No seguimento dos recentes acontecimentos de Bombaim, vale a pena ir ao passado retirar algumas pequenas histórias e ensinamentos sobre a questão da comunidade muçulmana da Índia que poderá ter desencadeado aqueles acontecimentos. Claro que o momento marcante da Índia moderna (e aqui entenda-se a designação no sentido amplo do subcontinente) é o da Independência e Partição de 15 de Agosto de 1947, quando o Império, construído sob a égide britânica, alcançou a independência ao mesmo tempo que se dividia em duas grandes nações: a Índia e o Paquistão.
A questão da Partição irá permanecer para sempre controversa. Depois da leitura de alguns livros sobre o tema, parece-me que se podem sistematizar as acusações para o acontecido em três categorias distintas: a de que os dirigentes do Partido do Congresso (especialmente Gandhi) subestimaram por tempo demasiado as pretensões de Jinnah e da Liga Muçulmana; a de que Jinnah se veio a revelar um tal obcecado com o poder que inviabilizou a obtenção de um acordo entre as duas comunidades; a de que os britânicos se aproveitaram cinicamente das rivalidades para melhorarem a sua posição negocial.
A questão da Partição irá permanecer para sempre controversa. Depois da leitura de alguns livros sobre o tema, parece-me que se podem sistematizar as acusações para o acontecido em três categorias distintas: a de que os dirigentes do Partido do Congresso (especialmente Gandhi) subestimaram por tempo demasiado as pretensões de Jinnah e da Liga Muçulmana; a de que Jinnah se veio a revelar um tal obcecado com o poder que inviabilizou a obtenção de um acordo entre as duas comunidades; a de que os britânicos se aproveitaram cinicamente das rivalidades para melhorarem a sua posição negocial.
Provavelmente haverá fundamento em todas as três acusações… Mas o que nos poderá interessar agora foi um argumento usado pelo Congresso contra a Liga por altura da Partição: a de que a constituição do Paquistão só resolveria parcialmente o problema que a Liga invocava: quase 30% dos 115 milhões de muçulmanos com que o Império então contava (em 1947) continuariam a viver em regiões que viriam a fazer parte da nova Índia independente… Mas esse será o paradoxo da Partição que é mais conhecido; o outro, o dos Estados principescos é-o menos, por isso vale a pena falar dele.
Uma parcela (30% do território e 24% da população) do Império das Índias não pertencia verdadeiramente aos britânicos sendo administrada indirectamente pelos seus representantes administrativos. Denominados em conjunto por Princely States of India (Estados Principescos da Índia), a primeira curiosidade a seu respeito é a da sua quantificação: é que as fontes não se entendem sobre quantos havia… O número que costuma ser mais usado é 565, mas há quem refira 521 ou 641, há outras fontes que se mostram cuidadosamente imprecisas, e a precaução manda-nos utilizar a notação 500+…
Havia a questão das características heterogéneas desses Estados Principescos, desde o maior, que era Hyderabad (no centro do mapa acima), que representaria, quer em área (214.000 km²), quer em população (16 milhões de habitantes), um pouco mais do dobro de Portugal, até aos mais pequenos, que eram típicas grandes propriedades latifundiárias de algumas centenas de hectares e uns escassos milhares de habitantes que, por um qualquer erro histórico, haviam ficado com o atributo da soberania. Mas, com mais potencial para tratamento jornalístico do que os estados, eram os próprios Príncipes…
Claro que em 500+ príncipes havia imensas possibilidades para monarcas excêntricos. Em Esta Noite a Liberdade, Lapierre e Collins, dedicaram todo um capítulo (Os elefantes, os Rolls e os Maharajas) às idiossincrasias de alguns dos monarcas mais castiços do Raj. Mas não havia necessidade… Mesmo no protocolo estabelecido pelos próprios britânicos existia um sistema, tão exótico quanto ridículo, de os hierarquizar pelo número de salvas de canhão a que tinham direito quando de uma cerimónia, desde as 21 devidas ao Nizam de Hyderabad ou ao Maharaja de Mysore até às 3 de um Nawab de Mija-na-escada…
Ora um dos paradoxos mais desconhecidos associados à Partição de 1947 é que, dado o estatuto de que gozavam sob tutela britânica, e respeitando escrupulosamente o ponto de vista do Direito Internacional, todos aqueles 500+ soberanos teriam direito a pronunciarem-se por ocasião da cessação dessa tutela: ou escolhiam que o seu Estado se integrasse na Índia, ou no Paquistão, ou então pela reaquisição da Independência. Em rigor, o Império correu o risco de desmoronar e o facto de esse risco ser hoje apenas uma nota é uma boa medida do sucesso dos esforços feitos para a integração dos Estados Principescos.
Mas, mesmo que o processo (designado por Accession – Adesão) tenha decorrido de uma forma excelente (com 99% de sucessos!) sempre restaram uma meia dúzia que decorreram de forma acidentada. Como seria de esperar, as excepções aconteceram precisamente entre os Estados Principescos de maior dimensão. Vale a pena contar a história dessas excepções, especialmente, como já acima referi e dada a oportunidade dos acontecimentos de Bombaim, a dos casos em que monarcas muçulmanos voluntariosos procuraram na época forçar a adesão dos seus Estados maioritariamente hindus ao Paquistão…
Uma parcela (30% do território e 24% da população) do Império das Índias não pertencia verdadeiramente aos britânicos sendo administrada indirectamente pelos seus representantes administrativos. Denominados em conjunto por Princely States of India (Estados Principescos da Índia), a primeira curiosidade a seu respeito é a da sua quantificação: é que as fontes não se entendem sobre quantos havia… O número que costuma ser mais usado é 565, mas há quem refira 521 ou 641, há outras fontes que se mostram cuidadosamente imprecisas, e a precaução manda-nos utilizar a notação 500+…
Havia a questão das características heterogéneas desses Estados Principescos, desde o maior, que era Hyderabad (no centro do mapa acima), que representaria, quer em área (214.000 km²), quer em população (16 milhões de habitantes), um pouco mais do dobro de Portugal, até aos mais pequenos, que eram típicas grandes propriedades latifundiárias de algumas centenas de hectares e uns escassos milhares de habitantes que, por um qualquer erro histórico, haviam ficado com o atributo da soberania. Mas, com mais potencial para tratamento jornalístico do que os estados, eram os próprios Príncipes…
Claro que em 500+ príncipes havia imensas possibilidades para monarcas excêntricos. Em Esta Noite a Liberdade, Lapierre e Collins, dedicaram todo um capítulo (Os elefantes, os Rolls e os Maharajas) às idiossincrasias de alguns dos monarcas mais castiços do Raj. Mas não havia necessidade… Mesmo no protocolo estabelecido pelos próprios britânicos existia um sistema, tão exótico quanto ridículo, de os hierarquizar pelo número de salvas de canhão a que tinham direito quando de uma cerimónia, desde as 21 devidas ao Nizam de Hyderabad ou ao Maharaja de Mysore até às 3 de um Nawab de Mija-na-escada…
Ora um dos paradoxos mais desconhecidos associados à Partição de 1947 é que, dado o estatuto de que gozavam sob tutela britânica, e respeitando escrupulosamente o ponto de vista do Direito Internacional, todos aqueles 500+ soberanos teriam direito a pronunciarem-se por ocasião da cessação dessa tutela: ou escolhiam que o seu Estado se integrasse na Índia, ou no Paquistão, ou então pela reaquisição da Independência. Em rigor, o Império correu o risco de desmoronar e o facto de esse risco ser hoje apenas uma nota é uma boa medida do sucesso dos esforços feitos para a integração dos Estados Principescos.
Mas, mesmo que o processo (designado por Accession – Adesão) tenha decorrido de uma forma excelente (com 99% de sucessos!) sempre restaram uma meia dúzia que decorreram de forma acidentada. Como seria de esperar, as excepções aconteceram precisamente entre os Estados Principescos de maior dimensão. Vale a pena contar a história dessas excepções, especialmente, como já acima referi e dada a oportunidade dos acontecimentos de Bombaim, a dos casos em que monarcas muçulmanos voluntariosos procuraram na época forçar a adesão dos seus Estados maioritariamente hindus ao Paquistão…
Lido
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