05 dezembro 2008

AS CONVERGÊNCIAS À ESQUERDA...

No seguimento das ondas de choque do discurso que Jerónimo de Sousa pronunciou no Congresso do seu partido no passado fim-de-semana a respeito das convergências à esquerda, criticando tanto o comportamento do Bloco como o dos socialistas contestatários como Manuel Alegre, lembrei-me de outras ocasiões históricas (provavelemente também míticas…) em que houve uma espécie de unidade da esquerda como terá sido o caso da Frente Popular que em França alcançou o poder nas eleições de Maio de 1936.
Relembre-se que essa Frente Popular agrupava socialistas, comunistas e radicais. E que a Frente Popular deve a maior parte do seu sucesso, não ao aumento da sua votação eleitoral (na verdade, o resultado dos votos somados dos três agrupamentos aumentou apenas 1% em relação ao que fora obtido por eles nas eleições de 1932), mas a uma política concertada de desistências para a segunda volta, onde os restantes candidatos da Frente se comprometiam a desistir em proveito daquele que estivesse mais bem colocado.
Esse esforço concertado levou a que os 57% de votos dos partidos da Frente se transformassem numa maioria substancial de 63% dos deputados da Assembleia Nacional francesa. O governo que se constituiu na sequência dessas eleições, chefiado pelo socialista Léon Blum, costuma ser mencionado e elogiado pelas várias reformas que introduziu, como a redução da semana de trabalho para 40 horas ou a adopção de duas semanas de férias pagas, mas não se costuma referir que esse governo durou apenas um ano…
Os comunistas apoiavam o governo na Assembleia apesar de dele não fazerem parte. E, para a propaganda da oposição fascista (acima), eram os comunistas que encarnavam a essência da Frente Popular, ao fazerem os líderes socialista (Blum) e radical (Herriot, de cachimbo) a serem comidos pelo seu parceiro comunista*. Mas, surpreendentemente, na propaganda comunista da mesma época os mesmos Blum e Herriot podiam ser retratados tão anti-comunistas como a oposição conservadora (abaixo)**
Com a notável excepção do caso da Câmara de Lisboa, a estabilidade em coligações com comunistas entre nós só se consegue com o exercício da sua hegemonia: sejam os 15% de lugares atribuídos às outras correntes sindicais nos órgãos da CGTP ou o par de lugares de deputado atribuídos aos verdes na CDU… Ora a disputa que o PCP e o Bloco de Esquerda estão a travar é uma luta fratricida pela hegemonia na extrema-esquerda portuguesa. Falar em convergências nestas circunstâncias só mesmo por má-fé ou ingenuidade…

* A mensagem a vermelho diz: Franceses! Se quiserem ser comidos pelos comunistas, avancem e votem com os radicais e os socialistas!
** Enquanto todos os caricaturados à esquerda concordam que o comunismo é o inimigo, o capitalista de aspecto porcino diz: - Eles têm programas diferentes mas o resultado é o mesmo para mim. E o apelo a vermelho: Operário, Camponês! Eles são todos contra o comunismo porque ele te defende. Junta-te a ele para os combater.

4 comentários:

  1. Andava há vários dias a pensar na Front Populaire em face dos acontecimentos de hoje no nosso país. E chego aqui, pego na Time Out History e (re)lembro os detalhes. Bem visto, a Front só não teve tempo de ir até ao fim. Quando fizeres o "desenho" da Espanha Republicana avisa-me que é para se perceber que os comunistas também aí estiveram fora e também aí foram responsáveis pelo desenlace final de Guerra Civil. Um abraço. FARENSE.
    ARTUR

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  2. Eu também me lembrei do FP e de Leon Bloum, mas por causa do último e atribulado congresso do PSF.

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  3. É pouco provável Artur, que venha aqui a escrever sobre a Frente Popular espanhola com a mesma ligeireza com que aqui me referi à francesa.

    No quadro da Guerra Civil espanhola o assunto torna-se demasiado complexo e denso e confesso não ter "artes" para o compactar para um poste que seja legível...

    Um abraço vermelho e negro!

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  4. Uma das coisas engraçadas que, com certeza já reparou, João Pedro, é que é impossível acompanhar qualquer período político das III e IV Repúblicas francesas sem saber previamente quem são uma dúzia (pelo menos...) de figurantes.

    Neste poste que comentou, eu nem expliquei nada mas, mesmo assim, não me livrei de falar de Blum e de Herriot e, para ficar mais explícito, bem podia ter adicionado Daladier, Chautemps, Cachin, Thorez, Auriol, etc.

    A história que das rivalidades internas que contei no poste não ficava melhor, mas teria mais figurantes e mais enredo. É assim que eu analisei o Congresso do PSF. Se soubesse os nomes dos titulares das facções ter-me-ia entretido mais...

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