14 dezembro 2008

OS ESTADOS PRINCIPESCOS DA ÍNDIA – 6

Era uma fatalidade que a Adesão de Hyderabad, já mencionado atrás como o maior dos Estados Principescos com 214.000 km² e mais de 16 milhões de habitantes (e 21 salvas de canhão!), viesse a causar problemas. Por um lado porque era um daqueles casos em que a religião do monarca (designado por Nizam) não coincidia com a da maioria da população; por outro, porque a própria dimensão do Estado lhe conferiria uma massa crítica que o tornava muito menos permissivo às pressões e outros golpes baixos que o Congresso veio a utilizar nas circunstâncias descritas anteriormente.

O Estado de Hyderabad poderá ser descrito como foi o de Bhopal, só que numa escala 10 a 20 vezes superior. Um monarca muçulmano auxiliado por uma classe dirigente também muçulmana e urbana (estimada em 10,6% da população total) dirigiam um Estado predominantemente povoado por hindus, que se localizava nas regiões centrais da Índia, sem saída para o mar. E mesmo antes da Independência já se antecipava que todas as regiões que lhe eram adjacentes, de forma directa ou por assinatura da Adesão iriam pertencer à Índia. Contudo, o Nizam deixou passar a data sem se pronunciar…
O Nizam Mir Usman Ali Khan (acima), que era o décimo sucessor de uma linhagem de Nizans que começara no Século XVIII, tinha então 61 anos e era um monarca experimentado – subira ao trono em 1911. A evolução dos acontecimentos fez com que abandonasse o seu objectivo inicial (a Adesão ao Paquistão) e se tornasse mais pragmático – Hyderabad não se juntaria a nenhum dos dois novos países, mas constituiria um Domínio autónomo com laços privilegiados com o Reino Unido. E para alcançar esse objectivo, o Nizam elaborou uma complexa manobra com duas vertentes – diplomática e militar.

De forma activa, o Nizam contratou aquele que seria provavelmente o melhor advogado britânico da época, Sir Walter Monckton (entre os clientes mais distintos de Monckton contava-se Eduardo VIII por ocasião da sua abdicação em 1936). Apesar da sua fama de forreta, neste caso o Nizam não se poupou a despesas e, nesta actividade diplomática junto do establishment britânico, também não se inibiu de cobrar favores que prestara no passado, como era o caso, por exemplo, da fragata Nizam da Marinha Australiana, que fora construída em 1940 e cuja construção fora paga parcialmente por si...
À época considerava-se que o Nizam detinha a maior fortuna do Mundo. Mas não era apenas a sua fortuna pessoal e sim a prosperidade do próprio Estado que financiava os seus meios de defesa. Essa era a outra vertente da manobra do Nizam: um Exército estadual que possuía 3 regimentos blindados e 1 regimento de cavalaria tradicional e 11 batalhões de infantaria, todos dotados de artilharia, num total que rondava os 22.000 efectivos*. Significativamente, 55% deles eram muçulmanos (muitos oriundos de outras regiões da Índia) e essa percentagem subia para 72% entre os quase 1.800 oficiais.

Tão importante quanto os meios de defesa, e desencorajando a utilização das pressões económicas por parte da Índia independente, Hyderabad era auto-suficiente em termos alimentares e era abastecedor das indústrias indianas em algodão, oleaginosas, carvão e cimento. Em troca, precisava de sal e produtos petrolíferos. E a manobra diplomática protagonizada por Sir Walter Monckton prosseguiu: quando pressionado pelo Vice-Rei, Lord Mountbatten, a aderir à Índia o advogado retorquia que o Nizam podia deixar a sua posição conciliadora – a independência – pela radical – aderir ao Paquistão!...
A verdade é que a localização de um Estado de Hyderabad independente mesmo no seu centro (como se pode observar - a amarelo - no mapa acima) era um verdadeiro entrave para a Índia. Por outro lado o Estado também tinha os seus pontos fracos. Alguns nem ao próprio Congresso interessava explorar – a delegação local do partido chamava-se Hyderabad State Congress e fora fundada em 1938. Era o caso da heterogeneidade cultural da maioria popular hindu: nos 16 distritos que compunham o Estado o telugu era o idioma maioritário em 8 deles, o marathi em 5 e o kannada em 3.

Havia um outro ponto fraco que, não o podendo explorar, outros o podiam explorar pelo Congresso: a extrema desigualdade da distribuição das terras (só o Nizam possuía 10% de todas elas!). O agente de pressão nesse caso foram os comunistas do CPI** e uma reforma agrária armada que eles desencadearam baseados na experiência maoista contemporânea da China e em que a grande maioria dos proprietários desapropriados eram muçulmanos. A comunidade muçulmana reagiu com o total apoio do governo do Estado, armou-se e formou milícias (abaixo) designadas pelo nome de Razakars.
A conjugação de todos estes acontecimentos fazia com que o tempo passasse, a situação de Hyderabad permanecesse num impasse mas sem que o clima social se acalmasse. Em Junho de 1948, 10 meses depois da Independência, Lord Mountbatten abandonou o cargo de Governador-Geral da Índia escrevendo uma exortação ao Nizam para que ele se decidisse a assinar a Adesão à Índia. E o clima de instabilidade que se instalara continuava a assegurar um duplo fluxo contínuo de refugiados – hindus a abandonar Hyderabad e muçulmanos das regiões vizinhas a ali se refugiarem.

Se a exortação de Mountbatten caiu em ouvidos surdos, a sua saída de cena deixou os indianos, a começar por Vallabhbhai Patel, mais à vontade para o que, na perspectiva deles, tinha que ser feito... A ampla manobra diplomática do Nizam acabara por falhar, os antigos amigos não lhe haviam dado cobertura, o máximo que ele conseguira fora um acordo para a preservação da situação vigente à data da retirada britânica (Standstill Agreement), que fora assinado em Novembro de 1947, mas, para os indianos, esse estatuto excepcional para o Hyderabad não se podia continuar a perpetuar.
O pretexto invocado foi a dificuldade que as autoridades indianas estavam em lidar com o progressivo fluxo de refugiados que estavam a fugir de Hyderabad para a Índia, pretexto destinado a ter uma repetição muito mais conhecida dali a 23 anos***. Em 13 de Setembro de 1948, 13 meses depois da Partição, as unidades militares indianas invadiram Hyderabad, numa acção baptizada Operação Polo. Dia 17 à noite, o Nizam anunciou por um discurso na rádio a sua rendição. Significativamente, apesar do idioma do Estado de Hyderabad ser o urdu, quem o escreveu para o Nizam, fê-lo para que ele o lesse em inglês…
(Continua)

* Para comparação, refira-se que os efectivos portugueses presentes em Goa, Damão e Diu em Dezembro de 1961 não chegavam a 4.000.
** Partido Comunista Indiano.
*** Voltará a ser invocado por ocasião da Terceira Guerra Indo-Paquistanesa e de libertação do Bangladesh (Dezembro de 1971).

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