, houve um empolamento disparatamente alarmista das suas consequências (veja-se este exemplo: «o bloqueio do Canal do Suez em números impressionantes»), deparei-me com a omissão (demasiado repetitiva para ser casual) do facto de que o Canal do Suez esteve encerrado durante oito anos (1967-1975) sem que, por esse facto, o crescimento da economia mundial tivesse sido substancialmente afectado. Na realidade, depois do desfecho da Guerra dos Seis Dias (Junho de 1967), o Canal do Suez passou a ser a fronteira de facto entre as posições militares conquistadas pelos israelitas (incluindo a península do Sinai) e as posições militares egípcias. Por causa disso, a navegação foi interrompida. Seis anos depois, a mesma zona do Canal tornou a ser palco de batalhas entre egípcios e israelitas, durante a Guerra do Yom Kippur em Outubro de 1973. E foi aliás no seguimento desta última guerra que se deu o choque petrolífero, provocado pelo embargo ao fornecimento de petróleo por parte dos produtores árabes àqueles países que haviam apoiado Israel no conflito, a começar pelos Estados Unidos. Isso sim, o embargo e o consequente aumento dos preços do petróleo é que veio perturbar significativamente os ritmos de crescimento das economias ocidentais. A reabertura do Canal do Suez, depois de desminado, teve lugar em Junho de 1975. Contudo, assim como o encerramento não contribuíra para a desaceleração do ritmo do crescimento económico das economias desenvolvidas do Ocidente, também esta reabertura não contribuiu para a recuperação do ritmo do crescimento económico mundial, que haviam entrado em crise por causa do aumento brusco dos preços do petróleo. Tudo isto podia e devia ter sido contado pela comunicação social, pelo menos em complemento ao alarmismo de apregoarem que estavam 400 navios à espera de passagem ou então que 600 mil barris de petróleo atravessavam o canal todos os dias (qualquer superpetroleiro transporta muito mais do que isso e esses não cabem no Canal, tendo de seguir pela rota do Cabo...). Mas vale a pena terminar mais esta prova de mediocridade da nossa comunicação social, enfatizando a banalidade como era aceite o encerramento do Canal do Suez, na alteração da primeira página da aventura de Tintin, Os Charutos do Faraó. Repare-se que na versão publicada em 1970 (acima, ao centro, e que foi aquela com que conheci pela primeira vez a história), o mapa da viagem de Tintin é diferente das versões anterior (1955) e posterior (1987), muito embora o discurso de Tintin não se altere, continuando a referir-se aos portos asiáticos que iriam escalar. Ou seja, enquanto o esteve, o encerramento do Canal do Suez era apenas um pormenor a merecer um retoque numa história juvenil.

1 comentário:

  1. Agradeço a sugestão de leitura endereçada por um comentador, apontando para um outro texto que foi publicado recentemente a este mesmo respeito.

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