05 novembro 2007

DO VIETNAME PARA A ÁFRICA PORTUGUESA – 1

Complementando uma espécie de polémica que foi desencadeada pela série televisiva A Guerra, a respeito da designação da Guerra que se travou na África portuguesa de 1961 a 1975 (do Ultramar? Colonial? De Libertação?), gostaria de adicionar – para a confusão! – que não houve uma, mas três guerras de libertação que tiveram lugar quase simultaneamente e contra o mesmo inimigo – Portugal. Para além das alianças políticas entre movimentos nacionalistas (definidas pelos alinhamentos da Guerra-Fria), não tenho notícia de alguma expressão de colaboração táctica entre combatentes de um movimento na guerra de outro. Procurando ser um esforço honesto de expressão da visão africana, suponho que há, paradoxalmente, muito de eurocêntrico no uso da expressão Guerra de Libertação (no singular) para a designação do conjunto.
Numa conversa que teve no Outono de 1963, ainda o envolvimento militar dos norte-americanos no Vietname estava no seu início, Ho Chi Minh, o então líder norte-vietnamita, dizia a um diplomata polaco* acreditado em Hanói que nenhum deles conhecia bem os americanos, mas do que conhecia deles, no que havia lido e ouvido a seu respeito tudo apontava para que fossem mais práticos e perspicazes que os outros países capitalistas. Não vão continuar a gastar os seus recursos para sempre no Vietname. Haverá um dia em que algum vai pegar em papel e lápis e começar a fazer contas. E assim que as fizerem e que começarem a analisar as nossas ideias a sério, vão chegar à conclusão que é possível e que vale a pena viver em paz connosco.
Esta análise de Ho Chi Minh estava certa na parte da antecipação que os norte-americanos conduziriam a sua presença no Vietname de uma forma muito distinta à que fora conduzida pela potência capitalista que os precedera (a França); mas estava redondamente enganado nas suas expectativas que os recém chegados fossem mais perspicazes e que fizessem uma leitura mais realista de quais eram as dinâmicas profundas do poder dentro da sociedade vietnamita. Ou, analisado de uma outra maneira, Ho até poderia ter razão, mas não durante o período temporal em que ele estava a situar esta sua conversa: a vitória dos seus só veio a ser alcançada em 1975, seis anos depois de Ho ter morrido (1969).
Não é difícil imaginar um dirigente nacionalista de uma das colónias portuguesas (por exemplo, Amílcar Cabral) a produzir, no início da década de 60, uma análise (misturada com uma grande dose de desejo) parecida com a acima expressa por Ho Chi Minh. O paralelo continuaria até no facto de Cabral não ter assistido ao fim da Guerra - nesse caso por ter sido assassinado… Em contrapartida, tenho enormes dificuldades em identificar alguém da parte portuguesa que possa comparar às considerações que Robert McNamara (o Secretário da Defesa norte-americano de 1961 a 1968) produziu em 1999: Houve oportunidades que se perderam, tanto para evitar que a guerra começasse, como para a terminar antes que tivesse atingido a dimensão que atingiu.
Enfim, a questão que quero levantar numa série de postes, socorrendo-me também dos debates que, a esse mesmo respeito, se têm levantado frequentemente a respeito da sua contemporânea Guerra do Vietname, é se teria sido possível que as Guerras de África tivessem decorrido de forma diferente? E à óbvia resposta afirmativa, pretende-se ir mais fundo, concretizando-a: que aspectos principais é que poderiam ter corrido de forma diferente? Quais foram os protagonistas de cada lado que foram essenciais e marcaram o rumo para que o processo de descolonização português tivesse acontecido como aconteceu? Enfim, falta deixar a reserva que isto é um blogue e que o estilo de abordagem de assuntos tão densos quanto estes se ressentirá disso…

* Maneli Mieczyslaw.

(continua)

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