05 setembro 2008

A LAMÚRIA, DISFARÇADA DE RELATÓRIO

O acompanhamento jornalístico de qualquer assunto relacionado com a actividade económica só faz sentido se for para noticiar que as coisas pioraram. Alguém tem visto parangonas, ou sequer referências, ou ainda pequenas notícias, referindo que o preço do barril de petróleo tem vindo a descer gradualmente dos US$147 de Julho, estando a aproximar-se da barreira psicológica dos US$100?... Pois é. Em Portugal, para a feitura da notícia o jornalista ainda é privilegiado, pois recebe a ajuda graciosa do agente económico em questão, que a lamúria é uma instituição de contornos tão nacionais quanto a guitarra portuguesa.

Já terá passado de moda, mas lembro-me de uma tradição consolidada para as reportagens televisivas das vésperas de Natal, que consistia em ir para a baixa lisboeta e entrevistar os vendedores de rua para saber como é que ia o negócio, num encadeamento de queixas como se se tratasse de eleger o vencedor de um concurso com a "Melhor Lamúria de Natal": Nã… Isto este ano está tudo muito mal! Não há dinheiro!... O ano passado ainda se fazia alguma coisinha, mas isto este ano está muito pior… E assim, de ano para ano sempre a piorar, lá se encontrava a mesma gente com a sua oportunidade anual de aparecer na televisão…

O lóbi ligado à hotelaria do Algarve (AHETA) funciona estruturalmente da mesma maneira que os saudosos vendedores ambulantes natalícios da baixa pombalina, embora com outra sofisticação: as suas lamúrias já estão escritas para distribuição à comunicação social, e são normalmente redigidas num tom lúgubre, dando a entender que os associados parecem beirar a falência eminente. Um documento típico datado de Março de 2006, começava assim: Em mês de Carnaval, a folia não se reflectiu nos números da ocupação hoteleira… Mas afinal descobria-se que as vendas até tinham aumentado…

A fábula daquele pastor que pedia ajuda contra o lobo por brincadeira até ao dia em que precisou mesmo dela e ninguém lhe acudiu, não menciona a periodicidade com que ele pregava a partida do lobo. Pelos dois exemplos acima, se o tivesse feito de ano a ano, ou mesmo semestralmente, a experiência mostra que as pessoas se esqueciam do passado e tornariam a acudir-lhe. Deve ser isso que explica que um jornal como o Diário de Notícias continue a transpor ipsis verbis para as suas páginas o tradicional relatório lamuriento da AHETA, agora a propósito do mês de Agosto que agora passou.

Não há memória de um Agosto tão fraco no Algarve. Faltaram turistas, sobretudo ingleses. Claro que sabemos como as memórias podem ser extremamente selectivas: na AHETA já se devem ter esquecido como haviam previsto um ano de 2008 mais modesto. Sobretudo, o que incomoda é que se adopte um tom tão queixoso para um decréscimo que afinal se cifrou nos 2 ou 3%. Agora, quanto ao fluxo futuro de turistas ingleses, outros relatórios, e não dos chorados cá em Portugal, mostram uma preocupante disposição britânica de não alargar os cordões à bolsa: O Pior Agosto na Venda de Automóveis desde 1966...

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