22 outubro 2008

OS CABEÇALHOS COM PORTUGAL NA CAUDA DA EUROPA

Uma boa notícia de jornal que envolva Portugal, quando em comparação com os outros países (nomeadamente europeus), tem que ter um conteúdo deprimente e colocar o nosso país nos últimos lugares das classificações. Uma que é hoje publicada no Diário de Notícias, assinada por Pérez Metelo, é típica:

Independentemente da pertinência da notícia (que a tem), vale a pena atentar na forma como a notícia está redigida: A desigualdade continua a aumentar em Portugal, afirma a OCDE, que atribuiu a 28.ª posição (em 30) a Portugal. Pelo contrário, México, Grécia e Reino Unido diminuíram o fosso.

Não se trata apenas do facto de vir-se a descobrir mais adiante que, lendo o documento citado, se chega à conclusão que afinal a desigualdade aumentou em 23 dos 30 países estudados. O exagero também tem a ver com os países que são utilizados para referência com Portugal. Tomemos o exemplo da Grécia, elogiada no relatório da OCDE.

O Diário de Notícias On-Line escolheu não a publicar, mas a Grécia ontem foi notícia por causa de uma Greve Geral de 24 horas convocada pelas duas principais confederações sindicais para protestar contra as políticas económicas governamentais, que consideram 'anti-sociais', do governo conservador.

Decifrando o jargão (que também está globalizado…), o governo conservador da Nova Democracia fez aprovar uma lei para reformar o sistema de pensões que se estava a tornar financeiramente insustentável. Talvez sintoma do quanto as opções de reforma eram limitadas, a oposição parlamentar socialista do PASOK absteve-se nessa votação.

Entre os mais animados grevistas contaram-se os cerca de 8.000 trabalhadores da companhia pública de aviação, a Olympic, que, com um passivo acumulado de dois mil milhões de euros*, é um colosso deficitário que há muito aguarda uma reestruturação que a viabilize sem a dependência dos subsídios do Estado.

A Grécia parece estar neste momento inoportuno a atravessar uma crise social por causa da resolução de problemas que em Portugal consideramos já ter ultrapassado, como o da reforma do sistema de pensões ou o do saneamento económico da transportadora aérea nacional. Mas esses são factos que parecem não interessar para notícia…

É verdade que as dificuldades por que a Grécia atravessa não melhoram a situação portuguesa. No entanto, também é verdade que conhecê-las nos ajuda a colocar os problemas que atravessamos numa perspectiva mais correcta. Evita que acreditemos piamente nesses bons cabeçalhos de imprensa só com notícias que colocam Portugal na cauda da Europa…

* Trata-se de um valor que, só por si, é equivalente a 10% do montante da linha de garantias para empréstimos interbancários recentemente assumido pelo Estado português. Uma reflexão para os partidos da esquerda que se assustaram com o montante do valor envolvido, ao mesmo tempo que desataram a gabar as virtudes das empresas nacionalizadas.

3 comentários:

  1. Tem razão quando diz que é verdade que as dificuldades por que a Grécia atravessa não melhoram a situação portuguesa.
    O mal dos outros nunca pode ser o nosso bem.
    Só que os cabeçalhos com Portugal na cauda da Europa não mentem e, permita-me o trocadilho, eu não creio que seja possível ver caudas com Portugal no cabeçalho da Europa.

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  2. Se os cabeçalhos com Portugal na cauda da Europa não mentem, também não se pode dizer que, normalmente, primem pela objectividade, veja-se o caso usado para exemplo.

    É que, se a notícia começa por afirmar que Portugal agrava distância entre ricos e pobres, ao contrário de três países onde isso não aconteceu (incluindo a Grécia), eu considero mais pertinente dar relevo ao facto de que esse fenómeno se verificou em 77% dos países observados.

    Vende "menos papel" e não se torna assunto de conversa para os pessimistas do "só neste país", mas é um facto cientificamente mais rigoroso, e enquadra melhor a situação portuguesa num Mundo onde infelizmente se acentuam as desigualdades sociais.

    Por outro lado, se a TAP estivesse agora na situação da Olympic ou da Alitália, tenho a certeza que pululariam por aí os comentários negativos a esse respeito. Como não está, pouco de negativo e nada de negativo se ouve a respeito disso. E isso é muito portuguesinho, muito invejoso, mas também muito injusto para quem mostra competência.

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  3. Concordo em absoluto com o teu comentário, A. Teixeira. É claro, preciso e conciso.

    :*

    Cristina Loureiro dos Santos

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