Por se ter falado mais abaixo em subversão e contra-subversão urbana, vale a pena recordar e analisar (não nos esquecendo, quanto à profundidade da análise, que isto é um blogue …) a Batalha de Argel, um dos episódios mais importantes dos conflitos que se caracterizaram por se terem travado em ambientes urbanos e simultaneamente um dos mais famosos episódios da Guerra da Argélia (1954-62), que acabou por terminar com a independência argelina.
Argel, a capital da Argélia francesa, era uma típica cidade colonial, que teria um pouco mais de 300.000 habitantes em 1954, com os seus bairros de europeus e os bairros de nativos devidamente segregados, com as particularidades de que a população de origem europeia (designados por pieds-noirs) ser ali numericamente muito significativa (representavam entre 45 a 50% da população total) e de haver um bairro indígena (a Casbah) no centro da cidade.
A Casbah (abaixo, vista do ar - é a palavra árabe para cidadela), era a Argel do período medieval com o seu emaranhado labiríntico de ruelas típicas do mundo mediterrânico. Desde o princípio da insurreição era considerada território hostil, que um europeu ou qualquer elemento das forças de segurança francesas não poderia percorrer isolado sem correr um sério risco de ser morto da forma tradicional: degolado. Mas a Casbah não era considerada frente de batalha.
A princípio, depois de expurgar do bairro os indicadores da polícia, os outros movimentos rivais e colocado sob controlo as organizações criminosas, a Casbah foi utilizada pela FLN (a Frente de Libertação Nacional) como santuário dos seus quadros e base de apoio logístico dos guerrilheiros que combatiam contra o exército francês nas zonas rurais. Como parece acontecer nas favelas brasileiras, na Casbah vigorava uma autoridade diferente da do resto da cidade.
Os franceses acabaram por se aperceber que, mais importante do que combater os braços do movimento, se devia visar o cérebro da FLN na Wilaya IV*, impondo um bloqueio sistemático aos movimentos de saídas e entradas na Casbah (em Maio de 1956). A FLN reagiu a esse bloqueio iniciando uma campanha de ataques bombistas nas zonas europeias da cidade a que as organizações clandestinas dos pieds-noirs ripostaram, por sua vez, de forma simétrica.
Entre dois fogos, em Janeiro de 1957, o Governador Geral Robert Lacoste deu à 10ª Divisão Pára-quedista e ao seu comandante, o General Massu (acima), os poderes de manutenção da ordem pública e começou efectivamente a Batalha de Argel. Os pára-quedistas entraram pela Casbah dentro e iniciaram um processo de prisões e interrogatórios sistemáticos que durou até Outubro de 1957, mas que, acabou por pôr fim aos atentados, tanto de um lado como doutro.
A extrema eficácia dos resultados não conseguiu iludir, porém, a controvérsia dos métodos excessivos empregues para os atingir. Muitos dos que foram torturados acabaram por morrer. O próprio General Massu estimou depois que tinha havido cerca de 300 mortos em resultado da sua batalha** para pôr fim às outras duas batalhas (de terror e contra-terror) que, por sua vez, se haviam saldado por um total de 751 atentados, com 314 mortos e 917 feridos, em 14 meses.
No caso da Batalha de Argel não se põem quaisquer dúvidas sobre a quem terá pertencido a vitória militar. Mas também se trata de um caso exemplar de qual é a importância relativa da componente militar e da componente política numa guerra que reúna estas características. Os homens de Massu não haviam recebido qualquer tipo de preparação para lidar com o absurdo de terem causado muito mais baixas do que as provocadas pelas acções que estavam a reprimir.
Pelo padrão das campanhas militares clássicas, o volume de baixas no inimigo são problema dele. Se forem em quantidade suficiente para que ele desista de combater, melhor: ganha-se a batalha e a guerra. Não foi o caso da de Argel, porque a frente de batalha se transferiu para outro local, além de que a FLN adquiriu com ela uma legitimidade política reforçada, ao devolver ao poder político democrático francês as suas enormes contradições entre prática e teoria.
É uma boa lição para aqueles políticos que, em situações de aperto, convocam os militares como se se tratasse de uma espécie de polícias, mas em mais musculado: dá sempre asneira… A outra lição, aplicada à situação brasileira da actualidade, é que, com competência, o exército brasileiro até poderia ser capaz de conseguir erradicar o problema da influência do PCC nas favelas brasileiras (acima)… Os custos políticos dessa batalha é que seriam insuportáveis…
* A FLN tinha dividido o território em 6 Regiões Militares distintas, denominadas por Wilayas e numeradas à romana de I a VI. Por causa dos acontecimentos que levaram à Batalha de Argel, a FLN resolveu depois destacar a própria cidade da Wilaya adjacente (IV), constituindo uma Zona Autónoma (ZAA).
** As estimativas variam, conforme as fontes, entre esses assumidos 300 e os 3.000 mortos.
A Casbah (abaixo, vista do ar - é a palavra árabe para cidadela), era a Argel do período medieval com o seu emaranhado labiríntico de ruelas típicas do mundo mediterrânico. Desde o princípio da insurreição era considerada território hostil, que um europeu ou qualquer elemento das forças de segurança francesas não poderia percorrer isolado sem correr um sério risco de ser morto da forma tradicional: degolado. Mas a Casbah não era considerada frente de batalha.
A princípio, depois de expurgar do bairro os indicadores da polícia, os outros movimentos rivais e colocado sob controlo as organizações criminosas, a Casbah foi utilizada pela FLN (a Frente de Libertação Nacional) como santuário dos seus quadros e base de apoio logístico dos guerrilheiros que combatiam contra o exército francês nas zonas rurais. Como parece acontecer nas favelas brasileiras, na Casbah vigorava uma autoridade diferente da do resto da cidade.
Os franceses acabaram por se aperceber que, mais importante do que combater os braços do movimento, se devia visar o cérebro da FLN na Wilaya IV*, impondo um bloqueio sistemático aos movimentos de saídas e entradas na Casbah (em Maio de 1956). A FLN reagiu a esse bloqueio iniciando uma campanha de ataques bombistas nas zonas europeias da cidade a que as organizações clandestinas dos pieds-noirs ripostaram, por sua vez, de forma simétrica.
Entre dois fogos, em Janeiro de 1957, o Governador Geral Robert Lacoste deu à 10ª Divisão Pára-quedista e ao seu comandante, o General Massu (acima), os poderes de manutenção da ordem pública e começou efectivamente a Batalha de Argel. Os pára-quedistas entraram pela Casbah dentro e iniciaram um processo de prisões e interrogatórios sistemáticos que durou até Outubro de 1957, mas que, acabou por pôr fim aos atentados, tanto de um lado como doutro.
A extrema eficácia dos resultados não conseguiu iludir, porém, a controvérsia dos métodos excessivos empregues para os atingir. Muitos dos que foram torturados acabaram por morrer. O próprio General Massu estimou depois que tinha havido cerca de 300 mortos em resultado da sua batalha** para pôr fim às outras duas batalhas (de terror e contra-terror) que, por sua vez, se haviam saldado por um total de 751 atentados, com 314 mortos e 917 feridos, em 14 meses.
No caso da Batalha de Argel não se põem quaisquer dúvidas sobre a quem terá pertencido a vitória militar. Mas também se trata de um caso exemplar de qual é a importância relativa da componente militar e da componente política numa guerra que reúna estas características. Os homens de Massu não haviam recebido qualquer tipo de preparação para lidar com o absurdo de terem causado muito mais baixas do que as provocadas pelas acções que estavam a reprimir.
Pelo padrão das campanhas militares clássicas, o volume de baixas no inimigo são problema dele. Se forem em quantidade suficiente para que ele desista de combater, melhor: ganha-se a batalha e a guerra. Não foi o caso da de Argel, porque a frente de batalha se transferiu para outro local, além de que a FLN adquiriu com ela uma legitimidade política reforçada, ao devolver ao poder político democrático francês as suas enormes contradições entre prática e teoria.
É uma boa lição para aqueles políticos que, em situações de aperto, convocam os militares como se se tratasse de uma espécie de polícias, mas em mais musculado: dá sempre asneira… A outra lição, aplicada à situação brasileira da actualidade, é que, com competência, o exército brasileiro até poderia ser capaz de conseguir erradicar o problema da influência do PCC nas favelas brasileiras (acima)… Os custos políticos dessa batalha é que seriam insuportáveis…
* A FLN tinha dividido o território em 6 Regiões Militares distintas, denominadas por Wilayas e numeradas à romana de I a VI. Por causa dos acontecimentos que levaram à Batalha de Argel, a FLN resolveu depois destacar a própria cidade da Wilaya adjacente (IV), constituindo uma Zona Autónoma (ZAA).
** As estimativas variam, conforme as fontes, entre esses assumidos 300 e os 3.000 mortos.
Quando os políticos recorrem aos quarteis, para reprimir civis, acabam por marcar de opróbrio os militares que, infelizmente, costumam ceder.
ResponderEliminarQuando uma Guerra assume contornos de Guerra Civil os militares entram na "Twilight Zone"...
ResponderEliminarPor alguma razão uma Guerra Civil se designa por... civil.