06 junho 2008

QUEM DÁ 300 MIL?

Nunca vi explicados na comunicação social portuguesa quais serão os critérios, mesmo que subjectivos, que se devem usar para estimar de forma independente quantos participantes têm as manifestações. Se os houver. Mesmo se os houver, estou desconfiado que ninguém os deve usar. Primeiro foi a Manifestação dos Professores onde se disse e escreveu que estiveram uns 80 mil, logo depois arredondados para 100 mil manifestantes. Sem controvérsia. Agora, foi a Manifestação contra a revisão do Código do Trabalho, onde se afirma e escreve desde logo que, desta vez, estiveram 200 mil. Na próxima, com este rigor, não aceito nada abaixo dos 300 mil...
É antipático gozar-se assim com o genuíno descontentamento popular, mas a CGTP repetiu pela enésima vez uma das suas cerimónias tradicionais (a outra são as famosas Greves Gerais) e a cobertura noticiosa do acontecimento mostrou a imaginação do costume. Nas cúpulas da CGTP, encimadas por aquele dirigente veterano de 20 anos Manuel Carvalho da Silva (em antiguidade, só perde para Pinto da Costa...), devem congratular-se pelos resultados de mais este dia de luta e ninguém se lembra de lhes pedir responsabilidades pela falta de resultados: é que se Portugal é um dos países europeus onde a distribuição da riqueza é mais assimétrica, a responsabilidade também é sua*
Ou será que, ao arrepio da doutrina marxista clássica, os trabalhadores que a CGTP defende já não pertencem ao proletariado, aos estratos mais pobres da sociedade? Em boa verdade, a esta estratégia de demonstração de força nas ruas, apetece fazer um comentário cínico, recuperando uma montagem (acima) de um blogue da extrema-direita, reunindo duas fotografias de duas gigantescas manifestações que encheram o Terreiro do Paço. Uma, de apoio ao VI Governo Provisório em 1975 – onde Pinheiro de Azevedo dizia que o povo era sereno. A outra data de uns 12 anos antes, o homenageado é o Professor Salazar, e nela vitoriava-se a política colonial…

* Na arena política, desse facto foi responsabilizado o governo (a oposição atacou, o PS defendeu-se), mas não as centrais sindicais, que até são as responsáveis pelas negociações salariais. Se as assimetrias persistem há mais de 25 anos então os sindicatos não têm sido particularmente eficazes a negociar...

6 comentários:

  1. Não sei se lá estiveram 200 mil ou 199 mil, nem considero isso relevante, resolve-se com uma dúzia de autocarros.
    Aliás, dizem que em Fátima costumam ir centenas de milhar, mas por mim até podem ir milhões, já que não me meto em coisas de fé.
    Podemos por consequência registar que Sócrates não está sozinho, quando diz que não se impressiona com os números.
    O que para mim é importante sublinhar, é que, com maior ou menor desempenho, a CGTP, está do lado dos explorados e desempregados deste país, que os há e nem é necessário sair do sofá para se ter conhecimento dessa incómoda realidade.
    Se ao responsabilizar a Central pela assimetria da distribuição da riqueza, se reconhece que, apesar de tudo, essa assimetria poderia ser muito maior, é um facto que não se contesta.
    Já gozar com as greves e as manifestações e afirmar que os sindicatos* não são particularmente eficazes a negociar, é, do meu ponto de vista, uma contradição insanável.

    *Há sindicatos que são de uma eficácia tal,que fazem inveja à Cip, à Ccp etc.

    No que concerne às duas manifestações que o tal blogue refere, não sou capaz de conter um sorriso irónico ao imaginar milhares, sempre sem preocupações de rigor, de reencontros entre neo-democratas,mais ou menos assim: É pá estás na mesma já não te via há 12 anos e até pensava que te tinhas exilado…

    Bom fim de semana

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  2. Procurando responder-lhe metodicamente sobre este assunto onde parece estarmos visivelmente em desacordo, permita-me apenas esclarecer os seguintes pontos:

    a) - Nem o JRD nem eu, imaginamos quantos lá estiveram. A sua imaginação propôs a hipótese 199 mil que se resolveria com uma dúzia de autocarros, a minha pode contrapor-lhe 27 mil, 45 mil, 63 mil, 81 mil, 99 mil, 117 mil, por aí adiante, e aí teria sido melhor fretar muitos comboios…
    b) - A escolha do número 200 mil, pelo contrário, parece-me “científica”, embora não do ramo da estatística. Trata-se do dobro da última grande manifestação e creio pretender passar a mensagem de uma crescente contestação social. O que censurei no jornalismo é o facto de “engolirem” peças de propaganda sem as analisarem.
    c) – A mesma obtusidade se regista por ocasião das peregrinações a Fátima. O “franchise” costuma ser de 500 mil para soar “meio milhão”, expressão que tem muito mais ressonância… É uma aldrabice da Igreja que não desculpa a da CGTP e reciprocamente.
    d) – Sócrates falará por ele. Para mim, exemplos de números que me impressionam são os dos somatórios de votos em actos eleitorais democraticamente organizados: a vontade popular tem uma existência física expressa em votos, eles são contados, a contagem pode ser controlada, os votos podem ser recontados…
    e) Quanto à questão da CGTP, o JRD estará a confundir intenções com resultados. Desculpe, mas faz-me lembrar a respostas dos católicos quando lhes falamos das insuficiências da caridade cristã, e se ouvem respostas de como a sua Igreja é bem intencionada… Mas se as boas intenções ajudam, normalmente não chegam. Além de lhe manifestar as minhas maiores dúvidas que a CGTP esteja, na prática, do lado dos desempregados – visite a página Web da organização e veja o que lá há de concreto sobre o assunto…
    f) O resultado das negociações entre os representantes do capital e do trabalho ao longo de 30 anos de democracia salda-se num país que tem uma distribuição de riqueza das mais assimétricas da Europa. Diz-me que isso acontece por “mérito” da CGTP. Todo o “folclore” de jornadas de luta e greves gerais ao longo de todos estes últimos 30 anos para não termos uma desigualdade igual à do Brasil?

    Acha, JRD, que o “folclore” terá sido necessário? Porque será que, sem esse “folclore”, a maioria dos outros países europeus apresentam indicadores de desigualdade social menores que os nossos? Na minha opinião, uma das razões poderá ser porque, nestes 30 anos, a CGTP nunca adquiriu a autonomia suficiente para passar a ser outra coisa além de uma extensão laboral da luta política do PCP.

    E isso mais uma vez se verificou anteontem…

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  3. Meu caro,
    Não entenda o que segue como uma tréplica.
    Os números das manifestações valem o que valem, mas os números do desemprego, da pobreza, da carência em matéria de saúde e justiça, da “fome” etc. valem o que não deviam valer. Tudo o resto são fait-divers.

    Não sei se a CGTP é uma extensão laboral do PCP (não consta da página da Web) mas, mesmo admitindo que sim, permito-me perguntar-lhe, de quem quereria que fosse, do PS, do PPD/PSD, do PP?
    Então e a outra central e a confederações patronais ficavam enjeitadas?

    Nota: relativa mente à minha alusão, no comentário anterior, às tais manifestações, convém esclarecer, para não subsistir qualquer dúvida, que me referia a exílios do “pós” isto é dos que passaram para além de Badajoz e levaram a frota e a nota.

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  4. Meu Caro JRD:

    É sempre um prazer “tetraplicar-lhe”. Se os números de manifestantes e peregrinos valem o que os seus promotores pretendem que valham, os números de votos em verdadeira democracia têm a virtude de conterem aqueles que designa pelos “do desemprego, da pobreza, da carência em matéria de saúde e justiça e da “fome””. Não sendo ideal, mas assegurando a cada um o mesmo direito de expressar a sua opinião, trata-se de um sistema cheio de defeitos, com a virtude de ter menos defeitos do que todos os outros sistemas que conheço…

    Idealmente, as Centrais Sindicais e Patronais operariam numa esfera distinta da dos partidos políticos. Aqui em Portugal estamos nos 180º disso: os partidos políticos controlam a acção sindical e patronal emparelhando o PCP com a CGTP, o PS com a UGT, o PSD e CDS com as Confederações Patronais (CIP/CAP/CCP). Os acordos que se têm publicitado na Auto Europa parecem mostrar que, às vezes, como acontece no resto da Europa, também em Portugal o trabalho e o capital conseguem chegar a acordos, mas é APESAR do auxílio daquelas organizações todas…

    Finalmente, não resisto a brincar também com a sua brincadeira, a sua dúvida que me parece quase “bernardiniana*” sobre a autonomia política da CGTP face ao PCP: será que já não tendo dúvidas quanto à não existência do Pai Natal (apesar das páginas Web a ele dedicadas), o meu caro JRD ainda as mantém sobre aquela “enraizada” realidade política nacional que dá pelo nome de Partido Ecologista Os Verdes?

    Continuação de um bom fim de semana

    * "Bernardiniano": de Bernardino Soares, destacado quadro do PCP a quem a natureza do regime norte-coreano tem vindo a intrigar de há quatro anos para cá, a ponto de ainda não ter dissipado as dúvidas quanto à sua natureza democrática.

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  5. Boa tarde,
    Também eu tenho muito prazer em “responder-lhe” (assim é mais fácil) e, vendo bem, até parece que estamos de acordo em quase tudo.
    Quanto à minha duvida, que sublinhou, importa ter alguma elasticidade.
    Já agora, dúvidas, quem as não tem?!
    Até o deputado Bernardino Soares, que vai passar a vida a ouvir falar da infeliz frase que o estigmatizou.
    Mesmo assim, sou capaz de pensar que há para aí muito boa gente a fingir que não fez o elogio do “apartheid”, do Mobutu, do Suharto, para não falar dos regimes autoritários (eufemismo) da América Latina e, claro está, do apoio ao maoísmo, tácito ou explícito. (Em voz off: e do Ceausescu)
    Isto para não falar de quem denuncia ,e muito bem, Mugabe e parece ter esquecido que a diferença entre ele e o seu antecessor Smith está, principalmente na cor dos olhos…
    Quanto ao ecologismo, reconheço que não tem raízes num país que é uma lixeira a céu aberto e um paraíso de patos bravos.
    Não tem um partido Ecologista forte quem quer, mas sim quem tem educação e os Tugas, nem uma coisa nem outra.
    Mas já que falamos em anexos, sempre lhe pergunto acerca daquelas duas ( ou serão três? )senhoras do PS e da facção dissidente dos monárquicos (risos) do PPD/PSD, já que o PP, não os tem, porque o anexo é ele próprio, só não sabe de quem.
    Desejo-lhe uma boa semana

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  6. Um comentário e dois preciosismos finais:

    Suponho que Bernardino Soares estará em boa companhia quanto às frases célebres da política portuguesa: desde Mário Soares que meteu o socialismo na gaveta, até Pedro Santana Lopes que ia continuar (e continua) a andar por aí…

    Tem razão no fundo, que não na forma, ao comparar as duas senhoras cristãs do PS mais o senhor fadista monárquico e os outros que-nem-sei-quem-são da bancada do PSD aos deputados verdes do PCP. É que estes últimos constituem um Grupo Parlamentar (ainda que um Grupo de 2…) o que lhes dá direito a várias mordomias (como tempo próprio nos debates parlamentares, cerimónia de audição por parte do presidente, discurso nas cerimónias do 25 de Abril, etc.) que os outros deputados não têm.

    Mas também já li algures que houve quem tenha feito a contabilidade de custos e benefícios e que concluiu que já não se recolhem vantagens do PCP se apresentar como CDU e que vai sendo tempo do partido se apresentar sob a sua própria identidade. A última vez que isso aconteceu foi em 1976 – já lá vão 32 anos, Brejnev e Suslov ainda eram vivos!...

    Retribuo-lhe os votos de uma Boa Semana

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