25 fevereiro 2006

CÓCÓRÓ! CÓCÓRÓ!

Para confirmar que isto da qualidade dos textos começa logo desde pequenino, será interessante comparar as letras de duas canções infantis, Atirei o pau ao gato e O Nosso Galo. A primeira é infantil (claro está) e repetitiva porque se pretende rítmica, a segunda também é infantil e repetitiva mas porque a letra é estúpida. Atente-se nela:

O nosso galo é bom cantor,
É bom cantor, tem boa voz,
Está sempre a cantar, Cócóró! Cócóró!
Está sempre a cantar, Cócóró! Cócóró!
Está sempre a cantar, Cócórócócó!

Mas veio um dia e não cantou
Outro e mais outro e não cantou
Nunca mais se ouviu, Cócóró! Cócóró!
Nunca mais se ouviu, Cócóró! Cócóró!
Nunca mais se ouviu, Cócórócócó...

Como em muitas outras coisas que aparecerão às crianças pela vida fora, há ali um raciocínio compassado e metódico (uma expressão frequentemente empregue como eufemismo para burrice...), porque, objectivamente, não acontece grande coisa: o galo cantor vai para a panela – e estas sete palavras são esticadas para dez versos.

Apesar da história tratar de uma ave não se nota naquela letra qualquer voo de raciocínio, muito pelo contrário, a expressão de aviário mais apropriada à situação é a de que a história anda para ali a pisar ovos, muito embora esse facto seja dissimulado às crianças pela exuberância e repetição dos Cócórós.

Como estas ideias não me surgem do nada – ao contrário desta súbita premência da discussão do nuclear para Portugal – pus-me a cogitar que associação livre havia feito para que esta canção de infância me surgisse no espírito, até que descobri: estava associada a este (até se ouve o Jorge Coelho a dizê-lo, nasalado…) vultuoso conjunto de investimentos que foi recentemente anunciado - Cócóró! Cócóró!

Para a nossa sociedade, onde houve uma apreciável parcela dos seus cidadãos que já foram educados ao som desta velha canção infantil (a canção é mesmo velha como o …!) e doutras aparentadas (que tal Doidas, doidas, doidas, andam as galinhas...?), não lhe é estranho privilegiar a sonoridade ou as aparências das coisas em detrimento da sua substância.

O galo, um genuíno galo de capoeira, é capaz de ser o animal que melhor retrata o nosso Primeiro-Ministro e o governo que dirige. Canta bem, e já o vimos por diversas vezes de crista eriçada!

Vamos lá a ver é se não desaparece subitamente um dia destes na panela (ou em Bruxelas, ou como Alto Refugiado, ou…) …