22 julho 2006

O que eu mais aprecio nestes letreiros que se costumam afixar à porta das lojas dos centros comerciais é a característica de, pretendendo passar por cordiais e informativos, acabam por não conter nada que ajude o potencial cliente na decisão se deve ficar à espera ou não. O vendedor volta já, mas já quando? Há quando tempo saiu? A que horas conta voltar?

Enfim, é uma certa forma descontraída e inconsequente de se estar na vida. Como vou de férias, acho que até eu tenho desculpa porque eu também volto já...

21 julho 2006

ISRAEL

Aparentemente, não tarda que o dispositivo militar israelita no norte de país esteja constituído por forma a que ele possa entrar em movimento, invadindo o sul do Líbano, e dando um aspecto mais convencional à guerra híbrida que tem estado a travar ao longo da fronteira contra o Hezbollah. Quanto mais tempo demorar poderá ser um indicativo da resistência que os israelitas esperam vir a encontrar.

Seria uma grande surpresa, embora não fosse impossível, que, desta vez, as forças armadas israelitas não conseguissem atingir os objectivos tácticos a que se propõem. Os acontecimentos naquela região tendem a repetir-se nos preliminares embora nunca haja a certeza que aconteça o mesmo quanto à conclusão. Poderá mesmo vir a ser lido como receio – e como tal uma fragilidade – israelita, se o Hezbollah não vier a ser desalojado.

Recorde-se que Israel venceu consecutivamente a Guerra dos Seis Dias (1967) e a do Yom Kippur (1973), ambas convencionais, contra dois grandes inimigos (Egipto e Síria), mas como se veio a saber muito depois, do ponto de vista militar a segunda delas foi vencida mesmo à tangente, com todo o apoio que os Estados Unidos naquela altura puderam disponibilizar. Em guerra, nunca pode haver garantias.

Há quem diga que isso – um outro conflito convencional poderia não correr de feição e Israel não se pode permitir perder nenhuma guerra no terreno – terá sido uma das causas principais que contribuiu para a assinatura dos Acordos de Camp David (1979) entre Israel e o Egipto. Assim se encerrou a inimizade entre Israel e o Egipto. Mas inimigos foi coisa que Israel nunca teve falta.

Ao reactivar-se agora – se isso vier a acontecer – a invasão do sul do Líbano, também esta será uma reencenação de uma outra operação (1982), baptizada na altura Paz para a Galileia* e dirigida pelo mesmo Ariel Sharon cujo desaparecimento recente (continua em coma) é capaz de ser uma das causas para que os acontecimentos estejam a decorrer da forma que decorrem. Segundo as sondagens, a popularidade de Olmert é agora enorme.

Como aconteceu repetidamente no passado, as vitórias militares (1967-1973-1982) de Israel acabam por ser desbaratadas na mesa de negociações porque as posições de força dali obtidas acabam sempre por se desvanecer. Do lado israelita já se poderia ter concluído que os interlocutores cordatos e fiáveis que eles desejariam encontrar do outro lado da mesa não devem existir.

Para negociar, ficam os outros, os maus e os péssimos e ambas as categorias só entendem a linguagem da força. Entre os dirigentes de Israel é capaz de existir uma escola que defenda que uma operação militar de grande envergadura de quando em vez amacia a oposição árabe da mesma forma que a sua artilharia amacia o terreno que se preparam para invadir no Líbano.

Mas, dizem os grandes mestres da guerra as vantagens militares obtidas têm que ser um meio para um objectivo político como seja a neutralização - pela conclusão de um acordo de paz - de mais um dos seus inimigos da região, e nunca um fim em si mesmo.

O que pode - e costuma - acontecer é que Israel ganha, com estas operações renovadas, mais uma meia dúzia de anos mais tranquilos a que, se nada se modificar em termos de acordos políticos, se seguirá um outro novo período turbulento. No fundo, há que reconhecer que, no que concerne ao longo prazo e à grande estratégia, o tempo e, com ele, a demografia estão do lado dos árabes e os israelitas é que têm a geografia contra si.

* Tendo sido escolhido um nome para a operação destinado a ter repercussão doméstica, internacionalmente o nome revelou-se um enorme fiasco e serviu mesmo de arma de arremesso mediática contra Israel.

O CÃO QUE MORDEU O HOMEM E OUTROS TÍTULOS DE SEXTA-FEIRA NO PÚBLICO

O que as Sextas-Feiras têm de bom na perspectiva informativa consiste em ser o dia de saída dessa referência da informação chamada Inimigo Público o que, por sua vez, já levantei aqui essa suspeita, obriga a maiores esforços imaginativos de quem se encarrega de escolher as capas do Público original.

Hoje, para contra atacar um portentoso título que anuncia que brevemente irá estar disponível uma gasolina de 48 e 45 octanas para pobres o outro jornal recorre a um outro, mais pobrezinho, que dando conta que a ministra da educação não convenceu os deputados da oposição. As razões para o destaque na inserção deste último título são incompreensíveis.

Julgo estar hoje completamente difundido e ser canónico o exemplo que a notícia não é o cão morder o homem mas sim o homem morder o cão. Já ouvi a frase a Guterres e Nuno Markl, para mal dos nossos pecados, fez dela um modo de vida. Por isso, não percebo qual será a relevância noticiosa daquele título sobre a actuação da ministra da educação.

Quando todos sabemos como são preparadas as cenografias dos debates teria sido uma completa anormalidade algum deputado da oposição sair dali confessando a ministra convenceu-me ou a ministra declarar, por sua vez, tenho que reconhecer que me espalhei ao decidir repetir as provas. O que se passou ontem na Assembleia da República foi de uma banalidade de página interior. Tirando a agitação de Luísa Mesquita que precisa visivelmente que alguém lhe receite uns ansiolíticos.

Eu só perceberia que se desse um grande destaque a uma peça de teatro se ela fugisse ao autor e surpreendesse verdadeiramente a assistência, tipo Romeiro do Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett acabou mesmo por revelar a sua identidade. Ou no caso de que estamos a falar umas garrafais: MINISTRA DA EDUCAÇÃO CONVENCEU DEPUTADOS DA OPOSIÇÃO.

20 julho 2006

OH, QUE PENA!

Embora na versão original tivesse muito mais piada, afinal parece não haver nenhuma relação cabalística especial do Bloco de Esquerda com o número 61 (que é um número primo, portanto cheio de potencial…). Os esclarecimentos prestados pelo Bloco e inseridos aqui parecem-me ser satisfatórios e afastar quaisquer dúvidas.

Resta contudo um elemento trágico-cómico no assunto, e esse no artigo original do Expresso, publicado no fim-de-semana, a demonstrar da parte dos jornalistas seus autores um analfabetismo aritmético verdadeiramente confrangedor. Para recordar que há outras maneiras de os jornalistas se mostrarem incompetentes, para além de saberem redigir bem...

SOMEWHERE HEALTH HOTEL


A Marriott International, proprietária da maior cadeia de hotéis dos Estados Unidos, anunciou ontem que irá proibir que se fume nos quartos(*) de todas as suas unidades dos Estados Unidos e do Canadá. A novidade, muito salutar, é que a decisão não foi atribuída a qualquer preocupação hipócrita com a saúde pública, mas simplesmente a uma questão de rentabilidade.

Tanto pior para a máxima comercial, frequentemente anunciada, que considera que o cliente tem sempre razão. Se o cliente fumar, nos Estados Unidos o cliente não tem razão, nem tem direito a ter razão. Se quiser, que se mude para outro hotel onde permitam essas práticas lesivas para a saúde. Tanto mais que isso permite às empresas hoteleiras reduzir os seus custos operacionais.

A quem estiver a dirigir a Marriott International actualmente vale a pena não perder o balanço para o próximo passo da poupança saudável de custos: a racionalização das dosagens dos seus pequenos-almoços buffet. Uma alimentação saudável com as calorias e as proteínas correctas - nada desses abusos de se servir à discrição! - para o adelgaçamento e a obtenção de uma silhueta harmoniosa, idêntica à daqueles americanos que se costumam ver nos programas da TV!
(*) Pode ser que haja no hotel um lugar expressamente destinado aos fumadores, normalmente o antigo cubículo da arrecadação das vassouras, redecorado para o efeito com três cadeiras e dois cinzeiros, e onde se acotovelam 47 fumadores simultaneamente (entre hóspedes e staff). Como passatempos para os hóspedes, além do tradicional jogo das cadeiras, há aquele jogos de construção para empilhar as beatas de tantos fumadores em dois cinzeiros apenas...

Nota: Declaração de interesses à José Pacheco Pereira (só se fazem quando realçam o nosso grau de independência do assunto em apreciação): (já) não fumo.

19 julho 2006

BACOCO

Bacoco, no dicionário, é definido como um indivíduo ou designativo de algo pacóvio e/ou ingénuo. Interiormente, associei aquele adjectivo ao sinónimo de atitudes de admiração embevecida de acontecimentos vindos do estrangeiro, quando feitas sem qualquer verificação crítica.

Um exemplo de um acontecimento bacoco, por excelência, foi a convocatória para uma manifestação de desagravo da parte dos fãs de Michael Jackson por ocasião da sua prisão, pelas razões do costume (…), onde creio que compareceram mais jornalistas destacados para a cobertura do evento do que propriamente manifestantes…

O episódio bacoco do dia foi a publicação no Público de um extenso artigo intitulado O ataque preventivo do Irão, da autoria e expressando a opinião de Edward N. Luttwak, apresentado no rodapé como um estratego militar e membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington.

É preciosa a existência do subtítulo ressalvando que se trata da opinião de Luttwak, porque nos deparamos com uma narrativa e uma elaboração de acontecimentos não confirmados, apontando, como o próprio título indica, a que toda a manobra tivesse sido desencadeada a partir de Teerão, sendo Israel um mero agente reactivo.

Como introdução, Luttwak faz dos acontecimentos recentes, uma rejeição explicita por parte do Irão da oferta de acordo da Europa e dos Estados Unidos para o abandono dos programas de enriquecimento de urânio. De facto, os iranianos já haviam anunciado que dariam a sua resposta publicamente daqui a um mês (a 22 de Agosto, salvo erro).

É uma possibilidade, mas não passa disso. Há muitas outras interpretações possíveis para as causas dos acontecimentos. O resto do artigo está redigido da mesma forma, uma interpretação mais imaginativa e conspiratória dos acontecimentos que, como diz o professor José Hermano Saraiva, não é impossível que tivessem acontecido.

Mesmo assim, para que a história continue a fazer algum sentido há alguns factores mais desajustados, como a subordinação do Hamas – organização de forte cariz sunita – a uma estrutura tecida de cumplicidades políticas e religiosas entre xiitas, que acabam por ter de ser inseridos na narrativa de uma forma um pouco forçada e praticamente inexplicada.

Num outro exemplo mais adiante – escalpelizado aqui – a resistência à aceitação do Hezbollah pela sociedade libanesa enquanto partido armado é deduzida e assumida como um axioma, enquanto as sondagens de opinião efectuadas no Líbano desmentem claramente essa dedução.

Não é difícil adivinhar que no fim do artigo de opinião Israel apareça eximido de responsabilidades. A parte que considero mais bacoca de tudo isto é que, para efeitos de esclarecimento do leitor, não havia qualquer necessidade de ir buscar um artigo de opinião tão engajado, só pelo facto de ser assinado por um estrangeiro.

Deve haver em Portugal quem possa produzir artigos de opinião sobre o assunto melhores porque muito mais ponderados. Mesmo sem sair do jornal, ao lado do de Luttwak podia-se ler um outro, mais sóbrio, mais factual e mais equilibrado a propósito das incertezas da data de um cessar-fogo assinado por Jorge Almeida Fernandes…

A não ser que o propósito do famoso artigo de Luttwak fosse outro. Se for, já saiu atrasado porque julgo que a maioria das opiniões de quem se interessa pelo tema já está formada. O artigo de Luttwak, arrisca-se a só servir para a famosa citação de Groucho Marx: Afinal, em quem é que você acredita, em Luttwak ou nos seus próprios olhos?*

Nota: O artigo não está disponível na net.

* Na cena original, Groucho Marx, apanhado numa mentira flagrante não se desmancha e interpela a sua opositora: Afinal em quem é que você acredita, em mim ou nos seus próprios olhos?

A COLMEIA

Deve ser como consequência dos recentes atentados em Bombaim que as autoridades indianas decidiram bloquear websites e blogues que contivessem determinados conteúdos políticos (presume-se que extremistas), conforme se pode ler nesta notícia do Financial Times (em inglês).

Já quase todos reconhecem que a Índia poderá vir a transformar-se, no futuro, numa das superpotências mundiais, conjuntamente com a China. Mas, contrariamente ao que se possa pensar e muitas vezes se admite, a Índia não é uma outra China, que o acaso fez arrancar mais tarde na senda do desenvolvimento económico.

O modelo indiano parece ser mais vagaroso quanto ao ritmo de crescimento económico do que o modelo chinês mas é socialmente muito mais consensual porque fundado num sistema de base democrática, com eleições livres e onde há rotatividade nos partidos e protagonistas que exercem o poder.

Sendo a Índia a tartaruga da corrida nos ritmos de crescimento económico, é de nos questionarmos se a lebre chinesa não terá de fazer um compasso de espera, para se reajustar socialmente às mudanças que o desenvolvimento económico lhe está a causar. Como na história original, apesar das aparências, o desfecho da corrida pode ser imprevisível.

Na meta, os dois modelos serão tão distintos quanto outrora o foram o soviético e o norte-americano na captação do interesse dos países que, na altura, venham a estar em fases intercalares do desenvolvimento. Por isso, talvez seja de considerar esta decisão agora tomada pelos indianos como um passo na direcção errada.

Usando uma daquelas metáforas milenares em que as civilizações asiáticas são pródigas, parece que as autoridades indianas andam a dançar perto de colmeias, irritando as abelhas, mas sem dali recolher mel. Milhares de bloggers e internautas indianos (as abelhas) devem estar furiosos com estes encerramentos.

Por outro lado, os resultados do encerramento (o mel) serão irrisórios porque, como muito bem explica o próprio artigo do jornal, os expedientes que poderão ser utilizados pelos furibundos autores, com a disposição agravada pela intervenção governamental, pode transformar a presente iniciativa num majestoso fiasco.

Mais um exemplo como a reacção a acontecimentos como grandes atentados terroristas podem muito facilmente, em qualquer lado e em qualquer civilização, desencadear medidas de carácter visivelmente totalitário. Normalmente de efeitos duvidosos...

O RECADO… NA GRANADA

Por múltiplas vezes, as nossas televisões passaram-nos cenas captadas no Médio Oriente, onde crianças, pertencentes possivelmente às organizações juvenis das milícias árabes radicais, desfilavam com armas de brincadeira ou mesmo verdadeiras, numa espécie de demonstração grotesca de militância.

Não sou dos que pensam que as réplicas de armas excitam a violência das crianças, tenho até quem assim pensa em pouca consideração e, mais do que isso, sou suspeito porque, como antigo aluno do Colégio Militar, também eu quando era jovem desfilei de espingarda ao ombro.

Mesmo considerando completamente distintas o carácter benigno com que se realizam aqueles desfiles entre nós e o carácter propagandístico dos das crianças das organizações radicais, continuo a considerar estes últimos num limiar de uma farsa de um gosto duvidoso, a que não sou sensível. Conforta mais os apoiantes do que atemoriza os oponentes.

Não consigo é arranjar explicação para a fotografia recente da AFP, que encima este post, que retirei do jornal The Australian. A legenda diz: raparigas israelitas escrevem mensagens em inglês nas granadas prontas para serem disparadas para alvos do Hezbollah, no sul do Líbano.

Não me quero fazer passar por ingénuo, parecer que me excedo na minha indignação, mas confesso a minha curiosidade sobre qual poderão ser os conteúdos das mensagens que as miúdas da idade que a fotografia mostra poderão escrever numa munição real que elas possivelmente sabem que se destruirá quando atingir o alvo.

E também me intriga que pensamentos poderão ter cruzado o espírito dos adultos que lhes facultaram o acesso às munições e a um passatempo que as miúdas acharão decerto tão recreativo. Assim como me interessará especular sobre os pensamentos que terá tido o fotógrafo que tirou aquela fotografia.

Ora os israelitas assentam quase toda a sua manobra mediática mundial na mensagem essencial que Israel é o país que, no Médio Oriente, defende a civilização ocidental contra a barbárie asiática. Por isso e para isso, estão constantemente a acenar aos países ocidentais pela nossa compreensão e simpatia pela sua causa.

Contudo, no Ocidente, mesmo nas guerras mais fratricidas, não tenho conhecimento de nenhum episódio vagamente semelhante ao acima retratado. Suspeito até que ele seria vigorosamente criticado. Crianças alemãs a escreverem mensagens em bombas que cairiam sobre Londres, por exemplo, é algo que parece perfeitamente impensável. Como o reverso também.

Associar crianças aos actos de guerra sempre foi tabu na civilização ocidental. As crianças soldado são aberrações de milícias de países de terceiro mundo. E é por causa destas imagens que os europeus vão ficando dos israelitas com uma imagem gradual e subtilmente cada vez mais alienígena… Tão alienígena quanto a imagem de árabes que usam bombistas adolescentes que se explodem...

18 julho 2006

O PÚBLICO MELHOROU...

Parafraseando uma rubrica do jornal, inscrita num pé de página a meio do jornal (O Público errou), vale a pena referir que a edição de hoje (18 Julho) se apresenta muito mais equilibrada quanto à forma como faz a cobertura dos acontecimentos do Médio Oriente, incluindo até um artigo de opinião da autoria de Vital Moreira, cuja objectividade faz recordar José Goulão, aquele farol da defesa irredutível da causa palestiniana no jornalismo português.

O artigo, de tão tendencioso, bem me poderia merecer aqui no blogue um comentário, não fosse a iniciativa antecipada do sempre atento José Pacheco Pereira, que o faz no seu blogue Abrupto. Sempre atento é evidentemente uma força de expressão porque no caso do mesmo jornal e dos seus títulos da edição de ontem, ou Pacheco Pereira não comprou o jornal, ou não costuma ler aquilo que José Manuel Fernandes escreve, ou… as suas omissões demonstram tanta má-fé como aquela que atribui hoje - ou faz atribuir, recorrendo a terceiros... - ao artigo de Vital Moreira.

OS AYATOLLAHS DO OUTRO LADO

Marcou-me a forma como decorreu o debate sobre o interminável conflito israelo-árabe no último Expresso da Meia-Noite, da passada Sexta-Feira. Pela fragorosa parcialidade pró-israelita de uma das intervenientes (a pedir a comparência, para equilibrar, do inolvidável José Goulão) e pela forma como, graças a ela, activamente, e aos moderadores, passivamente, a conversa se centrou nas aberrações constantes dos estatutos das organizações radicais islâmicas.

Nunca é demais realçar o radicalismo e os propósitos extremistas de organizações como o Hamas ou o Hezbollah, o que foi feito ao longo daquele programa, e muito bem, no meu entender. O problema foi a quase absoluta ausência de menções ao radicalismo do outro lado do conflito – porque um conflito sempre se faz do choque de interesses de duas partes… – que teria ajudado o espectador a compreender porque é que a obtenção de um compromisso se torna assim tão difícil.

Simbolicamente, posso sugerir – embora à posteriori – que a situação poderia ter sido muito bem representada pelo mais que provável conversa de surdos entre a indefectível apoiante de Israel, Manuela Franco (suponho ser este o seu nome), e José Goulão, um valor seguro no que diz respeito ao facciosismo pró-árabe. Da forma que decorreu, até parece que as aberrações intelectuais repousam todas do lado dos árabes, nomeadamente do seu clero, o que é apenas uma face da verdade.

Procurando corrigir isso, modestamente, este blogue procura demonstrar que existem aberrações também do outro lado, juntando aqui uma ligação para um excelente e esclarecedor artigo de William Kristol, provavelmente o guru mais proeminente dos neo-conservadores norte-americanos, que escreve na The Weekly Standard da semana, considerando que esta guerra é a nossa (deles) guerra, que Bush devia ir para Jerusalém e que os Estados Unidos deviam confrontar o Irão

Deixem-me confessar-vos a minha antipatia pelos radicalismos, sobretudo pelo islâmico, mas também a minha defesa de uma informação equilibrada É que deve haver tempos de antena equilibrados para os malucos dos dois lados…

17 julho 2006

A GUINÉ QUE CEDEMOS À ESPANHA

Foi em 1778, no âmbito do Tratado de Santo Ildefonso assinado entre Portugal e a Espanha, que, como objecto de permuta entre as possessões portuguesas do sul do Brasil e as espanholas do norte da Argentina, do Uruguai e do Paraguai, a Espanha veio a receber a sua primeira possessão na África negra.

A cedência incluiu duas das quatro ilhas que Portugal controlava no Golfo da Guiné, Fernão do Pó e Anobom (as outras, não cedidas, são as de São Tomé e do Príncipe) e uns vagos direitos de comércio nas costas do continente africano, para a faixa que se estendia da foz do rio Níger até á do rio Ogoué.

Descobertas pelos portugueses aproximadamente pela mesma altura (primeira metade da década de 1470) as ilhas foram povoadas da mesma forma, recorrendo a uma pequena elite portuguesa, quase exclusivamente masculina, predominante sobre uma esmagadora maioria de escravos africanos trazidos do continente.

Como se pode observar pelo mapa acima, as quatro ilhas, todas vulcânicas, dispõem-se de Nordeste para Sudoeste, gradualmente cada vez mais afastadas do continente africano: Fernão do Pó* (2.034 Km2 e um pico de 3.007 metros de altitude), Príncipe (128 Km2), São Tomé (836 Km2 e um pico de 2.024 metros de altitude) e Anobom (17 Km2).

Não encontrei detalhes sobre o processo negocial que terá conduzido à escolha daquelas duas ilhas (a mais setentrional e a mais meridional) para a cedência mas será aceitável admitir que, do ponto de vista português, teriam sido aquelas em que existiria menos interesse em preservar sob o domínio português.

A nova colónia espanhola esteve sempre isolada das outras possessões e dos verdadeiros interesses coloniais espanhóis, nada de importante havendo a referir sobre ela a não ser que, às duas ilhas se veio posteriormente a reunir, por altura da repartição de África, nos finais do Século XIX e por causa dos direitos comerciais já acima mencionados, um naco de território continental de 26.000 Km2, retalhado geometricamente no meio da selva.

Tendo ficado a ser conhecida por Guiné Espanhola a partir dos princípios do Século XX (para as distinguir das suas homónimas portuguesa e francesa), e com os interesses coloniais espanhóis todos apontados para Marrocos e o norte de África, é mesmo uma minudência de curiosos saber da existência desta colónia espanhola perdida no meio da África equatorial.

O desinteresse espanhol pode também ser avaliado pela discrição com que o regime franquista concedeu a independência ao novo país – designado por Guiné Equatorial – em Outubro de 1968, ao mesmo tempo que, recorde-se, os seus vizinhos portugueses se agarravam à sua política ultramarina e quando ainda faltavam 7 anos para a Espanha se decidir a fazer o mesmo aos fosfatos do Sahara Ocidental.

A Guiné Equatorial independente depressa se tornou conhecida por ser uma ditadura tão ridícula quanto feroz, moldada pela figura despótica e semilouca do primeiro (e único) presidente, Francisco Macias Nguema. Frederick Forsyth escolheu o país, o regime e o tirano como inspirações para o seu livro The Dogs of War (Cães da Guerra).

A pobreza associada com a forma aleatória como a brutalidade do poder era exercida pelo regime de Macias Nguema conseguiu que a Guiné Equatorial detivesse o desinteressante recorde mundial da maior percentagem de população exilada em relação à população residente no país (cerca de 40%, num total de 120.000 pessoas).

Em 1979, um sobrinho de Francisco Macias Nguema, Teodoro Obiang Nguema derrubou o seu tio num golpe de estado, mandando-o fuzilar, e mantêm-se no poder desde aí, que, segundo todos os relatos, continua impressionantemente brutal mas menos aleatório na forma como se exerce.

Encarada de uma certa forma benigna, a Guiné Equatorial é um pequeno país (500.000 habitantes e 28.000 Km2) que se sente desgarrado no meio de África, sem vizinhança próxima com quem se possa sentir aparentado, dado o seu historial de dependência de uma potência colonizadora e uma metrópole que nunca lhe prestou qualquer atenção.

Por conveniência própria, inseriu-se no bloco financeiro francófono, usando o Franco CFA como moeda. Também adicionou o francês aos seus idiomas oficiais. Mas, na prática, falta de alternativas em castelhano (a língua oficial), as emissões por satélite da RTP África são ali muito populares (para quem as consegue receber), e são vários os casos de portugueses que descobrem, com surpresa, um natural da Guiné Equatorial a questioná-lo sobre as personalidades por detrás dos bonecos da Contra-Informação.

A descoberta de imensas jazidas de petróleo na plataforma continental em 1996 permitiu, com a sua extracção – a Guiné Equatorial já é o terceiro maior produtor da África ao sul do Sahara, depois da Nigéria e de Angola – que o país registasse taxas de crescimento económico perfeitamente mágicas (18,6% em 2005, segundo o CIA World Factbook).

É esta espécie de emirato petrolífero (o sexto país mais rico do mundo em rendimento per capita, mas com a riqueza concentrada numa minoria), sem emir, sem areia, com um ditador e muita floresta tropical, ao mesmo tempo isolado no meio dos grupos anglófonos e francófonos predominantes em África, que se candidatou a membro, com o estatuto de observador, da CPLP.

Curiosamente, as consequências do velho Tratado de há 228 anos poderão vir de novo ao de cima, com São Tomé e Príncipe e a Guiné Equatorial a terem de solucionar o problema da repartição das águas territoriais que rodeiam as ilhas de São Tomé e de Anobom, no fundo das quais se supõem existirem ricas jazidas de hidrocarbonetos.

* A ilha chama-se agora Bioko.

CARTEL DO SAL

É de saudar, simultaneamente, tanto a máquina comunicacional que tem sido eficaz no destaque dado às decisões da Autoridade da Concorrência (AdC), como o próprio organismo em si, pelas decisões que ultimamente tem emitido. A última a ser anunciada penaliza com uma multa de 910 mil euros um conjunto de quatro empresas pela formação de um cartel que regulou durante anos em Portugal o preço praticado pela venda do sal.

Para além da bondade que se extrai directamente da actividade da AdC, considero haver uma outra, colateral, porque as suas decisões, estritamente do âmbito técnico, demonstram na prática e repetidamente como são ideológicas e, muitas vezes, demagógicas, embora disfarçadas de técnicas, as teses, disfarçadas de regras de funcionamento do mercado, apresentadas pelos defensores mais entusiasmados, mas também mais canhestros, do liberalismo.

Como o determinismo histórico do marxismo de outros tempos, que garantidamente conduziria inevitavelmente todas as sociedades para o socialismo, também os mercados agora reagem e se ajustam automática e indubitavelmente às quaisquer novas condições, sempre para benefício geral de todos os seus intervenientes. Parece ser sina de cada era a existência destes mitos, sempre apresentados como certezas e com todo o zelo pelos propagandistas da fé, seja ela qual for.

…NÃO OBRIGADO!

Em circunstâncias que ele considerará idênticas às que vou expor, as de um tratamento jornalístico desesperadamente parcial em relação a uma das partes numa disputa qualquer, símbolo evidente de jornalismo engajado, José Pacheco Pereira (JPP) costuma inserir a imagem de um cãozinho, de frente e focinho virado para o leitor, rosnando e mostrando os seus grandes dentes aguçados.

Mas desconfio que, por detrás daquele seu aparente distanciamento dos assuntos tratados, camuflado de objectividade, está, por sua vez, um engajamento político seu, também carregado de parcialidade – como será o caso deste renovado conflito israelo-árabe, onde não será muito difícil adivinhar fortes simpatias pró-israelitas da parte de José Pacheco Pereira.

Por isso, involuntariamente decerto, é capaz de lhe ter escapado uma interessante distorção da cobertura noticiosa do Público de hoje (17 Jul.) sobre o referido conflito. Tentando imitar-lhe o estilo, de citações imediatamente seguidas dos comentários, teremos, começando pelo título de primeira página:

MÍSSEIS DO HEZBOLLAH MATAM CIVIS NA CIDADE MAIS TOLERANTE DE ISRAEL

Pelos vistos, o barbarismo da acção é ampliado por ter causado a morte de civis agravado por o ter feito na cidade mais tolerante de Israel. Aqui fico confuso, quanto ao conceito de uma cidade tolerante, excepto quanto à impressão que atacar cidades tolerantes ainda é pior do que atacar quaisquer outras cidades, das normais.

Mas permanece-me a dúvida quanto à concretização sobre o que será tolerante: Amesterdão é tolerante, por ter aquelas ruas dedicadas à prostituição? Ou estamos a falar de outro tipo de tolerância? Mas qual? Já agora, qual é a cidade que quem escolheu o título pensa ser a mais tolerante de Portugal?E seguindo para o subtítulo da notícia:

Raides israelitas no Líbano provocam 45 mortos e mais de 100 feridos.

É importante ver as consequências das acções de um dos contendores com o número de vítimas quantificadas, mesmo que isso aconteça em subtítulo. Do facto de aparecer em subtítulo é de toda a naturalidade que se possa concluir que os raides israelitas foram de gravidade e/ou de importância menor.

O leitor poderia ter uma oportunidade de formar uma opinião se dispusesse logo ali da informação do que aconteceu à parte contrária, ou seja, o número de civis mortos e feridos na cidade mais tolerante de Israel. Não está ali disponível mas fica-se a saber nas páginas interiores que houve 8 mortos e 53 feridos, ou seja, os raides israelitas tiveram efeitos muito mais mortíferos do que os mísseis do Hezbollah...

É maçudo analisar com o mesmo detalhe as quatro páginas seguintes (p.2 a 5), onde se inclui uma explicação a uma coluna completa sobre a história de Haifa, mais uma vez apresentada como a cidade mais tolerante, mas continuando sem explicação concreta alguma para as razões para ser assim designada.

Mas vale a pena destacar, porque envolvendo o director do próprio jornal, uma reportagem (p.5) e o editorial (p.6) de José Manuel Fernandes, a primeira intitulada A Vida sob a ameaça dos mísseis Qassam e ilustrada com a fotografia de uma criança israelita chorando em frente a uma ambulância e o segundo intitulado Uma Guerra diferente com o subtítulo A diferença entre conflitos políticos e religiosos é que os primeiros admitem compromissos, os segundos não.

A reportagem – excelente – poderia perfeitamente ter sido feita do outro lado com um retoque no título (A Vida sob a ameaça das bombas dos F-15) e onde a ilustração podia ser até com mais impacto, porque do lado libanês já se pode disponibilizar uma fotografia com um cadáver de uma criança morta, que ontem ilustrava a peça publicada no Diário de Notícias.

Quanto à tese do editorial, só posso considerá-la um disparate pegado, tão empenhado é o esforço José Manuel Fernandes de justificar as acções desencadeadas por Israel: durante os dez séculos da Idade Média conflito político sempre foi sinónimo de conflito religioso - não vale a pena martelar aqui uma diferença no conflito para justificar comportamentos desproporcionados por parte do beligerante Israel.

Quanto a compromissos, é das normas milenares da arte da guerra, que eles se obtêm quando existe vontade das duas partes em conflito, porque ambas creêm extrair vantagens do seu estabelecimento. Dando um exemplo repetido, e ficando-nos só por Portugal, Afonso Henriques e os seus sucessores fartaram-se de estabelecer compromissos com os monarcas muçulmanos da península e do norte de África.

Não se pense que do outro lado do conflito mora a inocência. Inocência é aqui palavra omissa e quando aparece é, provavelmente, hipócrita. Como a fotografia acima citada ou a notícia que dava oito canadianos mortos num ataque israelita que depois se veio a verificar que se tratava de emigrantes libaneses de férias com dupla nacionalidade.

Esta guerra está a ser travada pela posse das opiniões públicas mundiais e em Portugal alguns órgãos de comunicação social também já foram alistados. Ao aceitar viajar a convite do ministério dos negócios estrangeiros israelita parece que José Manuel Fernandes, metaforicamente, se anda a passear de capacete de pára na cabeça e de pala no olho, como uma espécie de Moshe Dayan moderno e à portuguesa.


Perante tanto facciosismo de parte a parte e, no caso em destaque, num jornal português que se pretende de referência, eu não tenho jeito para rosnar como o boneco do cão de Pacheco Pereira, mas também não resisto à minha ironia, usando, em alternativa, o girassol e o slogan outrora usado pelos verdes – os originais. Objectividade?! Não, Obrigado…

16 julho 2006

COM MUITA PERTINÁCIA…

Com muita pertinácia era uma das locuções favoritas do comentador Alves dos Santos, quando, a relatar os jogos de futebol para a RTP, descrevia jogadores que, em jogadas de insistência, como agora se diz, iam à linha de fundo e conseguiam ainda centrar.

Mudando de assunto, mas ainda indirectamente associado à pertinácia, há pessoas que olhando para elas as classificamos instintivamente por pessoas de convicções. A outras, também sem grandes racionalizações, classificamo-las como pessoas de atitudes.

Embora a terminologia possa variar, aquilo em que as primeiras acreditam é determinante para a forma como actuam, enquanto que para as segundas aquilo em que acreditam torna-se apenas instrumental porque o que valorizam é a atitude que adoptam.

Não são traços de carácter mutuamente exclusivos, todos deverão ter no seu proporções variáveis de um e outro, embora, naturalmente, haja uma minoria de pessoas que se situam nos extremos, onde um dos traços predomina completamente sobre o outro.

Não me surpreende ter descoberto que, no seu passado, a recém-eleita presidenta da distrital de Lisboa do PSD, Paula Teixeira da Cruz, teve momentos de verdadeiro empenhamento revolucionário quando mais jovem, em Angola.

Como exemplo extremado de uma pessoa do segundo tipo que acima enumerei, é bem capaz de ter defendido imensas coisas diversas consecutivamente ao longo da sua vida, mas com certeza que as defende a todas com uma determinação impressionante!

Mas, apesar da sua recente vitória, desconfio que mesmo com toda a pertinácia, Paula Teixeira da Cruz não chegue aonde suponho que estejam as suas ambições…
Nota: A fotografia foi retirada do Blasfémias, a quem agradeço.

A POSIÇÃO EUROPEIA

Depois de ler as censuras de ontem de Vital Moreira à actuação da União Europeia no reacendido conflito israelo-árabe (eu ia escrever palestiniano, mas Israel, por este andar, arrisca-se a acabar em conflito com toda a vizinhança…), seguem-se as censuras de hoje, agora da autoria de Francisco Louçã.

Como acontece quando chega atrasado, Louçã teve de arranjar um discurso de irmão Dupont (eu direi mesmo mais…) e nem chegou a ouvir as tais palavras condenatórias que Vital Moreira censurou por se resumirem apenas a palavras: “a Europa, que tem estado silenciosa, tinha de ter um papel para a defesa e solidariedade com aqueles povos para impedir e parar a guerra".

Passando adiante, como ontem propuz a Vital Moreira, o esclarecimento das formas concretas do papel como Louçã propõe que se impeça e pare a guerra – suspeito que ele poderia ter tido um grande futuro como constitucionalista... – tenho de vos confessar a minha saturação por estas evocações repetidas, desnecessárias e descabidas a essa figura mítica das relações internacionais chamada União Europeia.

Composta por 25 aparelhos diplomáticos distintos, onde os três ou quatro mais poderosos têm normalmente posições subtilmente distintas uns dos outros a propósito de quase tudo, a política externa da União é felizmente representada por alguém (Javier Solana) que, com o seu permanente sorriso, parece encarar essa situação – que normalmente descamba em impasses - com alguma bonomia. O que conta são as políticas externas da Alemanha, do Reino Unido ou da França, da Itália, que as exprimem separadamente, como se pode observar aliás na actual cimeira do G8.

Vital Moreira e Francisco Louçã até podem ser uns sonhadores, que sonhem com o dia em que a política externa europeia seja concertada, mas não serão sonhadores desatentos da realidade que os rodeia e que lhes mostra que, nestes assuntos sérios, a União normalmente prefere não ter posição, para não ter posições contraditórias. Evocá-la é, no mínimo, ingénuo senão desonesto, porque a posição da União Europeia é tão concreta e ainda menos concertada do que a da Branca de Neve e dos sete anões…

15 julho 2006

ACÇÃO CONSTITUCIONAL

Num seu poste do seu blogue Causa Nossa, que até foi transcrito para o Diário de Notícias de hoje, Vital Moreira censura a União Europeia por se cingir apenas às palavras na condenação que ele entende que se deve fazer a Israel pelas acções que tem vindo a desencadear contra os palestinianos.

Mais concretamente e citando parte das suas palavras: “Mas quando se trata de forçar Israel a pôr fim ao uso desproporcionado da força e ao ataque ilícito a objectivos civis, a UE fica-se... pelas palavras”. Não esqueçendo a opinião - que compartilho - que a maioria das últimas acções de Israel são condenáveis, considero que teria sido muito mais interessante se Vital Moreira tivesse acrescentado ali algumas ideias concretas sobre a forma como a União forçaria Israel.

Este estilo palavroso e exuberante do nosso emérito constitucionalista Vital Moreira faz-me lembrar o episódio durante a fase da sua elaboração, em que os autores da Constituição americana equacionaram a hipótese de adicionar um preceito constitucional que proibia os Estados Unidos de virem a possuir um exército com efectivos superiores a 3.000 homens.

Em resposta, sem contrariar frontalmente os proponentes daquele disparate, mas de uma forma inteligentemente irónica, George Washington propôs, com toda a seriedade, que àquele preceito constitucional, se adicionasse um outro preceito, que também limitasse as forças dos futuros inimigos dos Estados Unidos a 3.000 homens… A proposta foi retirada.

Esta deficiência dos constitucionalistas em perceber a realidade dos problemas, que parece ser congénita, pode até ser parodiada ironicamente, um pouco como Washington o fez, adaptando precisamente a frase de Vital Moreira acima citada: “Mas quando se trata de explicar como a União pode forçar Israel a pôr fim ao uso desproporcionado da força e ao ataque ilícito a objectivos civis, Vital Moreira… nem pelas palavras se fica.”

14 julho 2006

AS VEDETAS DO LIBERALISMO: DE PEDRO ARROJA A PACHECO PEREIRA


Os Grandes Mestres de xadrez tem por costume mostrar a sua categoria e contribuir para a difusão do desporto participando em simultâneas. Jogando o Mestre simultaneamente contra dezenas de oponentes, estes têm a vantagem de poder reflectir nas jogadas com muito mais tempo que o opositor. Normalmente, qualquer Grande Mestre ganha 90% das partidas disputadas porque o jogo dos oponentes é sempre muito previsível.

Nos inícios dos anos 90, auge do cavaquismo, começou a suscitar muita atenção um propagandista do liberalismo, chamado Pedro Arroja (acima), paladino do privado e das privatizações que, num seu programa de rádio, era de uma ousadia tremenda nas medidas que preconizava: desde propor a privatização das prisões até à dos rios, era um ver se te avias… Tudo passaria a funcionar melhor.E, mais do que isso, durante o programa, havia debates com os ouvintes.

A ousadia de Arroja fazer aquele número de circo, num género que ele pretenderia de Grande Mestre do xadrez (90% de vitórias e alguns empates), mas não era, deu-me a perceber que não chegava a haver verdadeira conversa com o ouvinte, Arroja reafirmava a sua mensagem independentemente da argumentação que (não) ouvia do interlocutor e eu descobri que o autismo em discussão não era caso exclusivo dos comunistas e dos fundamentalistas cristãos.

Com a notoriedade assim adquirida, Pedro Arroja deve ter aproveitado para se lançar como consultor de investimentos e actividades relacionadas, como se pode depreender da imagem publicitária que enfeita este post. É preciso uma certa veterania para nos lembrarmos dele. Não é arriscado extrapolar que alguns dos liberais mais novos nem devem ter ouvido falar dele.

Mas Pedro Arroja é uma espécie de bisavô – porque nestas coisas liberais e privadas a eficiência deve ser tanta que as gerações se sucedem com rapidez de coelhos… – do Martim Avillez Figueiredo, de alguns ideólogos do liberalismo que considero sérios, de uma catrefada doutros que são desesperadamente tontos e da mais recente aquisição para a causa, José Pacheco Pereira.

José Pacheco Pereira juntou-se ao clã liberal recentemente, mas fê-lo com tal pose e estilo, como só ele sabe fazer, que faz lembrar o processo da anexação, ocorrida em 1873, da Ilha Príncipe Eduardo (com 135.000 habitantes*) ao resto do Canadá (que tem 30 milhões*), assim comentada pelo governador-geral da época: ficou a impressão que o Domínio (do Canadá) é que havia sido anexado à Ilha Príncipe Eduardo.

Se antiguidade contar para alguma coisa nas hierarquias do liberalismo (desconfio que Pacheco Pereira nos irá explicar brevemente que não…) lembremo-nos que nos tempos em que Pedro Arroja, o fundador despontava para a causa, ainda José Pacheco Pereira era um social-democrata empedernido, ideólogo do cavaquismo, defensor que o reformismo em Portugal era o PSD, partido que tinha os melhores quadros para reformar o país.

Foi uma mensagem que, há que reconhecer, se fixou, imune à passagem do tempo, a Guterres (que era mais humano, não mais competente...), a Durão Barroso, até a fatídica reunião do Conselho Nacional do PSD em que mais de 100 companheiros de Pacheco Pereira – com uma ínfima minoria a votar desalinhada – apoiaram a solução Santana Lopes para primeiro-ministro…

Depois foi o que se viu, e Sócrates ficou com o centro, o governo, o reformismo e a competência. Merecidamente (sempre foram mais de 100 altos dirigentes do partido a sancionar a escolha Santana Lopes!) o PSD está onde está, na oposição e à procura de causas até Pacheco Pereira lhe vir propor, ideologicamente, esta coisa do liberalismo.

Que, lá por ser a única coisa a fazer, não quer dizer que seja coisa que se faça. Segundo creio, o PSD não é, nunca foi e, arrisco, nunca poderá ser, liberal. Suspeitando que Pacheco Pereira saiba disso, é uma ironia que preconize para o seu partido soluções que passem por demonstrar as capacidades camaleónicas que tanto censura no seu inimigo de estimação Paulo Portas…

* População em 2001. Em área, a Ilha Príncipe Eduardo tem 6.000 Km2 dos quase 10 milhões com que conta o Canadá…

A NOVA LEI DE TALIÃO (3)

Shimon Peres (…) e Tzippi Livni (ministra israelita dos negócios estrangeiros) (…) dizem que Israel não procura apenas a compreensão externa para o que considera acções de legítima defesa: quer um maior envolvimento internacional para isolar os grupos terroristas e os Estados que os apoiam.

É assim que começa, com aquelas declarações em destaque, a reportagem, na página 4 do Público, de José Manuel Fernandes (JMF) em Telavive, onde está presumivelmente a convite dos israelitas – no fim da reportagem consta a informação que JMF viajou a convite do ministério dos negócios estrangeiros de Israel.

Apesar de se perceber o propósito desta campanha de charme por parte dos israelitas junto de opinion makers estrangeiros propensos a simpatizar com a sua causa (as posições anteriores de JMF em vários casos de política internacional qualificam-no, apesar dos contorcionismos a respeito do Iraque), parece que ela foi lançada com um atraso excessivo.

Observando os acontecimentos daqui, da Europa, a partir da cobertura que deles está a ser feita, e podendo mesmo manifestar compreensão pelas razões de queixa que os israelitas têm pelo seu lado, ao serem alvo dos atentados terroristas, as vítimas, desta vez, há que reconhecê-lo, estão quase todas do outro lado.

O pior - correndo o risco de soar como um Daniel Oliveira no maniqueísmo com que descrevo o problema transformando-o numa causa - é que, mais do que saber quem está a conquistar as simpatias da opinião pública mundial, as manifestações da parte israelita não parecem ter maior profundidade do que o esmagamento militar dos antagonistas.

Ora, parece que toda a gente em Israel já devia ter percebido que não há nenhuma solução militar para a existência do seu país. Se a houvesse, o problema estaria resolvida há 39 anos, quando Israel, por ocasião da Guerra dos Seis Dias (1967), bombardeou de surpresa as bases e os aeroportos egípcios. Ontem estava a fazer o mesmo ao de Beirute…

13 julho 2006

QUANDO PACHECO PEREIRA ME PARECEU EM PERIGO DE PERDER AS BARBAS…

Diga-se o que se disser, continua a haver momentos interessantes de televisão, daqueles que nos surpreendem. Acontecem quando o interveniente desempenha um papel que dele não é esperado, surpreendente. Entre comentadores próximos do PSD, é um deleite quando Marcelo (Rebelo de Sousa) faz uma pachecada ou, por oposição, a (José) Pacheco Pereira dá-lhe para uma marcelisse.

O público, fiel e atento, fixado por Marcelo não é do tipo que mostre grande apetência e interesse por escutar normas teóricas orientadoras que deveriam reger o assunto em discussão – as famosas pachecadas – fosse ele a actividade política em geral ou simplesmente o comportamento na blogosfera. Marcelo já não se atreve a esse tipo de abstracções, desconfiado que o seu actual auditório cativo nem sequer o acompanharia.

Em contrapartida, Pacheco Pereira ainda se pode permitir a sua marcelisse de quando em vez, o que aconteceu ainda ontem no seu programa Quadraturadocírculo onde, a propósito da recente condenação pelo Supremo Tribunal norte-americano da legalidade do sistema prisional instalado pela presente administração em Guantanamo, falou, falou, falou, contornando propositadamente a essência do assunto, uma especialidade domingueira do seu companheiro de partido.

E de que tanto falou Pacheco Pereira? Em primeiro lugar da dualidade de critérios na forma como se aborda o desrespeito de americanos e russos pelos prisioneiros das suas lutas contra o terrorismo. É verdade. O desempenho dos americanos é mau e o dos russos é péssimo. Mas, sendo um problema também de direitos humanos, não me parece que uma delas, deficiente, melhore pela evocação de outra, ainda mais deficiente.

Em segundo lugar, veio um tópico muito imaginativo, a proposta para que se procedesse à revisão da legislação internacional existente sobre prisioneiros. Uma ideia inovadora, refrescante, a abraçar com dois braços, não fora a circunstância dos Estados Unidos ser provavelmente o país mais relutante a aceitar para a sua ordem interna normas de direito internacional entretanto estabelecidas – como acontece com as do Tribunal Penal Internacional – facto que o proponente não deve desconhecer.

Na terceira parte, Pacheco Pereira justificou o acontecimento à posteriori. Os Estados Unidos são uma grande democracia, apesar do tempo que demorou a ser corrigido, o erro está corrigido, fim de conversa, passemos a outro assunto.

Para um conversador emérito como ele, a conversa poderia ser estendida para a evidente má-fé demonstrada pela administração norte-americana ao escolher o local de detenção (Guantanamo*) ou à evidente carga política da decisão tomada de ali encerrar os prisioneiros demonstrada pela relutância nela assumida pelos serviços jurídicos do Pentágono.

É evidente que a opinião de José Pacheco Pereira sobre estes assuntos é conhecida, o que foi surpreendente foi a forma como a (não) defendeu. Foi engraçado, mas não estava à espera de presenciar a uma quarta-feira, com um senhor de barbas, as habilidades que costumo ver ao domingo, com um senhor que já as teve, mas há muito as cortou.

* Guantanamo é uma base norte-americana em território cubano, onde este país não exerce jurisdição, devido à inexistência de relações entre Cuba e os Estados Unidos. Esta indefinição legal também foi utilizada para atrasar todo o processo que culminou na decisão do Supremo Tribunal norte-americano.

A NOVA LEI DE TALIÃO (2)

Cada vez mais Israel parece estar a ficar amarrado à lógica retaliatória excessiva que instituiu na sua luta contra os palestinianos, em geral, e o Hamas, em particular. Depois da ameaça de matar o primeiro-ministro da autoridade palestiniana em retaliação pelo rapto e eventual execução de um soldado israelita, ficam os israelitas postos em brios se não fizerem nada de mais grandioso no caso do rapto recente de mais dois soldados israelitas. Vai daí, invadem o Líbano.

Depois de um e, a seguir, mais dois soldados raptados, seguindo uma progressão geométrica e uma escalada íngreme na severidade das retaliações, que pretenderá Israel fazer aos quatro soldados raptados? E aos oito? Será aos dezasseis raptados que se decide a utilizar armamento nuclear? E, já agora, onde e contra quem?

A inocuidade do resultado da recente eleição de Ehud Olmert na condução de um processo de negociações com os palestinianos faz lembrar uma antiga piada que se dizia a propósito da Prússia. Enquanto a Europa era constituída por países que tinham exércitos, a Prússia era o caso único de um exército que tinha um país. Parece ser o que está a acontecer em Israel onde, depois do desaparecimento de Ariel Sharon, o instrumento dominante da diplomacia hebraica parece ser a peça de artilharia auto-propulsionada.

12 julho 2006

O DEBATE


Alheio ao essencial do debate, mas indiscutivelmente uma das cenas mais penosas de assistir no debate é a intervenção da deputada de os verdes, tentando que seja levada a sério, e que discursa para um universo de caras condescendentes que as câmaras de televisão nos vão mostrando.

É preciso muita capacidade de sofrimento para se ser deste tipo de verde nestes dias que correm…

OS SUSPEITOS DO COSTUME

Depois do triste episódio que se seguiu aos atentados de Madrid, com o governo de José Maria Aznar a tentar atribuir a toda a força a responsabilidade dos mesmos à ETA, toda a cautela é pouca quanto à atribuição da responsabilidades por atentados terroristas de grande projecção mediática, como foi o caso do de Londres de há um ano atrás e agora é o de Bombaim.

No caso indiano os suspeitos mais imediatos da autoria dos atentados podem agrupar-se em três núcleos distintos. Em primeiro lugar, os grupos terroristas de cariz político-religioso. Dado os precedentes, pensa-se automaticamente nos militantes radicais islâmicos, nomeadamente os que lutam contra o domínio indiano em Caxemira, mas também existem os movimentos radicais sikhs, separatistas que lutam pela independência de um estado nacional sikh, que se tornaram notados no passado pelo assassinato da primeira-ministra Indira Gandhi.

Em segundo lugar, existem movimentos radicais terroristas de cariz regionalista. Os mais destacados são os radicais tamiles, do sul da Índia, envolvidos numa guerra civil que se trava no Sri Lanka (Ceilão), onde existe uma minoria tamil que eles pretendem tornar independente do estado cingalês. Entre os seus feitos também se conta o assassínio de um primeiro-ministro indiano: Rajiv Gandhi, filho de Indira. Em terceiro e último lugar, muito menos mediatizados e por isso bastante menos conhecidos do que os anteriores, existem na Índia grupos terroristas de cariz político ideológico. De inspiração marxista-leninista (maoista), designados genericamente por Naxalitas, a sua especialidade tem sido, até agora, a guerrilha rural nas zonas orientais da Índia, vizinhas do Nepal, país onde existe um movimento aparentado.

Depois desta demonstração de sabedoria, resta acautelar uma quinta hipótese, muito provável também, a atentar no que aconteceu anteriormente em Madrid e Londres: a de que se trate de uma organização islâmica inteiramente nova, constituída para os atentados e descartável depois deles, porque irá ser o alvo da perseguição dos serviços secretos indianos.

MADAME CRESSON

Na Europa antiga, a das nacionalidades, os políticos de cada país não eram comparáveis com os de um outro, Metternich era especificamente austríaco, Clemenceau especificamente francês e Churchill especificamente britânico, e não era concebível vê-los a dirigirem outros países que não os de que eram originários*.

Nesta Europa moderna, a da União, através das instituições europeias como a Comissão, já é possível considerar alguns políticos de outras nacionalidades como se fossem um pouco da nossa responsabilidade. E, sobretudo, em Portugal, deixarmo-nos de nos auto-flagelar com a falta de categoria dos nossos políticos.

Edith Cresson foi uma antiga primeira-ministra francesa (a primeira e, até agora, a única mulher a ocupar esse cargo – 1991-92) e também antiga comissária europeia (1995-99), que se destacou pela proeza – duvidosa – de se ter tornado na responsável directa pelo desmoronamento da comissão europeia, dirigida por Jacques Santer, em 1999.

O escândalo que a envolveu, que passava pela nomeação de um seu amigo, de profissão dentista, para seu conselheiro pessoal, que não podendo ser feita legalmente, acabou por ser feita contornando imaginativamente a lei, teve ontem (11 de Julho) um dos seus episódios terminais, com a condenação moral da senhora por parte da Justiça Comunitária, sedeada no Luxemburgo.

Que nos fique de emenda quando damos em considerar que só em Portugal pode haver políticos labregos que, catapultados para o topo, dão em pensar que o seu dentista, depois de reformado (aos 66 anos) e por razões imperscrutáveis, poderia vir a dar um conselheiro político eficaz.

Comparado com esta, até Santana Lopes se arriscava a passar com distinção!…
* Metternich era originário da Renânia e não da Áustria, país para o qual sempre trabalhou.

11 julho 2006

TEIXEIRA DOS SANTOS

Já por mais de uma vez aqui manifestei o meu cepticismo quanto à possibilidade do governo conseguir vir a cumprir os compromissos assumidos com Bruxelas quanto ao cumprimento do défice orçamental previsto para este ano, da responsabilidade do ministro das finanças, Fernando Teixeira dos Santos.

Mas há que manifestar o meu mais rasgado elogio à forma como o ministro, liminarmente e de uma forma inédita, que me lembre, rejeitou qualquer forma de tratamento especial para a região autónoma da Madeira, que a solicitou em carta enviada por Alberto João Jardim ao primeiro-ministro.

Aparentemente, o estilo de quem pretende demonstrar força, mostrando-a – a que se tem e a que não se tem – na comunicação social, que era tão peculiar a certos figurões da sociedade nacional (Jardim ou Pinto da Costa) está a sair de moda, ou então são os figurões que estão a sair de moda, por usura, talvez prontos a ser substituídos por outros (Scolari ou Rui Rio?).

Voltando ao tema central, apoio inequivocamente Teixeira dos Santos para que não seja conferido nenhum estatuto especial à Madeira. É aborrecido, nenhum madeirense me fez mal, mas não estamos em épocas de solidariedades e as coisas são como são: também os sérvios tinham eleito democraticamente Milosevic – e neste caso ainda ninguém falou em bombardeamentos…

E então se for para contribuir para o cumprimento dos compromissos com o défice: Amén!

PERISCÓPIO À SUPERFÍCIE!

Na homérica disputa entre dois figurões pelos quais nutro muito pouca simpatia, Scolari e Pinto da Costa, tenho que reconhecer que não me lembro do primeiro mandar bitaites sobre as competências do segundo (i.e., o FC Porto) enquanto que o segundo se fartou de mandar e mandar mandar bitaites sobre as competências de Scolari (a selecção). Com isso, a somarem-se os resultados, Scolari acabou por ganhar o meu respeito, que não a minha simpatia.

Depois de ter andado todo o período do Mundial discretamente submerso para não ter de engolir muitos dos comentários que emitiu e mandou emitir acerca das escolhas do adversário antes do mesmo, eis que o submarino Pinto da Costa faz tenções de vir à superfície, para um jantar com deputados simpatizantes e sócios do FC Porto. Não convidou, foi convidado, e os deputados da Assembleia da República, nomeadamente a deputada que teve a iniciativa (Rosa Albernaz, do PS), têm aqui mais um momento que muito dignifica o prestígio do órgão de soberania a que pertencem...

10 julho 2006

VAMOS AO QUE INTERESSA...

É, no mínimo, muito difícil compatibilizar a opinião repetidamente defendida por Paulo Gorjão que os problemas vividos em Timor só muito remotamente tinham a ver com os interesses australianos nos hidrocarbonetos timorenses, com o que se lê no artigo de hoje do The Australian onde, a pretexto de noticiar a posse do novo governo de Ramos Horta, o artigo define logo aquilo que considera a prioridade deste novo governo: a ratificação pelo parlamento timorense do acordo sobre a repartição dos rendimentos do gás natural, firmado em Sidney em Janeiro deste ano, a que a Fretilin (seria Mari Alkatiri?) estava a colocar extremas resistências à ratificação.

Eu bem sei que a franqueza e a frontalidade australianas, que nunca dá atenção alguma a essas minudências da sensibilidade e discrição, têm renome mundial, mas não teria sido possível à diplomacia australiana alertar a sua imprensa para que esta não criasse condições tão evidentes para que se pudesse concluir tão claramente que alguns analistas de política internacional de outros países tivessem andado a fazer uma triste e má figura ao rebater continuamente aquilo que afinal parecia ser óbvio?…

PS - Recomendo vivamente a leitura do artigo (em inglês). Mais uma vez, The Australian classificou um artigo a respeito de Timor-Leste na sua página nacional, mas desta vez é compreensível: por muito que o gás natural esteja no Mar de Timor, é natural que os australianos o considerem australiano...

RESISTÊNCIA, EXÍLIO OU COLABORAÇÃO

Um dos períodos mais obscuros da história de França é o que cobre a época do governo de Vichy do Marechal Pétain e a ocupação alemã (1940-44). É um trabalho esforçado, o de procurar bibliografia sobre o período, especialmente a que cubra os acontecimentos que se desenrolaram em território francês. Muito do que existe é até de origem e autoria de estrangeiros.

O contraste acentua-se quando, pelo contrário, a bibliografia não falta no que respeita à cobertura dos franceses exilados, do gaullismo e das suas iniciativas em território francês. Em 1945, os prodígios da iconografia e as necessidades estratégicas do Reino Unido tinham transformado a França – que se havido reconhecida derrotada em 1940 – num beligerante de sempre contra a Alemanha, composto por combatentes no exílio e resistentes no interior.

Essas eram imagens que não se aplicavam a 90% da população francesa. Nessas épocas difíceis, em que a neutralidade é, só por si, uma escolha, a maioria da população francesa escolheu… não escolher. Nunca houve sondagens que dessem uma medida da inclinação da vontade das populações mas, quando em Julho de 1941, foi proposto aos militares franceses aprisionados na Síria, optarem por se juntarem à França Livre (do General de Gaulle) de livre vontade, só 5.688 em 37.736 o fizeram (15%). Eloquente!

A aura de exilado ou de resistente foi característica determinante para a política francesa no período imediato ao fim da Guerra, algo que serviu como uma enorme alavanca à influência do Partido Comunista Francês, que tinha sido a organização política que tinha estado indiscutivelmente mais empenhada nas acções de resistência à ocupação alemã a partir da invasão alemã à União Soviética em Junho de 1941.

Mesmo depois disso, a ficção ficou a perpetuar-se por quase 50 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, por um evidente interesse colectivo. Foi preciso que um ex-presidente francês (François Mitterrand), à beira da morte, se tivesse vindo expor como antigo colaborador destacado do regime colaboracionista de Vichy, para que se vislumbrassem algumas manobras tímidas para remover toda a hipocrisia que tem coberto aqueles anos.

A França é um país antigo, com uma história antiga. Timor-Leste é um país jovem embora com uma história muito sofrida, com uma ocupação, não de quatro, mas de vinte e quatro anos. Atentando no exemplo francês, não me parece arriscado dizer que o verdadeiro povo de Timor deve ser uma espécie de miolo bastante diferente daquela crosta de exilados e resistentes que agora domina o país e que hoje, tomou e deu posse ao governo de Ramos Horta.

09 julho 2006

OS BRITÂNICOS DOS ANTÍPODAS

Um dos comentários mais insultuosos proferidos por um governante a propósito de outro país foi proferido por um ex-primeiro-ministro neozelandês que, quando lhe pediram a opinião sobre a contínua emigração de neozelandeses para a Austrália, a considerou positiva, porque constituía uma boa forma de aumentar simultaneamente o QI médio dos dois países.

Não juro pela fidelidade da história, mas não é descabida, porque o insulto (tremendo!) não é perceptível de imediato. E a sua existência serve-nos de alerta para que as relações entre os dois países, apesar de aparentados, não são – nunca foram - as melhores, marcadas por uma rivalidade e características a fazer lembrar as relações ibéricas entre Portugal e Espanha.

Também ali há uma evidente assimetria do potencial estratégico de cada um dos países, com a tendência do mais poderoso (Austrália) a pretender assumir a hegemonia em toda a região, ao arrepio dos interesses neozelandeses. Este conflito exprime-se das mais variadas formas, as desportivas são das que têm mais visibilidade, e cada país – talvez mais a Nova Zelândia - exprime uma particular satisfação em derrotar o outro em râguebi – como os famosos Portugal-Espanha em hóquei em patins…

Nos recentes acontecimentos de Timor-Leste, onde a Nova Zelândia também está presente com um contingente de tropas, a preocupação neozelandesa parece ter sido o de contribuir para acautelar o controle de uma área de segurança da Oceânia, embora considere que, pela sua localização geográfica (no Índico), a responsabilidade recaia na Austrália.

À escala peninsular terá sido o equivalente ao gesto de Portugal enviar um contingente para os Pirenéus, em reforço ao dispositivo espanhol, como forma de contribuir para enfrentar uma eventual ameaça sobre a Península Ibérica. Algo que, de facto, até já aconteceu na realidade, por alturas da Revolução Francesa, com a campanha do Rossilhão.

Vale a pena chamar a atenção para o facto que a Nova Zelândia podia ter optado pela neutralidade e certamente por menos encargos se não tivesse enviado o seu contingente para Timor-Leste. No entanto, deve considerar que há aspectos dos seus interesses que serão melhor defendidos com a presença de um destacamento seu no território, sem procurações passadas aos seus grandes vizinhos australianos.

Convém tomar em conta que no tabuleiro dos contingentes militares e policiais presentes em Timor não existe uma simplicidade linear de Portugal contra os outros. Cada uma das nacionalidades presentes - Austrália, Portugal, Nova Zelândia e Malásia – joga em função de interesses diferentes. A conjugar com os interesses de outras nacionalidades que não estão presentes…

08 julho 2006

UNANIMIDADE E ACLAMAÇÃO

A propósito de Kim Jong-Il, mas nada relacionado com o episódio da salva de mísseis recentemente disparada pela Coreia do Norte, lembrei-me da expressão unanimidade e aclamação que foi de emprego muito frequente em certa altura do nosso PREC, como sinónimo de aprovação evidente e sem controvérsias.

Os regimes socialistas do antigamente – e recorde-se que, no PREC, também estávamos em transição para o socialismo – sempre deram mostras de produzir aprovações por unanimidade e aclamação como mais ninguém sabia fazer. E as sessões de encerramento do Congresso do Partido eram o clímax da unanimidade e da aclamação.

Foi editado até um conjunto de 4 discos LP, contendo o discurso da cerimónia de encerramento proferido por Staline num desses Congressos (do PCUS), longo de três horas e meia, que ocupavam os sete primeiros lados dos LPs, sendo o último lado constituído por uma meia hora de longos, efusivos e prolongados aplausos de todos os congressistas.

Mas, mesmo os russos – soviéticos, na época – nunca conseguiram bater os partidos asiáticos – especialmente os do extremo oriente, chineses, vietnamitas e coreanos - no zelo com que aqueles organizavam as suas sessões de encerramento, que eram um verdadeiro primor de organização e emoção na forma como exprimiam a tradicional unanimidade e aclamação.

Contrariamente às culturas com que estamos mais familiarizados, em que se batem as palmas a alguém, naqueles casos tradicionalmente o líder do partido, no extremo oriente toda a gente desata a bater palmas, líder incluído, para surpresa de qualquer observador desprevenido, que se põe automaticamente à procura do receptor de tal manifestação, até perceber que não existe… Ali, a aclamação é feita por unanimidade...

Os outros Congressos não passam hoje de recordações, à excepção do cubano, onde Fidel Castro ainda não perdeu a mão (nem a voz) para quatro horas seguidas a dizer-nos coisas interessantes (…), mas os Congressos onde todo o mundo bate palmas ainda aí estão. Enfim, por tudo o que já foi dito noutros sítios e mais por isto, aquela gente é muito esquisita… e perigosa.

PS - Um outro aspecto preocupante são aqueles bonés com aspecto de frigideira-enorme-em-cima-do-bico-do-fogão-mas-sem-pega que todos os militares norte-coreanos usam em cima da cabeça... Mas isso ficará para um próximo poste.

O TIO PATINHAS

Segundo se soube pelo Expresso, o Sr. Ingvar Kamprad, dono da cadeia de lojas IKEA e uma das maiores fortunas do mundo, veio fazer uma visita incógnito à sua loja de Alfragide. Enquanto esteve entre nós, hospedou-se numa pensão modesta na Praça da Alegria, apanhou um táxi para Alfragide e de lá regressou de autocarro, no 14, que o deixou na Praça da Figueira.

Sendo verdadeira, esta torna-se uma história engraçada, com a descrição de um verdadeiro Tio Patinhas de carne e osso de 80 anos que, se calhar, ainda se arrependeu de ter desembolsado todo aquele dinheiro no táxi por não saber que havia um autocarro que quase lhe passava à porta.

Mas deixem-me expressar a minha incredibilidade ao deparar-me com o aproveitamento desta mesma história, feito aqui na blogosfera, como preâmbulo para um conjunto de considerações, que se podem ler neste poste, auto flagelativas sobre o comportamento exibicionista e superficial dos portugueses perante a discrição e a sobriedade nórdicas – o Sr. Kamprad é sueco.

Descontando os fundamentos naturais que se podem sempre encontrar enumerando os casos excessivos, os portugueses parecem ser, quanto à forma como mostram o seu estatuto social, tão exibicionistas como muitas outras culturas, próximas (espanhóis) ou afastadas (norte-americanos). Algumas vezes menos: as maquilhagens das espanholas e as limousines compridas dos americanos (ainda) não são comuns entre nós. Pelo contrário, é o comportamento contido dos suecos que se revela muito minoritário neste nosso mundo globalizado.

Embora seja muito mais frequente do que o desejável, continuo a considerar grotesco este exercício repetitivo de nos querer dar como referência aos portugueses, os nórdicos, sejam eles suecos ou finlandeses. Porque não acontece o contrário, dado que, embora mais ricos, eles são visivelmente muito mais infelizes que nós, com uma das maiores taxas de incidência de suícidios do mundo?

E já agora, João Gonçalves, se somos um país de cagões, conforme o título do seu poste, devemos assumir também que somos um país de intelectuais cagões – porque também se pode ser cagão intelectualmente, não será? - que passamos o tempo a escrever aqui na blogosfera sobre temas demonstrando a nossa sobranceria na forma como os intelectuais se distinguem da ralé…

07 julho 2006

O DESPORTO QUE UNE A COMMONWEALTH BRITÂNICA

O Reino Unido do Século XIX, no apogeu do seu poder Imperial, foi também o berço de vários desportos populares da actualidade. Com excepção de alguns exemplos norte-americanos (com quem compartilham origens) e asiáticos – como as artes marciais – a larga maioria dos desportos modernos – futebol, ténis, boxe, natação, remo – remontam a essa origem nessa época.

No caso daquele que é indiscutivelmente o mais popular de todos, o futebol, a partir do primeiro quartel do Século XX, os britânicos, por erros próprios, deixaram que lhes fosse roubada a direcção do mesmo. A adesão tardia, mesmo que contrariada, das associações britânicas à FIFA foi apenas o reconhecimento desse erro.

Algo de semelhante aconteceu com o atletismo, uma das competições mais importantes dos Jogos Olímpicos iniciais, onde a utilização precoce do sistema métrico nas provas disputadas (em detrimento das medidas imperiais) foi um indicador que o controle daquele desporto passou também muito rapidamente para os europeus continentais.

O râguebi foi um desporto que não ganhou a projecção dos anteriores e onde os britânicos conseguiram reter para si a hegemonia mundial. Tendo-se tornado um desporto popular no mundo anglo-saxónico, permaneceu confinado basicamente aos países de povoamento branco como a Austrália, a África do Sul ou a Nova Zelândia.

Pensando num denominador comum do Império e agora, da Commonwealth, considere-se as suas elites administrativas, pertencentes geralmente a um mesmo estrato social da metrópole. E o seu jogo de eleição sempre foi o críquete. Quando essas elites partiram, foram substituídas pelas locais, que continuaram a cultivar os mesmos gostos.

É por isso que hoje, perante o nosso desinteresse e o de todo o mundo que não pertence à Commonwealth, se travam disputas homéricas de críquete, entre a Índia e o Paquistão, onde o Sri Lanka se apresta a defrontar a Austrália e a África do Sul faz uma digressão pelas Índias Ocidentais Britânicas*, uma selecção que logo ali, tem um nome cheio de ressonâncias nostálgicas do antigo Império.
* Corresponde às Antilhas que estiveram sob domínio britânico.

06 julho 2006

MÉXICO


No Domingo passado realizaram-se eleições presidenciais no México. De acordo com os resultados preliminares, anunciados logo na Segunda-Feira, havia sido uma eleição muito renhida com Calderon, o candidato da Direita, a ultrapassar em cerca de 0,6% (uns 260.000 votos) Obrador, o candidato da Esquerda.

Dada a proximidade dos resultados dos dois candidatos mais bem colocados, a Comissão Eleitoral decidiu proceder a uma recontagem dos votos, uma saudável medida destinada a dissipar dúvidas futuras. Pelo menos, foi assim que ingenuamente a equacionei, visto que em termos absolutos, para uma recontagem, considerava que 260.000 votos seriam uma margem confortável.

Afinal o processo de recontagem está cerrado e parece estar a transformar-se numa guerra de comunicados, com Obrador aproveitando-se de uma vantagem sua aos 70% da recontagem para a anunciar, a que Calderon responde, aos 97%, para anunciar a sua, quase definitiva, a que Obrador depois riposta alegando fraude.

Perante a sobriedade noticiosa dos jornais internacionais, especialmente os do grande vizinho do norte do México, que nestas coisas de escrutínios em eleições presidenciais não podem dar lições a ninguém, só uma coisa parece certa: os resultados parecem apontar para um México fortemente dividido politicamente, com o Norte a votar à Direita e o Sul a votar à Esquerda.

I LOVE THE SMELL OF NAPALM IN THE MORNING*

Este é um PBR, o acrónimo em inglês para barco patrulha para rios. Conjuntamente com A Cavalgada das Valquírias de Wagner e o cheiro de napalm pela manhã, é um dos meus três traços identificativos do inesquecível Apocalypse Now de Francis Ford Coppola que, sem ser a Guerra do Vietname, foi uma das forma mais conseguidas de a retratar.

Mais recentemente, os PBR voltaram a estar indirectamente na berlinda ao questionar-se o desempenho durante a Guerra do Vietname do candidato presidencial democrata John Kerry que comandou uma dessas unidades. Diga-se, de passagem, que nunca percebi o propósito da questão em discussão, quando os factos se resumiam à constatação que John Kerry cumprira o seu serviço militar no Vietname e George W. Bush se desenfiara, cumprindo-o na Guarda Nacional do Texas, provavelmente graças aos contactos do pai.

Seria como uma comparação eventual, aqui em Portugal, entre os perfis morais do Padre Feytor Pinto e do Major Valentim Loureiro, em que, por efeitos milagrosos de uma excelente manobra comunicacional, se conseguiria dar a mesma importância ao facto do padre costumar tirar os macacos do nariz e a todas as inúmeras manobras sórdidas em que o major aparece envolvido (apitos, metros, etc.).

Regressando aos rios e aos PBR, a novidade – conforme se pode ler aqui - é que a Marinha dos Estados Unidos, acusada de não contribuir para o esforço de guerra no Iraque, acusações comuns dos outros ramos em situações de contra-subversão, se resolveu a reintroduzir os PBR, agora para patrulhamento dos rios Tigre e Eufrates. A administração Bush bem detesta as comparações do Iraque com o Vietname, mas ei-las que regressam apesar de tudo e nos pormenores…

* Início de uma das intervenções mais marcantes de um dos personagens do filme Apocalypse Now: Adoro o cheiro do napalm pela manhã. Uma vez bombardeámos uns montes durante umas doze horas. Quando acabou, fui lá acima. Não encontrámos ninguém, nem um único corpo fedorento de um china. Mas o cheiro, aquele cheiro a gasolina por todo o lado… Cheirava a… vitória.

05 julho 2006

DESTA VEZ, DE ACORDO COM O MARTIM

Já aqui demonstrei por mais de uma vez que não tenho grande apreço pelas ideias de Martim Avillez Figueiredo. No assunto que quero abordar, desconfio até que as causas que levam à concordância sobre o mesmo assunto sejam substancialmente diferentes, porque oriundos de áreas ideológicas completamente distintas.

Mas não quero deixar de saudar o relevo que Martim e o seu jornal se propõem dar às doações que o milionário Warren Buffet anunciou pretender fazer, associando-se a Bill Gates. Não se pretenda é tentar fazer passar a ideia que essa benemerência é um substituto das funções sociais redistributivas do Estado.

100 MILHÕES DE DÓLARES CADA TALIBAN

Max Boot (na imagem) costuma assinar regularmente uma coluna de opinião no Los Angeles Times. Embora discorde normalmente do posicionamento político subjacente aos artigos que escreve, aprecio muito a sua leitura. Costumo tratá-lo intimamente como o meu neo-con de estimação, devido a argúcia das suas análises.

E o problema para que ele alerta os poderes norte-americanos no seu último artigo de opinião é o do consumo de recursos das gigantescas cadeias de reabastecimentos que as forças armadas montaram no Iraque e no Afeganistão e que permitem o melhor dos bem estares possíveis às tropas no terreno – que lhe permitiram a ele beber um café com natas com café acabado de moer num rincão perdido do Iraque.

Concordando com Max Boot completamente no diagnóstico do problema, só concordo parcialmente com ele no diagnóstico das suas causas. É verdades que os responsáveis pela logística no Pentágono são, historicamente, de uma eficácia poderosa. Já o eram no tempo do desembarque da Normandia, durante a Segunda Guerra Mundial, com os seus depósitos colossais de material e consumíveis.

Continuavam eficazes vinte anos depois e absorviam já tanta gente na Guerra do Vietname, que Jean Lartéguy, no seu livro Um Milhão de Dólares cada Viet de 1965, chegou à conclusão que, considerando a totalidade das forças destacadas, apenas um soldado em sete tinha contacto directo com o inimigo. E o rácio dos custos totais quando dividido pelos insurrectos abatidos apontava para um valor próximo do que dava o título ao livro.

Claro que a análise de Lartéguy podia ser motivada pelo despeito de uma França que havia perdido duas guerras de contra-subversão seguidas – uma delas, naquele mesmo sítio. Mas neste caso é Max Boot – um norte-americano defensor da presença americana no Iraque – a apontar precisamente um tipo de lacunas muito semelhante às apontadas por Lartéguy, quarenta anos trás.

Mas se Max Boot, no seu artigo, atribui as culpas apenas ao êxito da inércia organizativa da logística do Pentágono, eu creio – e aqui está a minha concordância parcial – que, no caso especial desta guerra, ainda há o factor multiplicador do poder político, protagonizado pelo vice-presidente Dick Cheney, que se tem revelado um extremoso defensor dos interesses da sua companhia de origem, a Halliburton, uma vencedora rotineira dos concursos para abastecimento das forças americanas no Iraque.

Nos diversos artigos de Max Boot, sente-se a sua preocupação com a evolução dos acontecimentos, usando a lucidez das suas análises e a razoabilidade do que propõe para corrigir o que acha que está mal na presença americana no Iraque e no Afeganistão. Mas, parece-me que Boot se encontra numa situação a lembrar Vegécio, que foi um excelente pensador militar romano do século IV mas que, apesar da qualidade da sua obra, não conseguiu impedir a implosão do Império do Ocidente no século seguinte.

Uma nota final para o título deste post, cujo coeficiente foi calculado majorando e ajustando o de Lartéguy de há quarenta anos. De resto, se algo está adquirido das guerras de contra-subversão como estas que os norte-americanos – e a NATO – estão a travar, é que o número de viets ou de talibans abatidos (independentemente do custo por unidade abatida) é perfeitamente irrelevante para o seu resultado final.

UMA HISTÓRIA MAL CONTADA

Costumo considerar que a essência das histórias têm de ter um equilíbrio natural entre a simplicidade jornalística de artigo de primeira página do jornal e as 160 páginas de relatório, preconizadas pelo especialista para quem queira compreender o tema como deve ser. Infelizmente, é muito difícil quantificar esse equilíbrio, é como o q.b. que acompanha o sal, a pimenta, e os outros condimentos das receitas culinárias.

Uma das histórias mais recentes envolvendo a CIA – e a CIA, por definição, faz sempre de algoz nas histórias simples – coloca-a nos céus da Europa, levando e trazendo prisioneiros perante o alegado desconhecimento dos governos europeus. Tomando-a por boa e à letra, nesta história a CIA não estava a fazer os ninhos atrás das orelhas dos governos europeus, fê-los nos cocurutos das cabeças, local sobrevoado pelos seus aviões.

Em suma, ficava-se com a impressão que todo o processo de captura, identificação, transferência e interrogatório dos prisioneiros muçulmanos capturados no Afeganistão ou noutros locais, a que se juntavam depois os problemas legais relativos às suas condições legais de detenção na base americana de Guantanamo, em Cuba, eram um problema sórdido da Administração Bush e exclusivamente dela.

Tudo isso até um jornal francês, insuspeito de simpatias pró-americanas (Libération), vir denunciar e provar documentalmente que, pelo menos no que diz respeito aos seis detidos em Guantanamo de nacionalidade francesa, os serviços de contra-espionagem desse país tiveram oportunidade de os interrogar logo nos inícios de 2002 e no local de detenção (Cuba).

São acontecimentos que, não desmentindo directamente a tese que se andou a tentar espalhar – a do alheamento de muitos governos europeus (o francês, neste caso) da questão dos prisioneiros – a torna substancialmente frágil, pois ela pressupõe dois tipos de cenários com uma carga política negativa: ou o governo mentiu ou ele não tem controle nem informação sobre o que os seus serviços secretos andam a fazer…

Talvez por não se destinarem à exposição da opinião publica, o mundo dos serviços secretos, da espionagem e da contra-espionagem, deverá ser um mundo mais linear e menos propenso (o que será até paradoxal) às encenações mais primárias, destinadas à ilusão do comum dos cidadãos. Americanos e franceses, que parecem estar tão zangados pelos jornais, continuaram e devem continuar a colaborar entre si no mundo da espionagem…