07 novembro 2007

DO VIETNAME PARA A ÁFRICA PORTUGUESA – 3

De facto, como Adriano Moreira teve oportunidade de realçar no depoimento que prestou na série televisiva A Guerra, por altura da tentativa do golpe de Botelho Moniz, não se conheciam ideias nem qualquer programa inovador sobre o problema colonial ao General – nem ao General Delgado, já que vem a propósito… Pior que a perspectiva esquemática de Washington, a de Lisboa era definida por um septuagenário (Salazar) há muito desabituado de ser posto em causa, numa sociedade que nem é propensa a insolências: o respeitinho é muito bonito, como ficou patente no depoimento do General Kaúlza de Arriaga à mesma série, pela forma como uma caneta e algumas assinaturas desmontaram um movimento encabeçado pelas mais altas chefias militares…
Independentemente dessas tentativas de pronunciamento, a verdade é que, naquelas circunstâncias, todas as razões apontavam para que as respostas prioritárias fossem de carácter militar. Os britânicos haviam precisamente isso quando se haviam defrontado com insurreições de carácter nacionalista e anti-colonial semelhantes, na Malásia em 1948 e no Quénia em 1952. Se o discurso do Para Angola Depressa e em Força de Salazar em Abril de 1961 recolheu um apoio esmagador da sociedade portuguesa, provavelmente também o teria recolhido se Portugal fosse naquela época uma democracia. Do outro lado do Mundo, por essa altura, os primeiros investimentos em recursos materiais e humanos no Vietname também foram bem acolhidos nos EUA.
Em 1961, pura expressão semântica, a República do Vietname do Sul era em tudo, menos na designação, um verdadeiro protectorado norte-americano. Para todos os efeitos, os problemas que se deparavam aos Estados Unidos eram idênticos aos de um país administrador de uma colónia. E, na perspectiva norte-americana, a sociedade sul-vietnamita (que, de facto, possuía características próprias que a poderiam vir a tornar num país distinto do Vietname do Norte) precisava de ser militarmente protegida enquanto era económica e politicamente incentivada a autonomizar-se. É evidente que a disparidade de meios entre os Estados Unidos e Portugal torna incomparável o que poderia ser realizado num lado e noutro… Mas analisando intenções…
Enquanto se pode acusar os Estados Unidos de malbaratarem os seus vastos recursos em projectos políticos pouco consequentes, (patrocinaram três golpes de Estado consecutivos no Vietname do Sul, em 1963, 1964 e 1965…), é preciso ser-se muito meticuloso para descobrir quais foram as mudanças que Portugal promoveu no aparelho governativo das suas colónias, mesmo com os seus parcos recursos, durante a primeira meia dúzia de anos que se sucederam às insurreições… E contudo, esse período inicial também é, do ponto de vista militar, também a fase onde os dois exércitos convencionais (americano e português, e na medida das possibilidades relativas de cada um, evidentemente…) se adaptam com sucesso ao combate à guerrilha subversiva.
Retrospectivamente, pode-se perceber que, entre os norte-americanos, ao princípio havia um objectivo político claro a alcançar: um regime auto-sustentável no Vietname do Sul. Expresso de uma forma muito simples, a situação no Vietname era um problema da CIA, que devia receber o auxílio dos militares*. E, racionalmente, devia ter sido assim que devia ter permanecido. Porque a culpa do fracasso das elites sul-vietnamitas para criarem um regime funcional só muito remotamente poderia ser causada pelo clima de insegurança das guerrilhas do vietcong**. A solução para essa ineficácia não se iria encontrar num contingente de 100.000 soldados americanos, nem no aumento progressivo desse número para mais de 500.000…

(continua)

* Significativamente, em 1961 o Presidente Kennedy mandou duas missões independentes ao Vietname estudar localmente o problema: a militar era encabeçada pelo General Maxwell Taylor e a política pelo Professor Walter Rostow.
** Designação coloquial para o movimento guerrilheiro sul-vietnamita.

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