Crossing the floor é uma expressão política inglesa que, para além da dificuldade de a perceber por causa do seu sentido literal, só é possível de fazer entender explicando como são as regras de funcionamento e a disposição de um parlamento anglo-saxónico tradicional. Abaixo vemos uma fotografia do Parlamento de
Trinidad e Tobago, onde do lado esquerdo (do lado direito de quem preside) se sentam os deputados que apoiam o governo e do outro lado estão os da oposição
*, com as filas da frente tradicionalmente reservadas para os deputados mais importantes de cada bloco.
Crossing the floor, literalmente
atravessar o chão, refere-se ao gesto de percorrer aquele espaço intermédio que separa as duas bancadas, quando um deputado decide mudar o sentido do seu voto ou do seu apoio de um bloco para outro.

Embora a expressão seja, na maioria das vezes, metafórica, quando o deputado em questão decide mudar ostensivamente de bancada em frente de todos, durante os próprios trabalhos parlamentares, isso costuma dar direito a cenas memoráveis, entre as vaiadelas dos membros da bancada de onde ele sai e os aplausos que as procuram abafar, vindas dos membros daquela para onde ele se dirige. Foi precisamente o que aconteceu em 1904 a
Winston Churchill (veja-se a sua fotografia dessa época) quando, sob uma vaiadela imensa dos conservadores, ele
atravessou o chão em direcção à bancada liberal (então na oposição), onde um outro futuro primeiro-ministro britânico (
David Lloyd George), já então sentado na primeira fila, se acomodou para que Churchill se sentasse por sua vez
**.

Em Portugal, a defecção de parlamentares também tem os seus episódios burlescos, a começar por aquela famosa estreia, hoje praticamente esquecida, de Aires Rodrigues e de Carmelinda Pereira (abaixo), que foram eleitos na primeira legislatura nas listas do
PS (1976-79), para depois se afastarem do partido e
decidirem dedicar a sua vida à promoção de uma
aliança entre o PS e o PCP, quais alquimistas medievais que partem em busca do segredo de misturar a água com o azeite… Mas a razão próxima de me ter lembrado daquela expressão inglesa até nem tem nada a ver com as defecções políticas propriamente ditas, mas antes com a forma exuberante como essas defecções podem ser celebradas, veja-se o caso como no
Corta-Fitas se
está a assinalar quem tem mudado de plataforma…
* Ao contrário de outras tradições parlamentares, como a portuguesa, onde os grupos políticos costumam ter uma localização fixa tradicional, do lado direito ou esquerdo do hemiciclo, nesta, troca-se de lugar conforme se esteja no governo ou na oposição.
* Em 1925, Churchill tornou a atravessar o chão de regresso aos conservadores, embora de forma mais discreta…
Num mundo composto de mudança às os que mudam bem e os outros, os que mudam porque lhes convém e porque gostam de se se exibir na ribalta, são os funâmbulos que por aí volteiam.
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