12 março 2008

A CHINA DA DINASTIA SONG

Sempre que há manifestações de um dos vários lóbis da cultura, onde os protagonistas costumam caprichar na diferenciação com que se manifestam, as minhas, sempre imprevisíveis, associações de ideias, levam-me até à Antiguidade e a Síbaris, uma antiga colónia grega da Itália meridional. A história de Síbaris, donde se retirou o adjectivo sibarita, sinónimo de pessoa ou grupo de gostos ultra requintados, acaba mal, exprimindo a pouca consideração que a cultura ocidental costuma atribuir a esse excessos.
É que o exército de Síbaris acabou destroçado antes da batalha, quando os cavalos se puseram a dançar (acima) ao ouvir o som das trompetas do inimigo… A alegoria é evidente, alertando para o perigo de concentrar a atenção e os recursos em excesso no conforto e bem-estar de uma sociedade, em detrimento da sua segurança. E quantas vezes não costumamos ouvir a indignação dos artistas lobistas virar-se precisamente contra o que eles consideram ser o desperdício de recursos atribuídos à segurança e defesa?
Paradoxalmente, aquele que considero que deve ter sido o Reino ideal para a arte e cultura é até relativamente desconhecido entre nós: trata-se da China da Dinastia Song (960-1279). Em termos históricos, os três séculos da sua duração estão divididos em duas fases, classificadas como a dos Song do Norte (960-1127) e do Sul (1127-1279), mas ambas compartilham um florescimento artístico incomparável, que se manifestou de inúmeras formas – na poesia e literatura, na pintura e cerâmica, na filosofia ou na arquitectura.
Por detrás deste zénite da produção cultural esteve também uma economia pujante, que se reflectiu num aumento demográfico da população chinesa em 100 anos (do Século X para o Século XI), e segundo as estimativas de especialistas*, de cerca de 60 para 100 milhões de habitantes. Uma das figuras mais curiosa de todo o período deverá ter sido um primeiro-ministro reformador, de seu nome Wang Anshi (1021-1086)**, que teve oportunidade de aplicar o seu programa de governo apenas entre 1070 e 1085.
Verdadeiro filho da época, além de na sua actividade política e administrativa Wang Anshi (abaixo) ter sido um criador de slogans políticos que, mesmo hoje, soam um pouco exagerados como o de que sob a sua administração o arroz se tornara tão barato como a água, ele também era um poeta e, aparentemente, daqueles pouco modestos, porque usava a sua inspiração para louvar os seus próprios feitos, como se comprova pela lírica abaixo:

Se a alguém faltar dinheiro para boda ou funerais,
Deixe de estar inquieto, que eu lho emprestarei.
Se alguém for afligido por uma fraca colheita,
Dar-lhe-ei todo o arroz que possuo para o ajudar a viver.
Se a colheita for abundante, sou eu quem a recolhe,
Mas se o não for, então distribuirei tudo o que tenho para que possam trabalhar.
Hoje em dia ninguém com tal se preocupa,
Mas eu estou resolvido a reprimir os açambarcadores.

É muito mais melodioso do que Porreiro, Pá! e é fácil imaginar José Sócrates a tentar produzir um discurso auto-congratulatório com um teor semelhante, embora os temas mudassem, com as colheitas a serem trocadas pelos 150.000 empregos ou pelas simplicidades do Simplex. Só que, ao contrário dos tempos modernos, a questão da caligrafia chinesa (completamente personalizada) podia identificar a autoria dos poemas, o que limitava o trabalho dos assessores de então…
O líder da oposição conservadora ao tempo, chamado Su Dongpo** (1037-1101 - retratado acima), também era um poeta e caligrafista de nomeada, ao contrário de Luís Filipe Menezes...

Junto do rio a Primavera entristece-me.
Há flores que murcham, outras que desabrocham.
Sobre a pequena ponte, oblíquo, incide ainda o Sol.
Mas eu já não vejo a vossa mão à beira do pavilhão.
Mais a sério e com menos lirismo, a China do período Song e a sua prosperidade foram um período histórico que teve estranhas semelhanças com a Europa actual. As reformas preconizadas por Wang Anshi assemelham-se aliás imenso aos modelos sociais-democratas de economia planificada e ao estado providência que foram as principais referências europeias durante a segunda metade do Século XX. Mas o que a imponente produção artística, tecnológica e ideológica do período esconde é uma enorme debilidade militar.
Paradoxalmente, o Wujing Zongyao, datado de 1044 (em cima, uma ilustração), é um tratado de artefactos militares onde aparecem as primeiras referências escritas a fórmulas de pólvora. Mas, ao contrário das obras de outros grandes mestres chineses da estratégia, trata-se de uma espécie de catálogo de todos os equipamentos militares conhecidos, sem desenvolvimentos sobre doutrinas para o emprego desse armamento. A China dos Song, tal qual a Europa moderna, preferia privilegiar a sua pujança económica para comprar a sua segurança...

* Atlas of World Population History, McEvedy and Jones, Penguin Books 1978.
** Costuma haver outras formas de transliterar os nomes chineses: Wang Anshi também pode aparecer na forma Wang Ngan Che e Su Dongpo como Su Tong P´o.

6 comentários:

  1. Estou boquiaberta de estupefacção.

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  2. E agora, o que é que eu posso dizer, perante este espanto de post?

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  3. Também eu fiquei ontem completamente siderada quando li o poste. Aliás nem soube como comentar. Eu acho que vou organizar um mestrado com a informação que retiro deste blogue...
    Bjs.

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  4. Há uma história de um autor teatral que, certa vez, no fim de uma estreia de uma peça sua, perante o entusiasmo da plateia que batia palmas e pedia a ida ao palco do autor, se deixou contagiar pelo ambiente e se deixou ficar no seu lugar chamando também por si mesmo...

    Pois aqui são também tão calorosos os elogios que eu, sem deixar de agradecer os comentários, também não quero deixar de me associar à iniciativa de bater palmas ao meu poste...

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  5. bando de burro, não sabe e fica falando! vai fazer post assim na china! :@ bando de B-U-R-R-O !! fiz um trabalho que peguei tudo desse site e tirei 2,0 e o trabalho valia 10,0! otários, odeio vocês. foi a LoveYaTheoC

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  6. Deixando as minhas referências irónicas ao 1º ministro português seu professor aí em São Paulo deve ter adorado a sua cópia...

    Foi por isso que lhe deu 2,0 em vez do 0,0 que merecia...

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