29 outubro 2008

A CRISE FINANCEIRA E OUTRAS HISTÓRIAS

Mais do que sobre a Crise propriamente dita, e sobre as ameaças surdas que incidem sobre várias instituições bancárias que continuamos a ignorar quais são, a cobertura noticiosa actual, mesmo a especializada em economia, tem-se dispersado e entretido com o comportamento de comboio de Montanha Russa que as cotações das acções nas Bolsas Mundiais têm assumido, que é sintetizado para conveniência interpretativa nos famosos índices: o Dow-Jones, o FTSE (tratado carinhosamente por footsie), o DAX, o CAC-40, o Nikkei ou o nosso PSI-20*.
Emblemático da descrição que dei, às 00H05 de hoje o Diário Económico noticiava que a Volkswagen se tornara na empresa mais valiosa do mundo (referia-se ao valor de capitalização bolsista) depois da Porsche ter anunciado a intenção de adquirir nela uma posição maioritária, e das suas acções se terem valorizado 93% em dois dias. No mesmo dia, às 09H10, o mesmo jornal vem noticiar que afinal a Porsche não quer comprar, mas sim vender acções da Volkswagen e que a cotação das acções perdera subitamente 46% do seu valor de abertura
O acontecimento tem todo o aspecto de uma daquelas operações de bolsa de uma transparência mais do que duvidosa, que se sabe que se fazem, mas que as autoridades nunca conseguem provar que se fizeram… É que é sempre impossível encontrar quem foram as fontes do boato que, neste caso, anunciaram que as intenções da Porsche eram diametralmente opostas às verdadeiras. Entretanto, a Porsche deve ter feito um excelente negócio se vendeu as suas acções da Volkswagen ao mesmo tempo que a sua cotação subia...

Como se constata por esta provável manobra, estas artimanhas espertas (e velhas como o mundo…) do capitalismo duro continuam por aí e, se for para o julgar através destes exemplos, até parece que ele está de boa saúde e se recomenda… O que convém que os jornais especializados façam é que sejam pedagógicos no que noticiam, distinguindo estas golpadas de Bolsa da verdadeira Crise financeira: o episódio das acções da Volkswagen foi, provavelmente, mais uma manobra sórdida da autoria de gente de aspecto respeitável…

* Respeitantes, respectivamente, às Bolsas de Nova Iorque, Londres, Franqueforte, Paris, Tóquio e Lisboa.

3 comentários:

  1. O que parece um pequeno, um simples episódio, exprime de facto e com justa intenção de António Teixeira, uma grande lição sobre a filosofia do mercado bolsista - é a minha impressão.

    O que não estou certo é de que estas artimanhas sejam "velhas como o mundo" já que o capitalismo, ele próprio, não é assim tão velho... Embora dê sinais de decrepitude.

    Chamar a isto "uma manobra sórdida da autoria de gente de aspecto respeitável…", já me parece de um rigor e alcance de facto respeitáveis.

    ResponderEliminar
  2. Permita-me então corrigir, António Marques Pinto, que estas artimanhas serão quase tão velhas quanto a História.

    Na minha opinião, desde a Antiguidade que os sistemas económicos tendem naturalmente a provocar uma distribuição assimétrica da riqueza. E para essa assimetria contribuem imensos factores, uns mais leais, uns mais desleais, incluindo o "engenho" destas golpadas. Ainda recentemente aqui falei duma, a do episódio da "South Sea Bubble" (http://herdeirodeaecio.blogspot.com/2008/10/bola-de-sabo-dos-mares-do-sul.html)

    Que normalmente se queira guardar a expressão capitalismo para o período da Revolução Industrial creio que será mais por conveniência política (o capitalismo será o "dragão" que o "São Jorge" do marxismo vem liquidar...) do que por uma questão de rigor histórico.

    ResponderEliminar