29 março 2008

AS GRANDES MANOBRAS

A prática dos exércitos se dedicarem a grandes manobras militares, numa espécie de ensaio geral das guerras futuras, deve ser bastante antiga: há relatos que já os romanos a aplicavam. Mas desde sempre, como acontece também com aqueles jogos de cartas que se jogam a sós, chamados paciências, o sucesso das lições que se podem extrair dessas manobras depende muito se o próprio organizador se permite ou não fazer batota durante o jogo. É que, se se condicionar o comportamento do inimigo (o IN, normalmente assinalado a vermelho) àquilo que dele esperamos, então as nossas tropas (NT, normalmente assinaladas a azul) prevalecerão.
E nessas condições, normalmente descobrem-se uma data de imperfeições de pormenor, na coordenação entre as unidades envolvidas, por exemplo, que acabam por justificar a realização das próprias manobras, mas o cerne da questão, os possíveis cenários em que as guerras futuras podem vir a ser travadas acabam por vir a não ser verdadeiramente testados. Por exemplo, ao longo da década de 1930, o exército francês realizou consecutivas manobras militares alargadas, que foram consideradas muito bem sucedidas, utilizando a Linha Maginot como núcleo defensivo do seu território contra uma potencial invasão alemã.

Depois veio a Segunda Guerra Mundial e aconteceu o que aconteceu: nem o exército francês tinha o treino ofensivo para que pudesse colocar o exército alemão entre duas frentes logo em Setembro de 1939, nem a flexibilidade defensiva suficiente para reagir a uma ruptura da frente como a que aconteceu em Maio de 1940. Para quem pense que a lição foi aprendida, note-se que, apesar das manobras militares da NATO na Alemanha, em 1968, por ocasião da invasão da Checoslováquia, mesmo que os decisores políticos ocidentais tivessem querido decidir de outro modo, não havia quaisquer solução militar para aquelas circunstâncias…
Há certos textos que, pretendendo-se fazer passar aparentemente por contributos para um grande debate elevado, me fazem lembrar antes essas encenações das grandes manobras militares, mas em todo o seu verdadeiro mau sentido: ou porque a discussão é lançada numa base viciada ou então porque o âmbito do contraditório é seleccionado pelos argumentos mais absurdos empregues pela outra parte. Ao longo texto de José Pacheco Pereira a respeito da invasão do Iraque, que foi publicado em duas metades, neste e no Sábado transacto no jornal Público, creio que esta descrição assenta como uma luva.

É um texto extenso (mais de oito mil caracteres na primeira parte, outro tanto na segunda), será descabido rebatê-lo em extensão num poste. Em compreensão, a primeira parte tem um início que o afecta irremediavelmente na sua credibilidade, com um preâmbulo a referir-se a uma quase perseguição por delito de opinião aos que apoiam a decisão da invasão, a fazer lembrar os saudosos sound bites de Paulo Portas, por acaso, um seu inimigo de estimação… E, se o terreno escolhido para as manobras é o da hostilidade ao redor do autor, o inimigo escolhido parece ser a extrema esquerda, onde há normalmente muito mais folclore ideológico do que substância…
O próprio José Pacheco Pereira reconhece que os interlocutores sérios são a excepção, mas que há aqueles que foram capazes de apontar erros reais da actuação dos americanos, em particular os que vinham quer da ignorância da dimensão daquilo em que se estavam a meter, quer da sua impreparação para o fazer e das suas erradas prioridades. Muitos deles, arriscarei eu, foram apoiantes iniciais da invasão e terão mudado de opinião à medida que o conflito ia evoluindo. E, contudo, a estas questões, onde me revejo em muitas das minhas críticas à decisão norte-americana, ele dedicou sensivelmente 400 caracteres, ou seja 5% do total da primeira parte da sua prosa…

A continuação do texto, publicada hoje, dedica-se, por sua vez, à questão da existência das armas. Usando a síntese escolhida pelo próprio jornal: Não houve mentiras porque Bush e Blair estavam convencidos de que as armas de destruição maciça existiam no Iraque. Tomo a liberdade de admitir que José Pacheco Pereira nem se tenha apercebido dos limites que pode atingir uma argumentação que se baseie nos convencimentos dos protagonistas da História. Ironicamente, poderá o Holocausto receber alguma espécie de justificação se se considerar que Hitler e Himmler estavam convencidos que os judeus eram uma raça inferior?...
É evidente que, para empregar uma frase que costuma ser considerada como emblemática do próprio José Pacheco Pereira: Não é essa a questão!... É cada vez mais indiferente se foi ou não uma mentira deliberada, ainda mais para dedicar uma página de jornal inteira a isso, como o fez hoje. Recordo que os episódios que desencadearam a Segunda Guerra Mundial ou a participação norte-americana na Guerra do Vietname foram-no (mentiras deliberadas) e hoje são ambas notas de rodapé na História dos dois conflitos. Debater a Guerra do Iraque agarrando-se aos pormenores ou rebatendo a argumentação do Bloco foi uma desilusão… Uma daquelas Grandes Manobras

2 comentários:

  1. Creio que hoje já nem Durão Barroso acredita nessa anedota!
    Creio que P.P. ainda tem reminiscências das suas crenças originais que provocam estas coisas...

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  2. Creio que é excessivamente contraditório demonstrar tanta frieza e distanciamento quando se escreve a respeito de causas que não se apoiam, e tanta falta deles nas outras...

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