30 outubro 2008

QUANDO O TELEFONE TOCA…

Não sei quantos dos que me lerão, saberão e ainda se lembrarão de um programa de rádio que dava pelo nome de Quando o Telefone Toca… Tratava-se de um programa popular que recorria a duas peças de tecnologia que a partir do final da década de 60 (prolongando-se pelos anos 70 e 80), tinham chegado ao alcance das classes populares: um telefone (acima) e um transístor (abaixo) para ouvir rádio. E o formato do programa estava concebido para permitir que o ouvinte se ouvisse a si próprio como participante do programa!

De forma antecipada, porque o programa não era transmitido em directo, havia que ligar para um número de telefone, onde, antes de tudo, havia que dizer a frase, que não passava de um qualquer disparate promocional ao produto que patrocinava o programa (normalmente destinado aquele segmento), condição indispensável para que se pudesse pedir a canção e o intérprete e, numa maioria do casos, considerado o momento alto da participação, o pedinte pudesse dizer o seu nome para depois ser reconhecido pelos amigos e vizinhança!
Explicado o contexto, é fácil de perceber que, descontando os discos (muito ao gosto popular), o programa era até bastante monótono, com repetições sucessivas de diálogos muito semelhantes ao que aqui vou imaginar: – Boa Noite! Posso dizer a frase? – Pode. – Cosméticos Girl, beleza máxima, custo mínimo*. Posso pedir o disco? – Pode. – Era a Natércia Barreto e os Óculos de Sol. Posso dizer o nome? – Pode. – Ercília Gomes. Talvez para evitar maior monotonia, era regra do programa não deixar que repetissem as canções nem os intérpretes.

Pensava eu que este programa era o paradigma da espontaneidade popular, até que um alegado episódio, ocorrido nos princípios da década de 80, entre um famoso jogador atacante do Benfica da altura chamado Reinaldo (abaixo), e uma famosa cantora loura (que afinal parece que nem cantava…) de uma banda Feminina conhecida por Doce (mais abaixo), chamada Laura Diogo, veio desfazer-me aquela ilusão. Quanto ao alegado episódio, lamento não poder explicá-lo em mais detalhe, mas tenho a certeza que quem sabe o que era o Quando o Telefone Toca… o conhece.
Pois algum engraçadinho, bem ao gosto popular para a piada brejeira, lembrou-se de ligar para o Quando o Telefone Toca…, disse a frase, quando chegou à música, pediu uma das Doce que tinha o infeliz título de Dói-Dói, e o clímax chegou quando pediu para dizer o nome: Reinaldo!... A piada espalhou-se e, como era coisa fácil de copiar, aumentou (também com a minha contribuição…) o auditório do programa, à espera de ouvir a repetição da graçola. Querem acreditar que não houve mais nenhuma oportunidade de a repetir?

Logo ao princípio do programa, no primeiro ou segundo pedido, aparecia alguém a pedir que se passasse as Doce cantando uma outra canção qualquer... e assim mais ninguém podia pedir outra vez as Doce naquele programa. Foi assim que me apercebi quão fácil era manipular o tal gosto popular que, naquele caso, genuinamente se pelava era pela parte brejeira daquela história. Pois bem, esta história já vai longa, mas era indispensável para vos explicar como esta sensação de controlo mascarado de uma falsa espontaneidade popular me faz lembrar a caixa de comentários do blogue de Pedro Santana Lopes.
Creio que a quase totalidade dos blogues dos políticos que dão na televisão não têm caixas de comentários activas. No fundo, creio que até se percebe porquê. No caso do blogue de Pedro Santana Lopes trata-se de uma excepção mas apenas no sentido de que a caixa de comentários existe. Mas não do resto, porque, das vezes que visitei o blogue, fiquei sempre com a sensação que a caixa de comentários não servia para interpelar o autor. Nunca dei conta que ele a utilizasse para lá escrever, muito menos para responder ao que os outros comentadores lá escrevessem…

Tomemos o exemplo de um interessante poste sobre um dos filmes do momento, Mamma Mia que tem uma banda sonora com a música dos ABBA (nem de propósito, uma banda que era uma presença assídua no Quando o Telefone Toca…), interessante sobretudo pelo conteúdo genuíno (mas não propriamente profundo…) da crítica (relembremos que não estamos a ler uma apreciação de um qualquer, mas sim de um ex-Secretário de Estado da Cultura) e atentemos nos comentários que a crítica cinematográfica de Pedro Santana Lopes suscitou.
Quase todos os comentários se podem classificar num de dois grupos: a) os íntimos, que costumam tratar o autor por Pedro e que acabam com beijinhos ou outras manifestações de ternura; b) os reverenciais, que tratam o autor por Dr. Pedro Santana Lopes (ou variantes) e que o encorajam a prosseguir inquebrantável o seu percurso e a sua postura política. Antes do Dói-Dói das Doce, eu até acreditaria que poderia ser essa tal postura a responsável por que ali não se leiam as ferocidades que certamente constariam das virtuais caixas de comentários do Abrupto ou do Causa Nossa

Depois disso, não...

* Trata-se de uma frase genuína, de 1972 ou 1973. Na época, o Metropolitano de Lisboa estava coberto de cartazes promocionais a esta linha económica de cosméticos.

4 comentários:

  1. Estes revivalismos são uma maravilha, mesmo em tempo de crise.
    Se ainda existisse o programa, eu até seria capaz de sintonizar a RR (coisa que não faço há trinta e quatro anos e meio) e pedir o disco do menino guerreiro.

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  2. Adorei este post (estás mesmo a ver, não é). Primeiro porque me fez recordar coisas das quais já não me lembrava mas foram muito importantes no meu processo de crescimento intelectual (nota-se?). Depois porque continuo a achar perfeitamente genial a forma como tu consegues ir buscar assuntos que não lembram ao diabo para criares as tuas fantásticas analogias. É sempre para dar em alguém mas que é um prazer, lá isso é.

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  3. O primeiro locutor era o senhor Joaquim Pedro. Mais tarde houve, pelo menos, o Matos Maia.
    Nestas coisas, o risco é o directo. Desde que seja gravado, já não dói, o pano azul da moderação limpa qualquer tirada atrevida.

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  4. Oh Sr Herdeiro... nem sei que lhe diga, embora queira dizer...
    Olhe, é sempre um gosto aqui vir, mas há dias em que ainda é mais inesperado, imprevisto, interessante!
    Parabéns. E claro... bem haja por se dar ao trabalho....
    :)))))

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