14 maio 2007

O IMPERADOR SMITH

A colaboração de Goscinny com Morris nas histórias de Lucky Luke permitiu ao primeiro elaborar argumentos que envolvessem o tema da conquista do poder e da adaptação da sociedade a novos regimes, que as condicionantes da história matricial de Astérix não lhe permitia: por um lado, os gauleses não eram um verdadeiro desafio ao regime romano e, por outro, no fim do episódio o Império Romano tinha de permanecer de pé para que os gauleses da aldeia o viessem abanar novamente no próximo álbum.
Com as cidadezinhas do faroeste as possibilidades eram diferentes. Em histórias como Lucky Luke Contra Joss Jamon, Corrida para Oklahoma ou neste O Imperador Smith, a imaginação demonstrada pelos argumentos de Goscinny faz jus ao comentário que sustenta que a sua colaboração com Morris (o criador original e desenhador do herói da BD) transformou as histórias de Lucky Luke de histórias do Oeste americano em histórias que, por acaso, se passavam no Oeste americano. E esta reza assim:

Uma cidade chamada Grass Town possuía uma atracção local constituída por um rancheiro rico, chamado Smith, que tinha virado chalupa e dera em emular Napoleão, só que se pensava Imperador dos Estados Unidos. Viajava com toda a pompa, acompanhado de uma Guarda de Honra devidamente fardada, que não passava dos antigos vaqueiros do seu rancho mascarados. E a população de Grass Town dera em alimentar o ego de Smith enviando-lhe proclamações em nome de monarcas europeus e em acolher as suas proclamações, para divertimento da comunidade.
O problema é que a Guarda de Honra napoleónica de Smith se podia transformar num bando de malfeitores a que a cidade não se podia opor se este decidisse exercer realmente o poder que julgava possuir. Por respeito a uma genuína história de faroeste o diferendo que desencadeou a crise pôs-se à volta do banco que acabou por ser depois assaltado a tiros de canhão da artilharia imperial de Smith… E o segundo grande momento cómico da história é a fase em que se assiste à implantação de um regime imperial em Grass Town…

O xerife torna-se ministro da polícia e o director do jornal local ministro da informação. Este último recebe de Smith o título de barão, o que leva o primeiro, por inveja, a pleitear junto de sua majestade, e a receber, em recompensa, o de conde. Melhor, só a animadora do saloon local, que recebeu o de duquesa de Apache Pueblo… Só o juiz local e, evidentemente, Lucky Luke permanecem lúcidos no desenrolar da farsa a que o nosso herói acaba por pôr cobro, numa altura em que o ex-cozinheiro de Smith, promovido a ajudante de campo e tão chalupa quanto ele, se preparava para lhe suceder no trono…
A caricatura é excessiva, o regime demasiado ridículo, mas a história contém a moral do que raramente costuma acontecer quando as equipas dirigentes alcançam o poder: não são os contestatários lúcidos que vingam, pelo contrário acabam por se ver rapidamente afastados; em contrapartida, o conformismo e os conformistas em relação à fonte de poder central são os que sempre acabam por singrar cada vez mais, até que as opiniões do grupo acabam por se tornar numa mera caixa de ressonância do líder. Entre nós, já vi muitos xerifes promovidos a condes e ministros de polícia, bem sucedidos e invejados…

A anunciada promoção de António Costa para candidato à Câmara de Lisboa, mesmo sem confirmação sua, mesmo sem saber quem o possa substituir no governo (mas suspeitando…), parece-me mais um passo nesse sentido de pôr os que rodeiam o chefe a pensar como o chefe…E não me agrada.

3 comentários:

  1. Entre a hipótese avançada e a inversa (os que rodeiam o chefe se servirem dele como caixa de ressonância) não sei qual é melhor!
    Talvez Bush Jr. possa responder, depois de "aconselhado"...

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  2. Mas nesse segundo caso há ainda a disputa entre quem prevalece na manipulação do títere. E nesse caso parece que foi Cheney...

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  3. Creio que a vitória de Cheney é por KO... técnico!

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