Conhecer aprofundadamente a História ajuda-nos muitas vezes a colocar os problemas, tantas vezes explorados empolados e adulterados por conveniências políticas, na perspectiva que, de facto, merecem. Observar um troço de 100 anos da História, ou por vezes um período ainda menor, pode permitir-nos constatar atitudes ridículas de paradoxais. Já
aqui me referi a Menachem Begin, membro da
organização terrorista judaica Irgun (acima) que, como Primeiro-Ministro de Israel e 30 anos passados depois do fim dessa sua actividade (1931-48), veio-se queixar da actividade terrorista palestiniana… Neste caso, pretendo fazer um pequeno resumo daquele outro tempo em que os problemas financeiros e de disciplina orçamental na Europa ainda não eram causados pelos
PIGS mas antes pelos
SCHWEINS…
Depois do fim da Primeira Guerra Mundial há quase precisamente 92 anos (o armistício data de 11 de Novembro de 1918), um dos principais problemas da
Conferência magna que teve lugar em Paris para o estabelecimento da Paz (abaixo), que culminou com a assinatura do Tratado de Versalhes, foi o cálculo das indemnizações que a Alemanha vencida teria que pagar aos países vencedores. Reuniões sucessivas de uma Comissão especialmente nomeada para as calcular, onde se misturaram processos ostensivos de humilhação da comitiva alemã (o seu lado da mesa de negociações não tinha cadeiras e assim eles tinham que permanecer de pé...) a manobras dilatórias por parte dessa mesma comitiva de negociadores
alçados para que os pagamentos efectivamente realizados começassem o mais tarde possível.
Um primeiro valor, apurado pelos vencedores em meados de 1920, cifrou-se nos 350 mil milhões de marcos-ouro
¹. A esse montante que lhes parecia absurdo, a equipa de economistas alemães respondeu com uns cálculos tão grosseiramente forjados do que fora pago por conta, que
conseguiu pôr a sua equipa de negociadores em Paris a fazer
figuras tristes diante dos seus interlocutores… O número daqueles eram uns
escassos 80 mil milhões, o que levou o irónico Primeiro-Ministro britânico,
David Lloyd-George(acima, à esquerda), a comentar que, àquele ritmo e
melhorando os cálculos, na próxima fase de negociações já seriam os alemães a exigir que lhes pagassem… Mais a sério, o montante da dívida acabou por ser estabelecido em Maio de 1921 nuns 138 mil milhões de marcos-ouro, sensivelmente o PIB alemão em 1914.
A pagar em prestações de uns 6 mil milhões por ano, contando com os juros que entretanto se acumulariam, o plano de pagamentos antecipava que a última prestação da dívida seria paga em 1983. O problema é que as autoridades financeiras alemãs nunca acreditaram que pudessem cumprir esse calendário e nem sequer se esforçaram seriamente por o fazer. Os governos da Alemanha do início da década de 1920 consideravam ter
muito mais que fazer do que preocupar-se com
rigores orçamentais. A época era de despesas acrescidas, desde as pensões às viúvas de guerra, às compensações e apoios para aqueles que haviam sido expulsos e expropriados dos territórios perdidos pela Alemanha, às despesas sociais, como subsídios de desemprego e de saúde, aos operários reivindicativos, etc.
Não havendo receitas fiscais para cobrir as despesas o
Reichsbank passou a emitir cada vez mais papel-moeda. Em 1914, o dólar norte-americano (US$) equivalia a 4,2 marcos. Em 1920, já depois do fim da Guerra e do consequente desequilíbrio monetário provocado pelo seu financiamento, a relação passara a ser de 65 marcos por 1 US$. Curiosamente, durante os 18 meses seguintes, os
mercados (como agora se designam os movimentos especulativos) apostaram na famosa reputação da
disciplina e organização germânica e terão injectado quase o equivalente a 20 mil milhões de marcos-ouro na economia alemã, apostando em futuros ganhos cambiais do marco em relação às outras divisas e
o ritmo de desvalorização da moeda alemã até se reduziu substancialmente.
Porém, estando fundamentada numa expectativa que cada vez mais tardava em se concretizar, bastaram alguns incidente triviais – num deles, os alemães falharam uma entrega de uma encomenda de cem mil postes telefónicos e os franceses, em retaliação,
invadiram parcialmente a Alemanha e ocuparam parte da Renânia – para que os
mercados entrassem em pânico e começassem a retirar os capitais anteriormente injectados na economia alemã. Foi o descalabro e o ritmo da inflação tornou-se algo de indescritível. Por essa altura, havia 39 fábricas de papel e 1782 máquinas em 133 tipografias que se dedicavam exclusivamente à produção de papel-moeda. Em princípios de 1922 o US$ valia 190 marcos mas multiplicara-se
40X em Dezembro - para 7600 marcos por US$.
Depois disso, os números deixaram de fazer sentido. Em meados de Agosto de 1923 o US$ valia 600 mil marcos (
80X) e em princípios de Novembro desse mesmo ano 600 mil milhões (
1000000X)!! A economia alemã deixara de ser monetária, o dinheiro passara a ser uns maços de papel – como se observa pela fotografia mais acima – que se trocavam por qualquer coisa que não se desvalorizasse de um dia para o outro. Ainda hoje é controverso responder porque é que os responsáveis políticos alemães de então conjuntamente com os responsáveis financeiros, nomeadamente o então presidente do
Reichsbank Rudolf Havenstein (acima), deixaram que a situação se arrastasse até àquele limite absurdo. A resposta mais plausível é que ninguém quis
assumir o preço da austeridade!...
Aos olhos da opinião pública alemã, a questão da redução do
deficit orçamental nas suas finanças públicas estava profundamente associada à questão do pagamento das reparações dos seus antigos inimigos e naquele clima político ninguém quisera assumir a responsabilidade da necessidade de uma muito maior austeridade orçamental e de uma reestruturação financeira até que se chegou ao
apocalipse financeiro de Novembro de 1923. Ou seja, na sua essência, e apesar da evolução que o sistema financeiro internacional entretanto sofreu nos últimos 90 anos, trata-se de uma situação que se equivale muito à que atravessam hoje os países periféricos da União Europeia alcunhados de
PIGS. Como se vê, a Alemanha tem um passado que, havendo moral, não a recomendava para exigências. Mas a moral nada tem a ver com isto...
¹ A divisa em que se calculou a indemnização (marco-ouro) estava indexada a um determinado valor de ouro para que a inflação - como se verá com a continuição do poste - não a viesse a reduzir.