21 setembro 2011

O CRIADOR DA TRIAGEM MÉDICA

Entre o fim das Guerras Napoleónicas (1815) e o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) decorreu um século em que houve um acelerado desenvolvimento tecnológico que tornou o armamento mais letal por um factor de grandeza da ordem das dezenas (10x) senão mesmo das centenas (100x). Uma consequência directa disso foi a multiplicação, não apenas do seu número, mas também da gravidade das baixas militares. Sensivelmente a meio desse Século, havia-se atingido um apogeu de distanciamento entre a capacidade dos exércitos em liquidar ou aleijar os seus inimigos e a capacidade de cuidar convenientemente dos amigos que haviam sofrido por sua vez essa mesma sorte.
Datam dessa época os Heróis que se tornaram precursores de uma outra preocupação humanitária (e da medicina militar moderna) como a britânica Florence Nightingale (A Dama da Lâmpada, ilustração inicial), que foi a chefe das equipas de enfermagem daquele exército durante a Guerra da Crimeia (1853-56) ou então o suíço Henri Dunant, testemunha presencial das sequelas da Batalha de Solferino (1859 - acima), que o levou a tornar-se num dos promotores da redacção da primeira Convenção de Genebra e posteriormente um dos fundadores da Cruz Vermelha internacional (1863 - abaixo). Contudo, se qualquer daqueles dois nomes nos é familiar, é muito mais duvidoso quem já tenha ouvido falar de Nikolai Pirogov…
Nikolai Pirogov (1810-1881) foi um médico cirurgião militar russo. Foi um precursor quanto ao emprego de anestésicos durante as cirurgias e também quanto a técnicas cirúrgicas (nomeadamente um novo procedimento de amputação do pé pelo tornozelo preservando o osso do calcanhar para melhorar a recuperação do amputado), investigações que o fizeram ganhar por três vezes o Prémio Demidov (um antecessor em russo do Prémio Nobel). Mas foi a presença de Nikolai Pirogov à frente dos serviços médicos do exército russo em Sebastopol durante a acima mencionada Guerra da Crimeia que o tornaram num marco da história da medicina militar, ao criar o processo da triagem médica…
Pirogov, já então um cirurgião militar experimentado, apercebeu-se que o momento crucial para a melhoria das hipóteses de recuperação dos feridos que chegavam aos magotes durante e depois de uma batalha era a fase de admissão: era aí que era preciso separar os feridos ligeiros (que podiam esperar), dos moribundos (para os quais não havia nada a fazer…) e daqueles que era possível salvar se tratados imediatamente – o que à época significava normalmente a amputação de um membro. Depois dessa triagem, a organização de uma equipa de cirurgia rodando por três mesas de operação simultaneamente permitia que no fim de um turno de sete horas, essa equipa tivesse completado mais de uma centena de intervenções…
Embora atribuísse a causa das infecções à contaminação por vapores(…), Pirogov tinha o cuidado de segregar os pós-operados entre aqueles que tivessem feridas limpas dos que as apresentassem com aspecto pulurento e infectado. O resultado encadeado dos seus métodos era a obtenção de taxas de sucesso de recuperação de feridos e de pós-operatórios de fazer corar de vergonha os inimigos franco-britânicos: 65% de sobreviventes entre os amputados a um braço e mesmo 25% para as complicadas amputações pela coxa, procedimento onde os hospitais militares franceses e britânicos registavam uns míseros 10% de sucesso... Por tudo isso, Nikolai Pirogov tornou-se um herói nacional consensual, celebrado no seu 200º aniversário tanto pela Rússia (acima) como pela Ucrânia (abaixo).

2 comentários:

  1. Extraordinário. Não conhecia nem o Cirurgião russo nem as suas importantíssimas inovações de técnica cirúrgica, de triagem e de conhecimento das infecções no pós operatório.

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  2. Não há dúvida. É um deleite passar pelo "Herdeiro de Aécio". A Rússia (com a Ucrânia) há de ser um "Paraíso de Deleite".

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