Já tive oportunidade de escrever neste blogue sobre Alexandre Magno e o destino do Império que conquistou. Hoje gostaria de me debruçar sobre outros aspectos, do que sabemos da sua pessoa e dos seus feitos e da forma como eles viram a ser valorizados na actualidade. Pensa-se que, na época que se sucedeu à sua morte, Alexandre se terá tornado numa lenda da cultura helénica e que esse estatuto poderá ter influenciado o que dele se veio a escrever. Embora se saiba que houve relatos primários – de testemunhas presenciais – sobre os acontecimentos do reinado de Alexandre, nenhum deles sobreviveu até aos nossos dias.

O poeta britânico, que partiu em 1823 para combater aliado aos gregos modernos contra o opressor otomano, morrendo (de doença) no processo como um verdadeiro herói de uma história da sua corrente literária, foi dos raros ocidentais que descobriu à sua custa que os heróis épicos gregos das narrativas da Grécia clássica se haviam extinguido há muito, como os dinossáurios, ou nunca haviam sido assim. Os aliados com quem Byron se batia eram guerrilheiros que atacavam os destacamentos otomanos isolados, sem mostrar uma ponta das virtudes que os livros atribuíam aos membros das falanges tebanas e macedónias…

Oh, East is East, and West is West and never the twain shall meet**.
A verdade é que o conteúdo do poema – na linha da restante obra de Kipling – é uma descrição do Oriente vista pelos olhos de um ocidental***.
Mas, aparte este aspecto ideológico de ser considerado o percursor longínquo do imperialismo europeu, ou d´O Fardo do Homem Branco, para usar o título do poema mais popular do mesmo Kipling, é preciso ter em conta a valorização, porventura excessiva, que a historiografia moderna deu a Alexandre pelos seus feitos tanto no campo político como no militar. Pelo que nos é relatado, ao longo da sua vida Alexandre comportou-se quase como um nómada (veja-se aqui, em animação, o percurso das suas campanhas), numa mobilidade contínua contra quem não se lhe submetesse e que resultou no Império representado abaixo.

Se o génio militar de Alexandre está selado para além de qualquer controvérsia**** por causa daquelas vitórias em batalhas convencionais, alguns acontecimentos da história mais recente têm-me levado à questão se Arriano e a nossa percepção moderna de Alexandre estabelecida por seu intermédio, não nos teremos enganado e subestimado aquilo em que o rei macedónio também era verdadeiramente genial… É que as campanhas fracassadas no Afeganistão por britânicos (Século XIX) e soviéticos (Século XX) e as dificuldades atravessadas actualmente por norte-americanos (no Iraque) e pela NATO (no Afeganistão) parecem mostrar onde está o verdadeiro problema.

* Anabasis Alexandri, no original.
** Oh, o Oriente é o Oriente e o Ocidente é o Ocidente e os dois jamais se encontrarão.
*** Kipling nasceu em Bombaim, na Índia, de pais britânicos.
**** Por exemplo, o historiador militar britânico John Keegan, que muito prezo, escolhe-o como um dos líderes militares de referência em The Mask of Command.
Excelente análise. Pela sua síntese, pelo ângulo observado e pela conclusão retirada
ResponderEliminarLS
Obrigado, LS.
ResponderEliminarGostei muito de ler este teu post. Grande capacidade de analisar aspectos que, na maioria das vezes, não são sequer considerados. Importante a observação do grande distanciamento entre os acontecimentos e os relatos escritos, favorecendo assim a lenda, o mito.
ResponderEliminarLendo e aprendendo.Obrigada.
Obrigado eu, pelo comentário.
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