31 dezembro 2014

OPERAÇÃO «PEGA DE CERNELHA»

É um cepticismo político muito acentuado que me leva a duvidar da coincidência da visita do primeiro-ministro aos serviços de urgência do hospital da sua área de residência (Amadora-Sintra), acompanhando um familiar próximo (nunca especificado) no dia de Natal. Para quem conhecesse o problema que se vive naquele hospital (desde Novembro), a situação anunciava-se (mais do que) previsível, e há também o pormenor não negligenciável de que a visita do tal familiar se revelou inútil porque o doente que o primeiro-ministro acompanhava acabou por ser referenciado para o serviço de urgência básica da zona onde mora. Por outras palavras, menos caridosas mas mais objectivas, o familiar de Pedro Passos Coelho foi, como muitos outros, para o hospital entupir desnecessariamente a urgência, porque aquilo de que se queixaria dispensava intervenção hospitalar. Mas a presença de tão excelso acompanhante do doente, submetido aos mesmos tratos de polé da plebe, revelar-se-á muito útil para a imagem de um primeiro-ministro conhecido por ter reduzido cegamente tudo aquilo que é a actividade assistencial do estado – e preservando simultaneamente um amplo leque de outros encargos do Estado. É que transmitir a imagem de o ter a passar pelas mesmas agruras da maioria dos portugueses é muito bem capaz de nos despertar o grau de empatia suficiente para que não se lhe peça satisfações pelos resultados das suas decisões, antes considerando-o mais uma das vítimas das políticas cuja responsabilidade parece que nos querem fazer esquecer que é sua, como chefe do governo. É como pôr o primeiro-ministro a evitar pegar o touro pelos cornos, para o pegar de cernelha; o touro é, obviamente, essa besta também conhecida por opinião pública, e as boas agências de comunicação existem precisamente para aconselhar os políticos como não a confrontar.

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