24 março 2009

O CANTO DOS PARTISANS

O Canto dos Partisans, do qual se chegou a pensar fazer em 1945 o Hino Nacional de França (em substituição d´A Marselhesa), mas que está hoje praticamente esquecido, foi uma canção criada em 1943, a partir de outra originalmente concebida para uma letra russa, mas com uma letra em francês que se relacionasse com a actividade da Resistência. Paradoxalmente, e apesar da autora e cantora da música (Anna Marly) ser de origem russa, cujo pai até fora fuzilado na sequência da Revolução de 1917, o Canto, na sua versão francesa, pela terminologia e simbologia marxista, era um aceno directo aos comunistas, que constituíam a maioria dos grupos engajados na resistência francesa.
Até ao Verão de 1944, quando as tropas Aliadas desembarcaram em França, a história da concertação dos diversos movimentos autónomos que compunham a resistência francesa sempre esteve repleta de peripécias. Embora em 1944 já tivesse sido adoptada a designação abrangente de FFI para as designar (Forças Francesas do Interior, teoricamente dependentes do general Koenig), continuava a usar-se muito a designação FTP (Franco-Atiradores Partisans em francês), como se se tratasse de uma espécie de facção organizada de origem comunista dentro das FFI. E os FTP não perdiam ocasião de fazer sentir como a sua influência era maioritária dentro das FFI…
Num livro como Paris já está a arder? (acima), que cobre os acontecimentos que levaram à libertação de Paris em Agosto de 1944, percebe-se como os objectivos de um dirigente das FFI, facção FTP, no caso o coronel Rol-Tanguy, podiam não ter nada a ver com as intenções do Quartel-General Aliado, nem com o cumprimento das instruções que eram enviadas de Londres. Para Rol-Tanguy (abaixo, de braçadeira) havia sido estabelecido um objectivo político: o de criar um movimento insurreccional em Paris e foi isso que ele fez, independentemente da conveniência dessa insurreição para a manobra geral dos exércitos aliados em território francês naquele momento.
Felizmente para a História de Paris, a superioridade dos Aliados era já tão esmagadora que, mesmo perante a insurreição inesperada e apesar do improviso, conseguiram mobilizar duas grandes unidades(*) em apoio dos insurrectos que, de outro modo, se arriscavam a ser esmagados pelos alemães, como o estavam a ser os seus homólogos insurrectos de Varsóvia, também naquele mesmo mês de Agosto de 44. Da parte dos insurrectos, a falta de qualquer equipamento pesado típico de um exército convencional (como peças de artilharia ou blindados), transformava os poucos recontros prolongados entre os dois contendores em verdadeiras carnificinas para o lado mais fraco…
Em contrapartida, apesar dessa sua ineficácia em termos militares, há que reconhecer que os combatentes improvisados conseguem produzir fotografias de guerra que são de um romantismo inigualável, como é o caso acima… Mas, embora de aparência muito menos romântica, foram os blindados M-4 Sherman do general Leclerc (que aparecem e aparece de quépi na fotografia abaixo) os verdadeiros responsáveis pela libertação de Paris. Mas, na acta de rendição da guarnição alemã de Paris, que foi assinada a 25 de Agosto, o politicamente ingénuo Leclerc ainda permitiu que ela fosse também co-assinada por Rol-Tanguy, em nome dos insurrectos das FFI.
Quando De Gaulle chegou e soube, deu uma descasca a Leclerc... O resto da história da libertação de Paris já não é propriamente a da sua libertação, mas a da disputa política pura e dura, sem ingenuidades, entre de Gaulle e os comunistas para ocupar rapidamente o vazio de poder que se formara na capital francesa. Daquela vez, De Gaulle acabou por ganhar em toda a linha. Ficou com tudo. Ficou com o Canto dos Partisans, apesar do seu vocabulário marxista, e ficou também com a última frase, proferida por De Gaulle com a sua habitual ironia corrosiva, quando lhe apresentaram os oficiais das FFI/FTP da região de Paris: - Parece-me que eles têm coronéis demais…
(*) – A 2ª Divisão Blindada francesa e a 4ª Divisão de Infantaria norte-americana.

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