25 março 2008

A OPERAÇÃO FÉLIX

Ainda hoje, quase 68 anos passados sobre os acontecimentos, permanecem controversas as conclusões que se podem extrair do encontro efectuado entre Adolfo Hitler e Francisco Franco que teve lugar na gare da estação de caminhos-de-ferro de Hendaye em 23 de Outubro de 1940. Hendaye é uma cidade que fica na fronteira entre a Espanha e a França, Hitler fez a maioria do caminho, era por isso ele que vinha à procura de qualquer coisa ao encontrar-se com Franco. A conclusão de que Hitler não obteve o que queria da forma que esperava será presumivelmente verdadeira, as razões pelas quais isso aconteceu, especialmente as que foram postas a circular pelos espanhóis depois da Segunda Guerra Mundial é que talvez não…

É curioso como nas narrativas da Segunda Guerra Mundial se costumam perder os compassos de espera, os momentos de hesitação, como o que afectava Adolfo Hitler e o Alto Comando Alemão no Outono de 1940. Por um lado, a Alemanha havia vencido e conquistado a França em Junho desse ano, por outro, as conclusões que se extraíam da batalha aérea que se estava a travar desde o princípio do Verão sobre os céus de Inglaterra, apontavam para que a Alemanha não conseguisse desgastar as defesas britânicas a um ponto tal que permitisse realizar ali um desembarque com sucesso – foi esse o teor de um Relatório que o Alto Comando alemão virá a entregar a Hitler em 12 de Novembro. Impunha-se adoptar uma estratégia indirecta contra a Inglaterra.
O conteúdo da sua Directiva Nº 18 é esclarecedor quanto à inflexão que Hitler pretende dar à guerra em curso: O objectivo da minha política para com a França é cooperar com este país para a continuação da guerra contra a Inglaterra. (…) A tarefa mais urgente dos franceses é a protecção defensiva e ofensiva das suas possessões coloniais contra a Inglaterra e o movimento gaullista. Partindo desta tarefa inicial, a participação da França na guerra contra a Inglaterra poderá desenvolver-se plenamente. É no quadro da preparação desta cooperação franco-alemã que Hitler, na mesma viagem (a 24 de Outubro) se virá a encontrar noutra estação de caminho de ferro francesa (Montoire) com o Chefe de Estado francês, Philipe Pétain (acima).

Sobre a Espanha, ou mais precisamente sobre Portugal e Espanha, a mesma Directiva 18 estabelece que “O objectivo da intervenção alemã na Península Ibérica (Operação Félix) é expulsar os ingleses do Mediterrâneo Ocidental. Gibraltar será conquistada e o estreito fechado; os ingleses serão impedidos de constituir qualquer testa-de-ponte em qualquer outro local da península ou das ilhas Atlânticas.” Sobre estas últimas existem instruções específicas: Os Comandos da Marinha e da Força Aérea examinarão como pode ser reforçada a defesa espanhola das Canárias e como podem ser ocupadas as ilhas de Cabo Verde. Peço igualmente que a questão da ocupação da Madeira e dos Açores seja avaliada nas suas vantagens e inconvenientes.
Segundo a versão espanhola, o que teria sido uma verdadeira imersão dos dois países ibéricos no caldeirão da Segunda Guerra Mundial acabou por não ter lugar devido às exigências desmesuradas e à habilidade negocial do generalíssimo espanhol. Uma história (provavelmente apócrifa) atribui a Hitler o comentário que mais facilmente arrancaria um dente (ou mais, conforme o autor que a conta…) a repetir a entrevista com Franco. Comentários como este são deliciosos para o nacionalismo espanhol, mas observações mais objectivas e mais sóbrias, fazem notar que podem ter sido as exigências espanholas para a anexação de territórios coloniais franceses do Norte de África que impediram o acordo em Hendaye.

Quando a Segunda Guerra terminou, aquele episódio de ter feito frente a Hitler em Hendaye era, por assim dizer, um dos raros activos a ser explorado diplomaticamente pelo regime franquista perante a nova Ordem internacional. A Espanha, recorde-se, tinha sido muito mais cúmplice com o lado dos vencidos do que o havia sido Portugal, e iria atravessar por isso um período de ostracismo. Mas a história de Hendaye parece ser falsa e é o calendário que assim o demonstra: é que o encontro em que Franco se mostrou renitente teve lugar em 23 de Outubro de 1940, mas que a opinião deste último parece não ter sido nada afectada, confirma-se pelo facto da data da célebre Directiva 18, que estabelece as várias operações, ser de 12 de Novembro…
Ou seja, Adolfo Hitler não se mostrou nada incomodado pelas exigências de Francisco Franco, pelo menos a ponto de alterar a definição das suas prioridades estratégicas naquela altura… A História seguiu um curso diferente, mas Hitler mostrou-se de um autismo completo, mesmo em relação aos aliados que queria cativar. Como os tempos futuros poderão vir a demonstrar cada vez mais, o conceito que uma Alemanha forte tem daquilo que deve ser a actividade diplomática é muito semelhante a uma reunião onde o lado alemão explica a racionalidade da sua maneira de ver as questões, e depois os restantes participantes concordam. E quanto esse trabalho de persuasão é feito por outros, tanto melhor, como aconteceu com o Tratado de LissabonSehr Gut, Pá!

6 comentários:

  1. Quer dizer que o malandro do Caudilho foi um ingrato e não agradeceu as legiões Condor nem o ensaio de Guernica.

    Quanto ao “Sehr Gut!“, apesar de tudo, convém ter presente que nem a Ângela é o Adolfo, nem o José é o Francisco.

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  2. Lamento imenso, JRD, mas considero que os objectivos alemães depois de 1990 (que agora são os da Ângela), são precisamente os mesmos que os do Adolfo ou os do Guilherme, outrora - a hegemonia europeia.

    Registe-se a nota simpática de não se desencadearem Guerras Mundiais (nem o extermínio de minorias étnicas, no caso do Adolfo) para alcançarem o seu objectivo.

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  3. Lamento discordar bastante do simplismo da sua opinião sobre os alemães e a Alemnaha.


    Bom, e se substituirmos então nesta fábula "o lado alemão" por Passos Coelho e M.ª L. Albuquerque e "o lado oposto" pelo PS atual, parece-me que também Cavaco é um ferrenho adepto (e crente?) deste tipo de acordos "racionais" ditos "à moda alemã"...

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  4. Eu é que lamento imenso por já não me dispor a levar a sério discordâncias como as suas.

    Quando escrevi este texto tinha o blogue um pouco mais de dois anos. Hoje vai a caminho de completar nove e eu entretanto já li muitos outros comentários pretensiosos e não substanciados como o seu. Não têm qualquer valor.

    Eu apresentei factos históricos e interpretei-os. Quem discorda que lhes dê uma outra interpretação, justifique porque o faz e/ou apresente outros factos históricos contemporâneos cuja sua interpretação se preste a desmentir a que descrevi.

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  5. Especifico: lamento imenso discordar bastante do simplismo da sua opinião sobre os alemães atuais e sobre a Alemanha do Presente.

    E escusado será dizer por que lamento: sobretudo porque até apreciei bastante o essencial do seu texto, nomeadamente a narrativa histórica e a sua interpretação.

    Mas passe muito bem e continue a somar anos neste seu blogue despretensioso e pleno de valor...

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  6. Permita-me assegurar-lhe, para despedida, que eu já estava a passar muito bem antes dos seus comentários e que continuarei a passar muito bem, dispensando os seus votos para que o faça.

    E lamento acrescentar que o eventual valor deste blogue não cresceu com esta sua dupla e modesta contribuição...

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