
Medido pela importância das salvas de canhão, o soberano de Caxemira tinha direito a 19, embora, quando se considerava que ele também era monarca de Jammu, tivesse direito às 21 da tabela máxima! Explique-se um pouco mais esta classificação artilheira, já aqui tanto falada: ia desde um máximo de 101 salvas, apenas conferido ao Rei Imperador (o monarca britânico) enquanto o máximo para os príncipes locais era de 21, depois a hierarquia estabelecia-se em números ímpares: 19, 17, 15, 13, 11, 9, até um mínimo de 3… Contudo o mínimo socialmente significativo era a categoria de 9 salvas.

Contudo, do ponto de vista formal, o destino de Caxemira quando da Independência e da Partição dependeria não das ambições dos líderes da Liga Muçulmana (ou do Partido do Congresso) mas da decisão do Maharaja Hari Singh (abaixo). Como acontecia em Jodhpur, Caxemira localizava-se numa zona que seria a fronteira entre a Índia e o Paquistão: podia optar. Como acontecia com Travancore, situava-se num dos extremos do subcontinente com a hipótese de se tornar independente deles dois. E tal qual se passava em Hyderabad, tinha dimensão suficiente para evadir às pressões a que o sujeitassem.

Na perspectiva paquistanesa, depois de 15 de Agosto, a comunidade muçulmana de Caxemira estava a ser perseguida e expulsa do território e esse facto serviu de pretexto para que alguns chefes proclamassem a formação de um governo no exílio de uma Caxemira Livre (Azad Kashmir – bandeira abaixo). Para expandir a autoridade desse governo no terreno o Paquistão veio a servir-se de voluntários (mujahideens) pashtunes da província paquistanesa vizinha do Afeganistão (NWFP). E à medida que essas forças de voluntários progrediam no terreno a tensão subia cada vez mais.

A intervenção indiana teve um preço: a assinatura do Acto de Adesão à Índia por parte de Hari Singh em 27 de Outubro de 1947. O conflito depressa perdeu aquela faceta inicial de faz-de-conta e caminhou para a uma fase do embate directo e assumido entre os exércitos indiano e paquistanês (abaixo). Entre Outubro de 1947 e 31 de Dezembro de 1948 a frente de batalha teve diversas configurações (a evolução pode ser acompanhada aqui). A que existia no último dia de 1948 passou a ser a fronteira na prática entre os dois países e a partir daí veio a ser designada pela sigla LOC (Line of Control).

Mas, para além dos argumentos de ordem estratégica que costumam ser invocados para justificar o valor que os dois lados atribuem ao controle de Caxemira, há que reconhecer como é difícil atingir-se um consenso: para os paquistaneses, a pertença de Caxemira ao seu país é uma evidência, exemplificada no nome que o país adoptou; para a facção moderada dos indianos, a existência de um Estado maioritariamente muçulmano como Caxemira é a demonstração que a Partição foi um erro e que a ideia de Índia era muito mais vasta do que a de um Estado fundamentalmente para os hindus…
(Continua)
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