Poderá haver muitos outros traços distintivos mas a religião também distingue os dois povos eslavos mais ocidentais: se os polacos são um povo que se revela intrinsecamente fiel ao catolicismo romano, com os checos isso não acontece. É um mistério passear por Praga e vê-la polvilhada de igrejas e deitarmo-nos a adivinhar para quem será que elas foram construídas, já que ninguém (à excepção dos turistas) as frequenta.

Fundada em 1348 (a mais antiga da Europa Central), a composição das quatro unidades constituintes (designadas por nações) da Universidade Carlos em Praga, dá uma ideia mais precisa das culturas então em confronto na região: bávaros, boémios, polacos e saxões. A Boémia – que era então um reino pertencente ao Sacro Império Romano Germânico – atravessava um processo de colonização germânica.

Teologicamente, toda a estrutura da Igreja Católica Romana estava então muito frágil, imersa na sua maior crise de sempre, que veio a ser designada como o Grande Cisma do Ocidente (1378-1417), onde havia dois Papas (um residente em Roma, o outro em Avinhão) a disputarem a supremacia. Pior que isso, em 1409 foi ainda eleito em Concílio (abaixo) um terceiro pontífice, como um Papa de concórdia, num gesto que se veio a revelar um fiasco*.

Dando mostras de muita ingenuidade política***, Jan Huss, veio a ser convocado e a comparecer no Concílio de Constança (1414-1418), onde foi condenado como herético e executado na fogueira (1415 - abaixo). Só depois disso, é que começaram as Guerras Hussitas (1419-1434), com o teólogo transformado num Santo e num mártir da causa checa, contra a própria Igreja Católica. A causa hussita (e checa) foi reprimida e extinta.

O nacionalismo checo tornou-se laico. Mesmo assim, a influência de Jan Huss ainda era suficiente para que, com a independência da Checoslováquia (1920), cerca de 700 mil checos tivessem abandonado o catolicismo e fundado a Igreja Hussita Checa. Mas o laicismo predominou: mesmo durante a era soviética (1948-89), nunca apareceu um Cardeal checo que protagonizasse a resistência, como o húngaro Mindszenty ou o polaco Wyszyński…
* Esse Papa, que adoptou o nome de João XXIII veio posteriormente a ser considerado um anti-papa. Em 1958, quando o Cardeal Ângelo Roncalli foi eleito Papa e adoptou o nome de João pela primeira vez em 540 anos, ao escolher novamente o ordinal XXIII definiu-lhe o estatuto, duvidoso até então.
** Em consequência disso, veio-se a fundar a Universidade de Leipzig (1409) na Saxónia.
*** Ingenuidade que o alemão Martinho Lutero, no século seguinte, nunca teve.
Com um exemplo destes só se Lutero fosse estúpido, coisa muito improvável...
ResponderEliminarPenso que os Checos, de Praga e não só, tem uma boa relação com as suas igrejas, porque como povo amnte da música, as frequentam sobretudo ao fim da tarde para assistir aos inúmeros concertos que nelas têm lugar. A vertente religiosa está mesmo muito diluída, o que justifica também a evolução do país, independentemente das vicissitudes várias porque tem passado.
ResponderEliminarSobre a ingenuidade de Jan Huss ,recordo a figura de Alexandre Dubcek, também ele ingénuo, mas que conseguiu chegar a secretário Geral do PC da Checoslováquia e depois afirmou que nunca foi marxista.
(Ah! E ainda vamos ter a questão dos Sudetas, mas isso fica para mais tarde, esperemos que muito mais tarde.)
bfs
Será então por isso que Juss tem uma enorme estátua numa das principais praças de Praga.
ResponderEliminarJan Huss é um dos heróis nacionais checos. O dia da sua execução, 6 de Julho (de 1415), é feriado nacional.
ResponderEliminarPor curiosidade, naquele mesmo Verão (a 14 de Agosto), o corpo expedicionário comandado por João I de Portugal conquistava Ceuta.