26 dezembro 2008

OS ESTADOS PRINCIPESCOS DA ÍNDIA – 8

Com a meia dúzia de casos que foram aqui apresentados não se pretende ter esgotado, apenas tipificado a história dos problemas por que passaram tanto a Índia quanto o Paquistão para a definição das suas fronteiras recíprocas. Uma das questões que a Partição de 1947 não resolveu, apesar dos milhões de refugiados que ela gerou, foi a questão dos muçulmanos que ficaram do lado errado da fronteira. Hoje, mais de 60 anos passados, entre os 460 milhões de muçulmanos com que conta o subcontinente, há 150 milhões (ou seja, quase um terço) que têm a nacionalidade indiana.
Isso permite chegar àquelas conclusões tão surpreendentes quanto curiosas: que a Índia é o terceiro país do Mundo em número de muçulmanos, depois da Indonésia e do Paquistão, ou que é o segundo país com o maior número de muçulmanos xiitas, logo a seguir ao Irão. Só que a realidade sociológica da comunidade muçulmana é muito mais complexa que aquela aritmética comparativa: aqueles 150 milhões de indianos são um agregado tão heterogéneo quanto aquele que transforma, do outro lado da fronteira, a coesão nacional do Paquistão num dos problemas prioritários da sua existência.
Muito do que une os indianos de confissão muçulmana em organizações como a Liga Muçulmana da União Indiana são memórias. Compare-se, por exemplo, na fotografia acima, aquele que foi o líder daquela formação até à sua morte em Junho deste ano, G. M. Banatwalla, com o retrato institucional do pai fundador do Paquistão, Muhammad Ali Jinnah, imediatamente por cima… Ora o projecto de uma pátria única protagonizado por este último para os indianos de confissão muçulmana esgotou-se há muito… Pior, sofreu danos irreversíveis em 1971 com a secessão do Paquistão Oriental, tornado Bangladesh.
Como qualquer grande fenómeno sociológico que ocorre aquele subcontinente, a questão dos indianos de confissão muçulmana é um fenómeno extremamente complexo onde o primeiro patamar de complexidade resulta do facto dos mencionados 460 milhões se distribuírem em números muito aproximados entre as três nacionalidades do subcontinente: paquistanesa (160), indiana (150) e bangladeshi (130 milhões). São fenómenos como esse que conferem às rivalidades geopolíticas ali existentes um direito de intromissão que não costuma existir noutras grandes rivalidades espalhadas pelo Globo.

Tomemos, por exemplo, a tradicional rivalidade sino-japonesa e os elementos culturais que as duas culturas compartilham (como o alfabeto ou a religião budista) e verifique-se como lhe falta o toque fraternal que, apesar das quatro guerras (1947, 1965, 1971 e 1999) a rivalidade indo-paquistanesa contêm. Tanto é assim que uma encenação dessa rivalidade passou a desenrolar-se todos os dias no posto fronteiriço de Wagah (acima) e o evento já adquiriu fama turística mundial… Menos histriónicos, mas muito mais graves (foi por aí que comecei esta série), foram os ataques de Novembro em Bombaim…
Interpretando os acontecimentos de há um mês para cá, se os Serviços de Informações indianos foram obviamente apanhados desprevenidos quanto ao quando da Operação, a pressão que eles têm colocado (por intermédio dos Estados Unidos) em cima dos seus homólogos paquistaneses, e o incómodo evidente que tem sido revelado por estes últimos parece indiciar que os indianos mostram saber quem terá estado por detrás da Operação. E o momento, com o capital de simpatia gerado por terem sido as vítimas é demasiado bom para que a Índia não explore esse filão até ao fim…
Será propósito da Índia usar os Estados Unidos para que pressionem o Paquistão para que ele desarme o seu arsenal de movimentos islâmicos clandestinos, alguns deles efectivamente controlados pelos Serviços de Informações paquistaneses, outros apenas alegadamente controlados e outros que nem alegadamente o são… O que restará ao Paquistão, na situação de fragilidade em que está colocado, serão manifestações mediáticas de aumento da tensão militar como aquelas que ultimamente têm vindo a ser ventiladas… Mas a constrição diplomática montada pela Índia parece ser muito forte

2 comentários: