21 setembro 2018

A TRADUTORA DE IMPÉRIOS AO SOL

Já havia perdido a esperança que qualquer um destes livros que trata do período colonial de África seja razoavelmente equilibrado (e, convém deixar desde já assente, não foi este Impérios ao Sol que a ressuscitou). Os autores ingleses escrevem quase só sobre a África colonial britânica e os franceses, por sua vez, fazem-no sobre a África francófona. O que não é surpreendente, não se pusesse o caso de depois escolherem títulos falsamente abrangentes para os seus livros como A Corrida para África ou História da Descolonização (ou este Impérios ao Sol). Quem comprar um destes livros e se puser à procura do que se passou nos países do lado (nomeadamente as antigas colónias portuguesas) descobre que os autores pouco referem, quase nada, sobre esses assuntos periféricos, seja a história das antigas colónias alemãs, a forma como se processou a descolonização belga ou a espanhola e, sobretudo importante para nós, a maneira como eles analisam o processo colonial português. Não analisam, não se econtra lá praticamente nada disso - e vale a pena recordar que o conjunto das colónias portuguesas em África somavam mais de 2 milhões de Km² e concentravam 11% da população africana. Lawrence James, o autor do livro acima e que eu já conhecia pela autoria de Raj - A construção e desconstrução da Índia Britânica, não é excepção ao padrão acima descrito. Por ele, a história da penetração europeia em África só começa em meados do século XIX (mais precisamente 1830), descartando de uma penada tudo o que portugueses e holandeses (os africânderes do Cabo) já haviam feito nos século precedentes. Não é apenas nem sobretudo a distorção que esta abordagem ao assunto causa; é a preguiça intelectual subjacente ao gesto de selecionar apenas uns impérios em detrimento de outros. Se os ingleses só se começaram a interessar seriamente por África nessa altura, então é por aí que começa o livro. Nessa época, e isso não é um pormenor de somenos, a questão da escravatura perdera para o Reino Unido o seu carácter economicamente controverso: com a independência dos Estados Unidos e com as suas possessões antilhanas superpovoadas de mão de obra de origem africana, o tráfico de escravos podia ser agora encarado apenas na sua vertente moral. Concebido para ser um livro que agrade ao público anglo-saxónico e por isso centrado na história das possessões britânicas, o arremedo de cosmopolitismo consiste em complementá-la com referências ao rivais franceses. Mas um título mais justo para este livro seria, à semelhança daquele que Lawrence James escreveu sobre a Índia Britânica*, apenas o de História da África Colonial Britânica (e um bocadinho da francesa). Mas a grande surpresa agradável do livro, a que justifica que eu preste este destaque, é a contribuição da tradutora, Susana Sousa e Silva. Ela acrescenta valor ao livro, quando explica em notas de rodapé quem é Golliwog (p.200), o que é uma mince pie (p.214) ou o que significa a sigla MBE (p.268). Um tradutor tem aquela tarefa inglória que é a mesma de um árbitro num jogo de futebol: o melhor elogio que se lhe pode fazer no fim é o confessar nem se ter dado por ele. Confesso que foi preciso ter estado atento para destrinçar entre as notas que eram do autor e as notas que eram da tradutora mas eu, que já aqui destrocei trabalhos medíocres de tradução, acho que vale a pena atribuir o mesmo empenho aos elogios quando de um trabalho assaz bem feito.
 
* Livro onde a omissão a qualquer referência às pequenas possessões portuguesas e francesas no subcontinente era, pelo contrário, perfeitamente compreensível, dada a sua irrelevância para a história do conjunto.

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