16 março 2008

TINTIN E OS CHÁVEZ

No último álbum completo da série, baptizado Tintin e os Pícaros (1976), Hergé faz com que o seu herói acabe por fomentar um golpe de estado num hipotético (mas característico) país latino-americano baptizado de San Theodoros, mas isso apenas acontece para que os amigos do protagonista possam ser libertados da prisão onde estavam. Quando abandonam o país, este está entregue a um novo regime, mas à mesma sorte de sempre.
Sendo um idealista em muitas outras causas, Hergé passa aqui por um cínico, ao poupar o seu ícone Tintin às causas magnas que orientaram a vida de um outro ícone mundial, Ernesto Che Guevara. Se à chegada, na gravura de baixo (p.11), os polícias patrulham os bairros da lata dos arredores da capital com um fardamento parecido com o chileno, na gravura mais abaixo, à partida (p.62), o fardamento já mudou e agora parece cubano. As pistolas e cassetetes mantêm-se...
E alguns dos resultados alcançados pela Revolução Bolivariana do Tenente-Coronel Hugo Chávez parecem estar a dar razão a Hergé. No meio de uma profusão de indicadores económicos que poderiam ser utilizados para extrair conclusões diametralmente opostas impressionou-me aquele que mede a redistribuição da riqueza, chamado Coeficiente de Gini* que aumentou a assimetria dos 0,44 em 2000 para os 0,48 em 2005.
Como diz um amigo meu, recentemente regressado (e esclarecido) de terras cubanas, onde vigora o regime socialista há quase 50 anos, o que parece mudar é a predisposição para analisar os mesmos fenómenos. Por exemplo, em países capitalistas como o Brasil, há racismo e discriminação contra os negros, mas em Cuba dá-se apenas a coincidência dos que desempenham os cargos menos qualificados serem mais escuros…

* O Coeficiente de Gini (veja-se a explicação), quando aplicado aos rendimentos, pode variar entre os valores extremos de 0 (onde todos recebem o mesmo rendimento) e o valor de 1 (correspondente a alguém que acumula todo o rendimento, deixando os restantes sem nada). Tanto o valor é mais alto, tanto mais desigual é a sociedade. No caso venezuelano, sob Chávez e surpreendentemente em função do discurso do regime, subindo de 0,44 para 0,48 (dados do seu próprio Banco Central) afinal têm-se estado a acentuar as desigualdades de rendimentos.

5 comentários:

  1. Caro A. Teixeira:

    É muito bom que tenha falado do quadrado da banda desenhada final e comparado com o quadrado inicial:a chegada de avião a San Teodoro, onde se vê as barracas dos indigentes , e no quadrado final também se vêem, patrulhadas por dois polícias com uniforme diferente.

    Curiosamente ao pé do aeroporto de Lisboa vêm-se barracas também.

    Aqui não temos Chavez.

    Quanto ao regime anterior a Chavez era tão mau, para não dizer pior, que o actual de Chavez.

    É aliás, por isso que Chavez "aparece".
    Sob esse ponto de vista deveríamos considerar que Chavez é filho de uma regime dito normal e de direita? Ou não?

    Apesar de Chavez não me ter passado procuração( nem eu a querer) aconselho o A.teixeira a ver um documentário de 2002 chamado "The revolution will not be televised, realizado por uma equipa irlandesa que teve a sorte de ir à Venezuela para falar com o tipo e viu-se no meio do golpe de estado patrocinado pelos EUA/ corruptos do regime em vigor,pré Chavez.


    Percebe-se porque é que Chavez ainda existe e porque é que foi "criado".

    Não é Chavez que deve ser criticado mas sim quem o criou.Agora a criatura apenas se libertou do Criador e ganhou vida própria.

    E Chavez é de origem índia.É mestiço.

    Quanto a Hergé é apenas cínico no livro.
    Embora com Hergé nunca se saiba muito bem, porque antes da segunda guerra mundial ele tinha simpatias pelo regime nazi alemão.

    Dissidente-x

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  2. Caro Dissidente:

    Provavelmente ter-me-ei explicado mal. Creio que existe uma predisposição favorável de base entre as várias esquerdas europeias quando surge uma inflexão política significativa num qualquer país latino-americano, dadas as tradicionais assimetrias de distribuição da riqueza nesses países. Foi assim com Cuba, com o Chile, com a Nicarágua ou com a Venezuela. Eu próprio não fico insensível a esse sentimento.

    O que eu critico implicitamente neste poste é a indulgência com que esses mesmos simpatizantes avaliam os resultados alcançados por esses regimes. Por detrás da retórica revolucionária igualitária de Chávez, deixe-me explicar-lhe que o aumento daquele Coeficiente de Gini representa, objectivamente, que houve um aumento do fosso que separa os ricos e os pobres venezuelanos depois dele ter chegado ao poder.

    Há muito folclore, mas a percentagem média dos orçamentos dedicada à componente social (educação, saúde e habitação) durante os oito anos que Chávez já leva de governo – 25,1% - é precisamente a mesma percentagem média dos orçamentos dos oito anos que o precederam. Em Outubro de 2005 Chávez proclamou que se havia erradicado o analfabetismo na Venezuela, e agora estima-se que há um milhão de venezuelanos que não sabem ler nem escrever…

    Enfim, por muita simpatia que eu tenha pelo palhaço pela perseguição que os Estados Unidos lhe façam, creio que na maioria se trata de uma palhaçada que só existe porque se pode esconder por detrás da prosperidade adquirida com a alta do preço do petróleo…

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  3. """O que eu critico implicitamente neste poste é a indulgência com que esses mesmos simpatizantes avaliam os resultados alcançados por esses regimes."""


    Sim,Sim.
    Faço o apelo: este post merecia uma menos implícita e mais assertiva (mais um americanismo)critica.

    A frase é aquela: a indulgência.

    Nesse aspecto sou radical, deve-se criticar o que esteja mal,seja de esquerda ou de direita.Também estou farto das desculpabilizações permanentes que são feitas a certos regimes. Quer se chamem Cuba Castro ou Inglaterra de tony Blair....não comparáveis é certo , mas não se pode desculpabilizar gradativamente ambos os tipos de regimes.

    No caso de Cuba, então, é de uma idiotice pegada desculpar-se aquilo e romantizar-se o regime...


    Já agora o A.Teixeira diz isto:

    """Há muito folclore, mas a percentagem média dos orçamentos dedicada à componente social (educação, saúde e habitação) durante os oito anos que Chávez já leva de governo – 25,1% - é precisamente a mesma percentagem média dos orçamentos dos oito anos que o precederam."""

    Penso que posso lançar a ideia do porquê que tem pouco a ver com as palhaçadas dele e mais com paranóia e razões geoestratégicas dele e do regime.

    Há coisa de 4 anos salvo erro ele comprou sukhoi 30 aos russos, creio que 36 unidades + treino +peças e manutenção.

    E há dois anos comprou 9 submarinos de ataque também aos russos, material do moderno.

    Penso que isso ajuda a "explicar" a percentagem de Pib de 25.1%. Ou seja, o dinheiro que serviria para aumentar o PIB em certas áreas está a ser canalizado para material de combate.


    "...que houve um aumento do fosso que separa os ricos e os pobres venezuelanos depois dele ter chegado ao poder."

    Concordo. Isto é o que acontece sempre com uma qualquer revolução esquerdista deste tipo.
    Atacam o mercado em vez de o reformarem, logo surge esta diferenciação, precisamente porque o pequeno comércio/industria é imediatamente afectado e os mais pobres sofrem imediatamente.


    E num outro aspecto eu estou consigo: não simpatizo por aí além com as palhaçadas dele, nem com a óbvia demagogia, mas os americanos (e a oligarquia venezuelana)tem feito tudo e mais alguma coisa para manter enhance( mais uma americanada...) o tipo e o regime dele.

    Quase que dá a impressão que "querem" aquilo ali, porque lhes convém...a necessidade artificial de criarem um inimigo...

    Voltando ao tintim, desafio-o a fazer um post sobre o magnífico papel da Bianca Castafiore e os seus caprichos e birras nesse livro do tintim :-)

    com o sugestivo sub-título:
    Vogue!
    Bianca Castafiore e Hugo Chavez - um par feito no céu?

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  4. Na guerra de palhaços, apesar de tudo, ainda há quem represente o palhaço rico e quem represente o palhaço pobre - independentemente de quem apresente, isto é, do actor. Num contexto de arrogância criminosa a nível mundial - que tal é o papel dos EUA - faz falta um discurso de denúncia e uma estratégia de confronto. Até parece que é isto que A. Teixeira está apostado em contrariar. E é pena, dado seu nível intelectual.

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  5. Agradeço-lhe o elogio final, António Marques Pinto, mas creio que já deve comprar e ler um número que considerará suficiente de publicações e textos onde encontrará aquilo que designa por "um discurso de denúncia e uma estratégia de confronto".

    Nos filmes de cowboys e na maioria das análises políticas partidárias é que tem de haver sempre bons e maus.

    Aqui procuro que haja outras denúncias. Na realidade, por vezes há maus e maus; ou bons e bons, mas com interesses conflituosos. Ou então o assunto não tem verdadeiramente interesse nenhum... Como os resultados eleitorais do Nepal, "celebrados" por um jornal que deve apreciar com um artigo cheio de "gralhas":

    http://herdeirodeaecio.blogspot.com/2008/04/avante-dos-problemas-doutrinrios-aos.html?showComment=1208881380000

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